Pau que dá em Bolsonaro dá em Francisco
A simples ameaça à legitimidade do Papa Francisco mostra o quanto o “terraplanismo” que aterroriza a civilização não tem limites e, se dá em Chico em Bolsonaro, tranquilamente dá em Francisco, literalmente
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Neste mundo atual, nada mais é perene, o que nos é bom e ruim ao mesmo tempo. Digo nós, que aqui discutimos os temas mais relevantes da política atual sob o prisma das esquerdas. Igualmente, quanto a bom e ruim digo que há vantagens e perigos da não estabilidade dos dias presentes nesta disputa entre a civilização e a barbárie.
Isto porque os últimos fatos, que estamparam manchetes e páginas de política nacional e internacional, dão conta de que Jair Bolsonaro deixará o seu partido, o PSL, casamento que, portanto, teria durado pouco mais de um ano. Isso mesmo, porque nunca é demais lembrar que Bolsonaro chegou ao PSL porque não tinha legenda para concorrer às eleições as quais era favorito, em sendo cassado ilegalmente a candidatura do também barbaramente preso ex-presidente Lula (PT, 2003-2010). Filiado inicialmente ao PP, Partido Progressista que jamais teve algo de progressista, visto ser o partido de Paulo Maluf, transferiu-se para o Partido Social Cristão (PSC), este sim, partido dos cristãos conservadores recheado de lideranças evangélicas. Pouco depois, no entanto, por dissidências internas, migrou para o então Partido Ecológico Nacional, o PEN, que se transmutou em Patriota para receber o ex-capitão (talvez por escrúpulos em receber o candidato que pregava a destruição de nosso patrimônio natural). Ao fim e ao cabo, no entanto, terminou desligando-se do Patriota e chegou ao Partido Social Liberal, campo ideológico em que mais ou menos se encaixaria uma Marina Silva, jamais Bolsonaro.
A fluidez e efemeridade com que se passam os acontecimentos e com que se mantêm os vínculos profissionais, comerciais, materiais e afetivos dos dias atuais reverbera no campo político. Por isso, a extrema-direita louvada há dois anos pode esfacelar-se a qualquer minuto e dá sinais claros de que o faça nos próximos meses, chegando moribunda a 2022 e até lá repudiada em todos os demais países latino-americanos, onde Bolsonaro é exemplo do que não se deve fazer por todas as candidaturas que levam a sério a possibilidade de vencer as eleições. Vide a disputa entre Daniel Martínez e LaCalle Pou no Uruguai, em que ambos negam ser o “Bolsonaro uruguaio” (Martinez com absoluta razão, Pou nem tanto).
Por outro lado, quando formos o Poder, porque ainda o seremos novamente, a mesma efemeridade nos atingirá. E é aí que mora o perigo. Vide o Papa Francisco, que outro dia mesmo era o primeiro pontífice a romper com o retrocesso pregado pelo catolicismo romano liderado por João Paulo II em seus últimos anos e, em seguida, por Bento XVI. Circulam na internet posts proclamando Francisco como o antipapa, ao passo que Bento seria o Papa por direito. Isto por causa de suas efetivas ações em defesa da Institucionalidade na América Latina e da preservação da natureza, sobretudo com as cartas enviadas a Lula e a realização do Sínodo da Amazônia.
Portanto, vamos ao que venha a ser “antipapa”: a figura do antipapa foi criada pela Igreja há alguns séculos para definir papas que chegaram ao poder não pela chamada “inspiração pelo Divino Espírito Santo”, que orienta os cardeais reclusos no Vaticano durante o processo de eleição conhecido como Conclave, e assim permite que seja escolhido aquele líder que é da vontade de Deus. Antipapa seria aquele que, ao invés disso, chega ao Poder por conspirações políticas que atingem a Igreja e profanam o cargo de Sumo-Pontífice, maculando o legado de Pedro.
Acontece que a última figura antipapal, dentre 36 reconhecidas pelo Vaticano, é a do duque Amadeu de Saboia, proclamado Papa Felix V e que ocupou o cargo por dez anos, de 1439 até 1449. Isto é, resgata-se uma figura da Igreja designada para interferências diretas das disputas políticas feudais europeias, produto da Idade Média, que muitas vezes alçavam ao cargo máximo do catolicismo romano líderes que sequer haviam percorrido os cargos do clero secular (padre, nomeado bispo, alçado à prelazia de cardeal – que jamais deixa de ser um bispo, apenas ocupa funções diferentes junto ao papado). Vale lembrar que pode ser proclamado Papa qualquer pessoa batizada na Igreja, mas, em grande parte, a abolição desta definição deve-se ao fato de que todos os Papas, desde então, são membros do clero legitimamente eleitos dentre os cardeais. Igualmente, deve-se à admissão pela Igreja de que a nomeação de um Papa é permeada por interesses políticos da instituição em meio à configuração da geopolítica mundial. Ou Bento XV não teria sido eleito para tornar-se um mediador de interesses no pós Primeira Guerra Mundial, Pio XII o nome do silêncio ante a ascensão do fascismo na Itália e João Paulo II, por sua vez, jamais teria sido eleito para combater as ditaduras socialistas do leste europeu, inclusive dando as mãos ao presidente republicano Ronald Reagan (1981-1988).
Isto posto, podemos estar diante de uma das principais evidências da pouca solidez institucional dos dias atuais, visto que a Igreja Católica pode ser a instituição ocidental, dentre todas, menos permeável por interesses externos em sua estrutura interna. A simples ameaça à legitimidade de Francisco mostra o quanto o “terraplanismo” que aterroriza a civilização não tem limites e, se dá em Chico em Bolsonaro, tranquilamente dá em Francisco, literalmente.
A esquerda que não se acomode.
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