PEC da destruição e da corrupção

O Congresso Nacional só tem uma alternativa para a tramitação da PEC 32. Deve rejeitá-la. Caso haja realmente algum interesse no interior do legislativo em promover melhorias e aperfeiçoamentos na administração pública, a pauta será muito bem-vinda



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Em 2018, o então candidato da extrema direita ao Palácio do Planalto corria por fora, operando em raia própria, ainda se sentindo bastante escanteado por parte significativa das elites políticas e econômicas de nosso País. Porém, apesar desse isolamento inicial, Bolsonaro conseguiu trazer para sua campanha um personagem importante, capaz de lhe facilitar o necessário livre trânsito no interior do sistema financeiro.

A partir de então, Paulo Guedes converteu-se no “Posto Ipiranga” do ex capitão e todas as questões relativas a economia que a imprensa ou demais interessados enviavam a ele eram automaticamente direcionadas ao aprendiz de banqueiro. O interessante é que o candidato não sentia o menor constrangimento ao reconhecer em público que não entendia nada do assunto e que seu assessor iria responder a todo o tipo de dúvida apresentada.

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A campanha cresceu em intenção de votos e a presença do old chicago boy era encarada como uma espécie de aval junto ao financismo para o desenho futuro da política econômica do eventual presidente. A convivência entre um deputado federal com um passado bastante intervencionista e defensor do Estado na economia e um neoliberal operador convicto a favor dos interesses da banca era, a um só tempo, desafio e incógnita.

A vitória de Bolsonaro veio combinada à entrega de uma imensa fatia de poder para Guedes. A criação de um monstrengo chamado Ministério da Economia parecia ser a confirmação da autonomia para que o mesmo formulasse e implementasse a política econômica da forma que bem entendesse. O superministro passou a ter sob seu estrito comando as antigas e tradicionais pastas da Fazenda, do Planejamento, da Indústria e Comércio e também do Trabalho. Nunca antes da história do Brasil um subordinado de Presidente da República teve tanto poder concentrado em suas próprias mãos.

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Guedes & Bolsonaro: da campanha ao Palácio do Planalto

Pois então o ex assessor do ditador sanguinário no Chile, o general Pinochet, resolveu aproveitar o espaço a ele oferecido para levar à frente seu projeto mestre. Como bom serviçal a serviço dos interesses do grande capital financeiro, Guedes se propôs a missão de destruição do Estado brasileiro e do desmonte das políticas públicas em nossas terras. Isso significa encarar de frente e sem pudor aquilo que as demais frações de nossa elite quase nunca tiveram a coragem política de fazer de forma aberta e explícita. O primeiro passo seria a desconstrução de todos os elementos previstos na Constituição de 1988 como constitutivos de nosso arremedo de projeto de Estado de Bem Estar Social.

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Uma parte desse “serviço sujo” já havia sido colocada em execução pelo governo de Michel Temer e Henrique Meirelles, com a aprovação da EC 95, no final de 2016. Por meio de tal dispositivo incluído no texto constitucional, o Brasil passou a ser o único país no mundo que se propunha a congelar os gastos públicos pelo longo período de 20 anos. Enfim, nem todas as despesas orçamentárias, uma vez que aquelas de natureza financeira permaneciam livres, leves e soltas para crescer como o governo de plantão assim o desejasse. Um verdadeiro tiro no pé em qualquer intenção de projeto de desenvolvimento nacional e mesmo para necessidades mais modestas, como a adoção de medidas anticíclicas em conjunturas recessivas como a atual.

Paulo Guedes se encarregou da Reforma da Previdência redutora de direitos e demolidora do caráter público do Regime Geral da Previdência Social. Em seguida, aprofundou as maldades da Reforma Trabalhista já esboçada pelo governo anterior, destruindo os direitos previstos na CLT e institucionalizando a precariedade e a informalidade como regra “natural” de nosso mercado de trabalho.

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PEC da destruição

A etapa atual, à qual se dedica com toda energia e atenção, é marcada por aquilo que a grande imprensa vem chamando de Reforma Administrativa. Mentira! A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 32 não pode ser caracterizada como tal. A leitura da medida nos convence de que ela não se propõe a reformar nada, mas tão somente a destruir as bases constitutivas do Estado brasileiro. Além disso, não cabe qualificá-la como preocupada com esse todo complexo da administração pública, uma vez que seu foco é exclusivamente o aniquilamento dos servidores. O único argumento repetido por Guedes à exaustão é o mantra da crise fiscal. Mas a própria Exposição de Motivos , que acompanha a PEC, reconhece que ela não surtirá efeitos a curto prazo, mesmo na lógica austericida dos cortes e mais cortes.

