Perdeu a graça
José Padilha fez um remake tecnicamente perfeito de Robocop. Só faltou a melhor parte
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O novo Robocop (2014), dirigido em Holywood pelo brasileiro José Padilha, atualiza vários elementos do filme original, como a privatização da segurança e a bioengenharia. Do ponto de vista técnico (efeitos especiais, som, fotografia), é irretocável. Só falta uma coisinha: senso de humor.
Quando foi lançado, o Robocop (1987) de Paul Verhoeven caiu na boa graça do público porque funcionava tanto como filme de ação como sátira política. Passado numa Detroit futurista, contava a transformação do policial Alex Murphy num ciborgue quase indestrutível que lutava contra o crime generalizado. Seu arqui-inimigo: ED 209, um tanque com patas e metralhadoras, que estranhamente sofre de acrofobia (medo de altura). Suas diretrizes: 1) Servir a segurança pública; 2) Proteger os inocentes; e 3) Seguir a lei. Ocorre que existe uma oculta Diretriz 4, que o impede de investigar e/ou prender qualquer executivo da OCP, o braço armado do governo que o criou.
Por se tratar de uma sátira, gênero narrativo que ridiculariza os temas e personagens que apresenta, um divertido tom de porralouquice e anarquia era a marca registrada do primeiro filme. Trechos de telejornais e propagandas mostravam uma sociedade ultra materialista submersa no crime e anestesiada pela violência, enquanto a policia fazia greve e a bandidagem explodia carros na rua com suas bazucas. Fortemente armados, os personagens atiravam nas mãos, pernas, cabeças e genitais uns dos outros. Na cena em que Murphy é fuzilado, nem 50 tiros são capazes de abatê-lo.
Fica claro que estamos num universo paralelo, criado inteiramente na cabeça de Verhoeven. Um universo exagerado, cínico, que se equilibra entre o cinema comercial e cinema-cabeça, já que tem um pouco de pancadaria e um pouco de sociologia, tudo bem exagerado.
Já o Robocop de Padilha tem jeitão de shopping center ou de aeroporto. Seu visual futurista (o filme é saturado de elementos digitais e hologramas) já foi exaustivamente utilizado em outros filmes do gênero. Qualidade dez, originalidade zero. Apesar de rotulado pela revista Veja como "um filme brasileiro" de 140 milhões de dólares, o Robocop de 2014 poderia igualmente ter sido dirigido por um paquistanês ou um iraniano. Não há uma impressão digital. É genérico.
É de se perguntar: terá Padilha algum senso de humor? Lembro do sucesso de Tropa de Elite (2007) com sentimentos ambivalentes: ao mesmo tempo que gostei do ritmo do filme e o achei bem filmado, me surpreendi com o ufanismo barato que despertou ao mostrar policiais incorruptíveis que espancavam maconheiros. Se Tropa de Elite era simplista, reacionário e preto-no-branco, Tropa de Elite 2 (2010) abordava zonas cinzentas como milícias e policiais corruptos. No entanto, terminava com uma fala em off em que o Capitão Nascimento culpa "o sistema" pela violência do país, enquanto rolam imagens do Congresso Nacional e da Esplanada dos Ministérios.
"O sistema"? Me parece um pouco abstrato. Se uma das principais funções da arte é propor problemas e questionamentos, Tropa de Elite e Tropa de Elite 2 são filmes quase nada artísticos, já que mostram claramente (e enchem de porrada) quem são os culpados por-tudo-isso-que-está-aí, como a se culpa não estivesse diluída em incontáveis fatores políticos e econômicos. Por outro lado, são ótimo entretenimento. Você pode se divertir com Rambo e nem por isso endossar o imperialismo norte americano.
Por essas e outras, Tropa de Elite e Tropa e Elite 2 operam quase no nível do filme-denuncia ou do filme-panfleto. Já o novo Robocop não passa de um filme-produto. O máximo de humor a que se permite é a atuação histriônica de Samuel L. Jackson, o âncora televisivo que faz lobby em prol da OmniCorp (antiga OCP) e acusa os americanos de serem robofóbicos. Ainda assim, é um humor a conta-gotas. Na maior parte do tempo, o que temos é um filme de ação que explora questões como Inteligência Artificial ou a natureza do libre arbítrio, questões aliás recorrentes em quase todos os filmes de ficção cientifica contemporâneos.
Padilha descartou o formato satírico do original e adotou um estilo épico e faraônico. Diferente de Verhoevem, Padilha não ri da sociedade. Ele quer salva-la do crime em tom grandiloquente, levando adiante o sonho quixotesco do Capitão Nascimento. No fim das contas, fez um filme comercial e infinitamente reprogramável em variações de Polícia X Bandido. Tudo culpa do sistema, claro.
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