Pensamento e linguagem
De certa maneira, a vitória da mídia sobre as demais formas de comunicação contribui para esvaziar os padrões de qualidade. Nos períodos de pleito eleitoral, vence quem aparece nas telas de TV e conta com o apoio das grandes emissoras.
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Um discurso se mede pela força do pensamento, pela beleza do estilo e pela qualidade da linguagem. Alguns, extraordinários, persistem na mente das pessoas. Martin Luther King, com o seu “I have a dream” (Tenho um sonho) virou um clássico. Getúlio Vargas, com a carta testamento, embora deixada por escrito, igualmente. Trata-se de um talento que, nos tempos atuais, se mostra escasso. Dirigentes substituem o conteúdo ausente por pregações nas quais a estupidez prevalece acima de programas e medidas a tomar. É difícil encontrar estética em retóricas nas quais se afirma pela negativa ou pelo ataque aos adversários repletos de impropérios. Chega a entristecer a ideia da nacionalidade, como se a houvéssemos perdido.
E, de repente, quando menos se espera, uma grata surpresa: o pronunciamento de Felipe Santa Cruz, à testa da OAB, por ocasião da posse de Luiz Fux na presidência do STF. Ouvidos e mentes se alegraram. Num momento de aridez entre os que figuram nos primeiros planos da cena, surge alguém que sabe reconhecer a ocasião em que se coloca e a ocupa com maestria de orador habituado a equilibrar conceitos e sentimentos naquilo que fala. Para o momento de adversidade nas instituições, alvo de pressões entre os poderes, não lhe faltou coragem. O Supremo recuperou sua autoestima dando-lhe voz e parando para escutá-lo. Ali estava alguém que possuía o que dizer e o fazia, no elogio ou na crítica, sem se perder. O orgulho de ser brasileiro retorna ao nosso imaginário.
Mas porque é tão importante falar bem. Nas ruas, nos botequins, no comércio, fala-se de qualquer maneira, com o mínimo necessário para a comunicação. Nos altos cargos, nos quais em princípio não se chegou por acaso, exige-se mais. Alexis de Tocqueville, o grande pensador francês, no seu A democracia na América, prevê o que se passava nos Estados Unidos como futuro da Europa e até do mundo. Lá, afirma ele, não há necessidade de grandes estadistas para governar. Qualquer um, eleito pela população pode ser escolhido. Isso se daria por uma razão. O povo, por sua conta, resolve os problemas. Por isso prescindiria de talentos no uso das funções. O filósofo acertou talvez demais. De fato, passamos a escolher sem critério os que se apresentam nas listas eleitorais, com o detalhe de que, por outro lado, não damos a impressão de resolver sozinhos os nossos problemas. Na péssima qualidade dos dirigentes, Tocqueville não errou.
A situação atingiu tal ponto que, aos nos aproximar dos veículos de comunicação, sentimos o impulso de desligar o botão, poupando-nos do sacrifício de escutar tolices e abusos de linguagem. A ignorância e a estupidez fizeram escola. Felizmente, nesse plano, a noção de fracasso não nos dominou completamente. Diante de Felipe Santa Cruz experimentamos, ao contrário, a vontade de ouvir outra vez. Há, portanto, esperança no fim do túnel. Um dia a casa cai. Pode ser que a energia do talento retorne ao nosso campo visual e revalorize a função de Presidente da República.
De certa maneira, a vitória da mídia sobre as demais formas de comunicação contribui para esvaziar os padrões de qualidade. Nos períodos de pleito eleitoral, vence quem aparece nas telas de TV e conta com o apoio das grandes emissoras. Os comícios, nos quais se ficava diante dos oradores, caíram em desuso. Vale a imagem como é transmitida. De retórica, nem se fala. É imperativo resumir a mensagem em segundos. Dependendo da situação, quando a vitória se anuncia, nem vale a pena comparecer aos debates. E pronto. Garantimos a fórmula do sucesso na mediocridade. Depois, paga-se um preço...
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