Pedido de Moro para censurar articulista na Folha revela rumo perigoso da Lava Jato
O jornalismo e o funcionamento de órgãos de impressa nunca foram tão suscetíveis a patrulhamentos — ideológicos ou políticos — e a tentativas de censura quanto nos tempos atuais
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O jornalismo e o funcionamento de órgãos de impressa nunca foram tão suscetíveis a patrulhamentos — ideológicos ou políticos — e a tentativas de censura quanto nos tempos atuais, embora finja-se uma aparente normalidade democrática no país. A liberdade de expressão é direito fundamental assegurado no inciso IX, art. 5º da Constituição Federal.
Dito isto, vamos à vaca fria.
O juiz Sérgio Moro, da Lava Jato, anda bastante nervoso. Pela segunda vez, em menos de um mês, ele bate-boca com àqueles que lhe contestam na forma e na essência. No final de setembro, por exemplo, o magistrado já tinha respondido pelo Facebook Lenio Streckdizendo que ‘sentia pela aspereza’ do jurista gaúcho. Esta semana, de novo, Moro ficou magoado com o artigo do físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite. Só que agora Moro pediu, em carta, para que o jornal Folha de S. Paulo censure o professor e membro do conselho editorial do grupo.
O magistrado viu no artigo de Cerqueira Leite “equiparações inapropriadas com fanático religioso” Girolamo Savonarola, frei dominicano e fanático puritano, que se tornou ditador moral da cidade de Florença quando os Medici foram temporariamente expulsos em 1494 — conforme perfil traçado pelo historiador Richard Cavendish.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tri-perseguido pela Lava Jato, não perdoou seu algoz nesse episódio. O petista denunciou que o juiz Sérgio Moro quer dizer a jornais o que devem publicar.
“O mesmo juiz Sérgio Moro usou de seu cargo e autoridade para divulgar para a imprensa gravações ilegais de uma conversa do ex-presidente Lula com a então presidenta Dilma Rousseff, que não poderia ter sido gravada, muito mais divulgada, e gravações de conversas privadas de Lula e sua família, violando flagrantemente a Lei de Interceptações que não permite a divulgação dessas escutas”, afirmou uma nota do Instituto Lula.
Leia a íntegra do pedido do juiz Sérgio Moro:
LAVA JATO
Lamentável que um respeitado jornal como a Folha conceda espaço para a publicação de artigo como o “Desvendando Moro”, e mais ainda surpreendente que o autor do artigo seja membro do Conselho Editorial da publicação. Sem qualquer base empírica, o autor desfila estereótipos e rancor contra os trabalhos judiciais na assim denominada Operação Lava Jato, realizando equiparações inapropriadas com fanático religioso e chegando a sugerir atos de violência contra o ora magistrado. A essa altura, salvo por cegueira ideológica, parece claro que o objeto dos processos em curso consiste em crimes de corrupção e não de opinião. Embora críticas a qualquer autoridade pública sejam bem-vindas e ainda que seja importante manter um ambiente pluralista, a publicação de opiniões panfletárias-partidárias e que veiculam somente preconceito e rancor, sem qualquer base factual, deveriam ser evitadas, ainda mais por jornais com a tradição e a história da Folha.
SERGIO FERNANDO MORO, juiz federal (Curitiba, PR)
NOTA DA REDAÇÃO – Os artigos publicados na página Tendências/Debates não traduzem a opinião do jornal, que é expressa nos editoriais sem assinatura da pág. A2.
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Agora leia abaixo o artigo “Desvendando Moro”, de autoria de Rogério Cezar de Cerqueira Leite, publicado no jornal Folha de S.Paulo nesta terça-feira (11/10):
Desvendando Moro
“O húngaro George Pólya, um matemático sensato, o que é uma raridade, nos sugere ataques alternativos quando um problema parece ser insolúvel.
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Um deles consiste em buscar exemplos semelhantes paralelos de problemas já resolvidos e usar suas soluções como primeira aproximação. Pois bem, a história tem muitos exemplos de justiceiros messiânicos como o juiz Sergio Moro e seus sequazes da Promotoria Pública.
Dentre os exemplos se destaca o dominicano Girolamo Savonarola, representante tardio do puritanismo medieval. É notável o fato de que Savonarola e Leonardo da Vinci tenham nascido no mesmo ano. Morria a Idade Média estrebuchando e nascia fulgurante o Renascimento.
Educado por seu avô, empedernido moralista, o jovem Savonarola agiganta-se contra a corrupção da aristocracia e da igreja. Para ele ter existido era absolutamente necessário o campo fértil da corrupção que permeou o início do Renascimento.
Imaginem só como Moro seria terrivelmente infeliz se não existisse corrupção para ser combatida. Todavia existe uma diferença essencial, apesar das muitas conformidades, entre o fanático dominicano e o juiz do Paraná -não há indícios de parcialidade nos registros históricos da exuberante vida de Savonarola, como aliás aponta o jovem Maquiavel, o mais fecundo pensador do Renascimento italiano.
É preciso, portanto, adicionar um outro componente à constituição da personalidade de Moro -o sentimento aristocrático, isto é, a sensação, inconsciente por vezes, de que se é superior ao resto da humanidade e de que lhe é destinado um lugar de dominância sobre os demais, o que poderíamos chamar de “síndrome do escolhido”.
Essa convicção tem como consequência inexorável o postulado de que o plebeu que chega a status sociais elevados é um usurpador. Lula é um usurpador e, portanto, precisa ser caçado. O PT no poder está usurpando o legítimo poder da aristocracia, ou melhor, do PSDB.
A corrupção é quase que apenas um pretexto. Moro não percebe, em seu esquema fanático, que a sua justiça não é muito mais que intolerância moralista. E que por isso mesmo não tem como sobreviver, pois seus apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT.
Savonarola, após ter abalado o poder dos Médici em Florença, é atraído ardilosamente a Roma pelo papa Alexandre 6º, o Borgia, corrupto e libertino, que se beneficiara com o enfraquecimento da ameaçadora Florença.
Em Roma, Savonarola foi queimado. Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes.
Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira, seja ela legitimamente aristocrática ou não”.
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