Paz na Ucrânia depende de realismo sobre quais são os fatores de confronto e os de diálogo no mundo multipolar
São antagônicas as perspectivas de política externa de Rússia e China, por um lado, e dos EUA, por outro
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Por José Reinaldo Carvalho, 247 - Rússia e Ucrânia, com a participação ativa da Otan, que fornece ao regime de Kiev armas pesadas e sofisticadas, além de treinamento de soldados e oficiais, travam intensos combates na região do Donbass, hoje quase totalmente sob a soberania russa, após os triunfos militares do Exército de Putin e os pronunciamentos da população em favor do novo status da região.
Paralelamente aos combates, estão em curso intensas movimentações diplomáticas tendo a China como um dos polos principais, na medida em que o país socialista asiático se torna o fator novo nas relações econômicas e políticas do emergente mundo multipolar. Demonstram isso o lançamento recente pela chancelaria chinesa dos 12 pontos para as negociações visando à paz na Ucrânia, a consolidação da parceria estratégica global com a Rússia com a visita de Xi Jinping a Moscou, em março último, os entendimentos do presidente chinês com Emmanuel Macron e a presidente da Comissão Europeia nesta primeira semana de abril e a visita que Lula fará à China na próxima semana.
No front diplomático e político, a Rússia lançou no dia 31 de março um denso documento de atualização de sua política externa, expondo com transparência os conceitos orientadores de sua ação no mundo.
O ponto de partida são os interesses nacionais da Federação Russa e a definição do lugar da Rússia no mundo, que segundo a visão dos estrategistas do Kremlin é "determinado por seus recursos significativos em todas as esferas da vida, pelo status de membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), membro das principais organizações e associações interestatais, um dos maiores poderes nucleares do mundo".
Ainda que não seja mais um país revolucionário e socialista, a Federação Russa não deixa de reivindicar seu status de país sucessor da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e de enaltecer a contribuição decisiva que deu para o triunfo da humanidade na Segunda Guerra Mundial.
O governo de Putin mostra-se disposto a exercer um papel ativo na criação de um novo sistema de relações internacionais, afirmando o princípio da atuação como um dos centros soberanos do desenvolvimento mundial. A Rússia considera-se apta a desempenhar uma missão construtiva em prol do equilíbrio global de poder, proclama o objetivo de construir um sistema internacional multipolar e favorecer a paz mundial.
O documento autodefine-se como um conjunto de conceitos, princípios e normas de política externa independente e multivetorial e ressalta as responsabilidades com a manutenção da paz e a segurança nos níveis global e regional. "A política externa da Rússia é pacífica, aberta, previsível, consistente, pragmática, baseada no respeito pelos princípios e normas universalmente reconhecidos do direito internacional e no desejo de cooperação internacional igualitária para resolver problemas comuns e promover interesses comuns. A atitude da Rússia em relação a outros estados e associações interestatais é determinada pela natureza construtiva, neutra ou hostil de sua política em relação à Federação Russa".
O documento chega em boa hora, quando a humanidade vive uma época turbulenta, que entrelaça perigos e potencialidades, em meio a conflitos de diferentes tipos, entre estes uma operação militar especial nas fronteiras da Federação Russa, na qual desempenha o papel de principal protagonista.
É indubitável que a humanidade vive uma época de grandes mudanças, designadas pelo líder chinês Xi Jinping na recente conversa que manteve com seu colega russo Vladimir Putin como as maiores em um século. Prosseguem em ritmo mais acelerado do que supõem alguns leitores de orelhas de velhos manuais a formação de um mundo multipolar que mais dia, menos dia ensejará a construção de um novo sistema de relações internacionais, com instituições reformadas e outras inteiramente novas. Esta é uma das apostas do Kremlin, cujo novo conceito de política externa adota como um de seus pressupostos a crítica ao "modelo de desenvolvimento mundial sem equilíbrio". E a luta contra o neocolonialismo e a hegemonia estadunidense.
É uma aposta no exercício da soberania plena pelos países que têm sido vítimas da espoliação imperialista.
A atualização da concepção de política externa da Rússia ocorre simultaneamente a semelhantes iniciativas da China, voltadas para o desenvolvimento global, a segurança global e a civilização global. Em seu conjunto, tais iniciativas enfatizam os esforços dos povos e nações independentes para defender a igualdade e a justiça nas relações internacionais, a promoção da paz, o combate à pilhagem de recursos, típica do neocolonialismo, a oposição ao hegemonismo, à política de força, a imposição da segurança das grandes potências em detrimento da segurança coletiva.
Os estrategistas do Kremlin e do Partido Comunista da China compreendem que os países imperialistas, com os EUA à frente, se opõem tenazmente aos fatores que atuam em favor da nova realidade do mundo multipolar e nessa medida jogam todo o seu peso político, diplomático, econômico e militar para evitar o fim da sua hegemonia, enfrentar e enfraquecer seus rivais, instrumentalizar as Nações Unidas e compactar seu campo de alianças, esforço no qual os fatores bélicos (Otan) ganham prioridade sobre a diplomacia. Nesse sentido, a estratégia do imperialismo estadunidense abrange o uso de medidas coercitivas, golpes de estado, militarização à outrance, e ações bélicas propriamente ditas. A reação estadunidense ao declínio da sua hegemonia é a principal ameaça de escalada de conflitos, levando ao mundo o risco de uma conflagração global.
A política externa e de segurança nacional dos Estados Unidos parte do pressuposto de assegurar a "liderança permanente", o que leva a Casa Branca, o Pentágono e a comunidade de informação (inteligência e espionagem) ao que chamam de "engajamento afirmativo", na tentativa de construir uma forte e ampla aliança de potências imperialistas, países médios e emergentes subalternos para aumentar sua capacidade de enfrentar seus inimigos, a China ascendente e a Rússia "perigosa".
As perspectivas de política externa da China e da Rússia, por um lado, e a dos Estados Unidos, por outro, são antagônicas.
Embora não seja fácil chegar a entendimentos para pôr fim ao conflito na Ucrânia, nem todas as portas estão fechadas. Para isso, é necessário realismo, levando em conta o quadro geopolítico concreto e a nova realidade territorial resultante da operação militar especial russa, em curso desde fevereiro do ano passado. Pertence ao terreno das abstrações idealistas exigir que a Rússia abandone suas posições no Donbass.
O fundamental para abrir perspectivas construtivas é compreender quais países estão comprometidos com a busca da paz e do desenvolvimento compartilhado no quadro da emergência do mundo multipolar e quais são os que, do lado antagônico, querem a todo o custo impor sua hegemonia.
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