Pazuello enlameia o Exército, mas não será punido

Histórico de impunidade deve ser mantido, como no atentado ao Riocentro, de 1981, que acabou por promover capitão que levou bomba ao posto de coronel



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A dobradinha formada por Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello levou o Exército Brasileiro, nesta semana, à sua maior crise desde a retomada da democracia no país, em 1985. Pode-se dizer que a participação de ambos naquela que foi apelidada de “caravana do vírus”, no último final de semana, teve o mesmo efeito do atentado ao Riocentro, de 1981, quando uma bomba, levada pelo sargento Guilherme Pereira do Rosário e pelo capitão Wilson Dias Machado à festa que comemorava o Dia do Trabalhador, explodiu acidentalmente dentro do veículo que usavam, matando o “sargento-terrorista” antes que eles pudessem plantá-la no centro de exposições. Desta vez, o artefato usado pelos extremistas foi, apenas e tão somente, a falta de discernimento, mas o estrago teve a dimensão de um petardo.

Há quem espere uma punição exemplar do Alto Comando para Pazuello, mas, a julgar pelo ocorrido com os artífices do atentado que completou 40 anos, no último dia 1º, o mais provável é que ele leve um puxão de orelha ou, no máximo, seja reformado (a pedido ou compulsoriamente) e se aposente com ganhos superiores aos atuais. Bom, pelo menos foi isso que ocorreu com Wilson Dias Machado, capitão à época do atentado ao Riocentro que foi içado ao posto de coronel e, hoje reformado, abocanha mais de R$ 20 mil mensais do dinheiro dos contribuintes pelos “serviços prestados à Nação”.

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A insubordinação de Pazuello, que afrontou o Regulamento Disciplinar do Exército, acontece em um momento ‘sui generis’, quando tudo indicava que o Exército havia se dado conta de que a discrição era sua maior amiga – até porque no período em que a manteve, entre 1985 e 2018, sua imagem foi revigorada junto à população. Mas a sede de protagonismo de alguns de seus generais pôs tudo a perder e, liderada por um capitão dispensado por desonra, a corporação vê-se agora em um imbróglio: se passar a mão na cabeça de Pazuello, dará a impressão de que não existe mais hierarquia em seu estamento; se puni-lo exemplarmente, corre o risco de sublevação de parte do seu contingente.

Fato é que quem acompanhou os desdobramentos do atentado a bomba ao Riocentro sabe, muito bem, que o corporativismo fala mais alto do que a decência, dentro da tropa, e o mais provável é que se encontre uma saída para a crise dentro dos gabinetes militares, mantendo a caserna sob controle com muita cerveja da garrafinha verde e carne de primeira para o churrasco. A politização dos quartéis é um fenômeno que vem ocorrendo desde antes da eleição de Bolsonaro e que, depois dela, foi tratado com desdém pelos Poderes Legislativo e Judiciário. O negócio, portanto, é não chamar atenção para o fato de o Exército Brasileiro ser, hoje, uma instituição sem comando, à beira da amotinação, e totalmente dispensável, cujo custo não compensa, nem de longe, o suposto benefício de sua existência.

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Um levantamento feito no ano passado, pelo Instituto Fiscal Independente, revelou que quase 75% dos gastos com a Defesa, no Brasil, correspondem com pessoal. Só com reservistas e aposentadorias, os cofres públicos são sangrados em mais de R$ 26 bilhões, anualmente, mais de quatro vezes do que é investido em equipamentos, ou seja, em novos armamentos e material permanente – é público e notório que a munição dos paióis não é suficiente para um único dia de guerra. As Pollyanas de plantão dirão que os Estados Unidos gastam mais que o dobro, proporcionalmente ao Produto Interno Bruto (PIB) de cada país, com o setor militar, mas o dinheiro que se gasta, aqui, é muito mal alocado – basta comparar a capacidade bélica e o pessoal das Forças Armadas de ambas as nações.

Transgressor, um soldado desobediente

De volta a Pazuello, não há dúvidas de que ele, além de um mentiroso capaz de fazer inveja ao próprio Pinóquio, é um transgressor, um soldado desobediente. Isso porque o general deveria saber que o Exército, como força de estado e não como força de governo, não pode participar de manifestações políticas. Neste ponto, o Anexo I (Relação das Transgressões), do Regulamento Disciplinar (R4, de 2002), é taxativo em seu item 57: “Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”. Se o leitor leigo, que acaba de ter ciência disso, consegue perceber o previsto com clareza solar, era de esperar que um general tivesse, pelo menos por alto, conhecimento do estatuto militar que lhe rege.

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Já as punições disciplinares a que Pazuello está subordinado são elencadas no art. 24 (Seção I, do mesmíssimo Regulamento), classificadas em ordem de gravidade em seus seis incisos. De acordo com o texto legal, são previstas as seguintes sanções os transgressores: advertência; impedimento disciplinar (de, no máximo dez dias); repreensão; detenção disciplinar; prisão disciplinar (máximo de 30 dias); licenciamento e até mesmo exclusão a bem da disciplina. Não preciso ser constitucionalista, muito menos advogado, para aduzir da simples leitura da Seção I e do Anexo I que, se quiserem aliviar a barra para Pazuello, seus superiores poderão apenas admoestá-lo, censurá-lo energicamente, deixá-lo “de molho” em casa ou preso (em prisão própria, de oficiais), obrigado ao “suplício” de fazer “suas refeições na dependência onde estiver cumprindo sua punição”.

Ninguém desapaixonado acredita que os pares de Pazuello terão coragem para impor-lhe uma punição rigorosa, exemplar, moralizadora. Os céticos apostam que tudo ficará como está, afinal de contas, se há quarenta anos ninguém se empenhou em cobrar do Exército punição para os terroristas que promoveram o atentado ao Riocentro (o processo foi reaberto pelo Minstério Público Federal, em 2014, e permanece inconcluso), a mesa está posta para, ao invés da tradicional pizza, tudo acabar em cerveja e churrasco. É preciso entender que a crise institucional serve ao projeto de poder bolsonarista, que desmonta o estado e o entrega à fatia mais privilegiada da burguesia tupiniquim, cindindo agora as próprias Forças Armadas.

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É possível que este prognóstico esteja errado, mas ele se apoia mais no realismo do que naquilo que se aspira.

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