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A lista de absurdos e equívocos presentes no interior da PEC é imensa. A começar pela motivação explicitada no discurso da austeridade, a partir do qual não haveria mais recursos para dar continuidade às despesas com pessoal nos 3 níveis da administração estatal em nosso País: federal, estadual e municipal. Como sempre faz nessas horas, o governo mente e exibe gráficos com uma suposta explosão de gastos com recursos humanos ao longo dos últimos 12 anos. Teria ocorrido um crescimento “insustentável” de 145%! O pequeno detalhe é que o estagiário foi orientado a não corrigir os valores pelos índices de inflação. Um truque típico da malandragem sem nenhum caráter. Assim, a relativa estabilização ocorrida nesse tipo de despesa se transformaria em um crescimento “descontrolado” das rubricas federais. (sic)

A PEC introduz de maneira sorrateira um novo princípio jurídico norteador das ações da Administração Pública no art. 37 da CF. Trata-se da “subsidiariedade”, que aparece de forma matreira no teto constitucional e passaria dar a legitimidade necessária a todo o processo de privatização e aniquilação da administração. Afinal, os serviços públicos, por exemplo, a partir de sua adoção como fundamento jurídico, deverão ser objeto de produção e oferta por parte do capital privado prioritariamente. De acordo com a nova redação, ao Estado caberia apenas um papel suplementar e subsidiário. Ou seja, no limite estaria pavimentada a via para a sua própria quase-extinção.

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Estabilidade do servidor: garantia ao cidadão.

A PEC retrocede para o período anterior à nova Constituição e elimina a grande conquista do Regime Jurídico Único (RJU). Sob o discurso falacioso da necessidade de modernizar o Estrado brasileiro, a proposta introduz a possibilidade de constituição de um novo contingente de servidores para União, Estados e Municípios. Assim, os novos contratados não estariam submetidos às caracterizações republicanas essenciais da força de trabalho no serviço público, tais como o concurso de acesso, a estabilidade, os salários condizentes com as tarefas exigidas, entre outros elementos.

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Ora, está mais do que evidente que a estabilidade não é privilégio do servidor, mas sim uma garantia para a população de que o serviço público não será descontinuado por mero capricho ou interesse do governante de plantão. Trata-se de um instituto que assegura a manutenção de políticas públicas como educação, saúde, previdência, saneamento, segurança pública, entre tantas outras. A solução para os casos de eventual irregularidade cometida ou ineficiência comprovada passa pela necessária regulamentação da avaliação de desempenho.

No entanto, ao contrário da narrativa construída pelo governo, a medida deixa de fora de sua abrangência as carreiras e categorias que mais pesam quando se trata de combater altos salários, privilégios e falta de transparência. Assim os integrantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e os militares, por exemplo, não estariam subordinados às novas regras da flexibilidade destruidora.

PE do autoritarismo e da corrupção.

A PEC passa conferir poderes extraordinários ao Chefe do Executivo. De acordo com o texto apresentado, o Presidente da República passa a ter competência para criar e extinguir todos os tipos de órgãos de sua esfera de administração pública, eliminando a atual necessidade de aprovação pelo poder legislativo. Assim, bastaria uma canetada de Bolsonaro para que as universidades que tanto lhe incomodam sejam eliminadas. O mesmo destino pode ser conferido aos que órgãos que apresentam informações que lhe desagradem, como o IBAMA, o INPE ou aqueles que se encarregam de ações contra o trabalho escravo. A PEC retroage quase quatro séculos, inspirada no dito atribuído ao absolutismo do Rei Luis XIV da França: “O Estado sou eu!”.

Imaginemos agora o que ocorreria em cada um dos 5.570 municípios, nos 26 Estados e Distrito Federal, além do governo federal, caso tais intenções fossem transformadas em realidade. Se o Chefe do Executivo passasse a contar com o poder de demitir os funcionários a seu bel prazer, estaríamos frente a uma completa degradação da qualidade dos serviços públicos oferecidos à população, em razão da alta rotatividade de pessoal e dos critérios obscuros e subjetivos para sua contratação. Esse é o caminho para institucionalizar pelo Brasil afora a maneira pela qual a família Bolsonaro sempre pautou sua relação com os recursos públicos. São os esquemas das ilegalidades conhecidas por “rachadinhas”, o mandonismo no trato com os servidores e o manto de “naturalidade institucional” para os métodos de apropriação privada de dinheiro público com a conivência de seus subordinados. Em poucas palavras: trata-se da institucionalização da corrupção.

O Congresso Nacional só tem uma alternativa para a tramitação da PEC 32. Deve rejeitá-la. Caso haja realmente algum interesse no interior do legislativo em promover melhorias e aperfeiçoamentos na administração pública, a pauta será muito bem-vinda.  Há bastante o que fazer se a intenção for de fato aquela de tornar o Estado brasileiro mais útil e competente na sua relação com o conjunto dos setores sociais. Mas a estratégia deveria ser oposta à da PEC 32. Não se trata de fazer terra arrasada da administração pública, mas de torná-la verdadeiramente transparente, eficiente, republicana e democrática.

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