Páscoa na casa do Nadim

(Foto: Reuters/Jason Cohn)


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"A refeição adquire um carácter sacro, como momento de comunhão mais profunda com o divino, cimentando as relações entre os presentes, que na base de suas crenças religiosas se reconhecem pertencentes a uma mesma comunidade"

(Giannino Piana)

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Antes de falar da Páscoa na casa do Nadim e da Ana Lucia, meu cunhado e minha irmã, convém falarmos um pouco da Semana Santa, que vai do Domingo de Ramos até ao Domingo de Páscoa.

Na Basílica do Carmo aqui em Campinas - onde minha irmã Roberta e eu nos preparamos para a nossa Primeira Comunhão -, o Monsenhor Geraldo Azevedo nos ensinou que no Domingo de Ramos e no Domingo de Páscoa há festas em torno de Jesus, festas diferentes.

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Para mim o Domingo de Ramos é muito especial, pois, Lucas, meu filho primogênito, nasceu num domingo de Ramos. Um dia de céu azul e a caminho do Hospital Coração de Jesus na Rua Salustiano Penteado, no bairro Botafogo, um dos muitos bairros que merecem atenção e revitalização, víamos muita gente com maços de ramos nas mãos.

Foi num domingo que Jesus entrou em Jerusalém, uma multidão exultante o acolheu, mantos foram estendidos pelo caminho e ramos cortados das árvores em sua homenagem, por isso “Domingo de Ramos”.

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A multidão celebrou a entrada de Jesus como a chegada de um novo rei, de um guerreiro. 

Imaginavam que Ele traria uma paz gloriosa, resultado de uma intervenção poderosa pela força para libertar Jerusalém da ocupação romana; sonhavam também com a restauração da paz social e acreditavam que Jesus, o rei, iria alimentar as multidões com pães, como ele já tinha feito, e realizar grandes milagres, trazendo assim mais justiça ao mundo.

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Mas Jesus nunca prometeu uma “paz gloriosa”, nem “justiça através dos milagres”, Ele propôs uma vida de mansidão, simplicidade e doçura, simbolizada pelo jumento que Ele humildemente montava ao entrar em Jerusalém. 

Mas a paz desejada pelas pessoas era a paz conquistada pela força de um César, mas Cristo nunca quis tornar-se César; então, decepcionada, a mesma multidão que aclamou Jesus no Domingo de Ramos, alguns dias depois gritava “crucifica-o”.

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E, pouco antes da Páscoa, Jesus explicou aos discípulos: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não dou como o mundo a dá” (Jo 14, 27), ou seja, há duas modalidades de paz, uma do mundo e outra como Deus nos oferece.  

A paz do mundo é apenas um intervalo entre guerras, já a paz do Senhor se ocupa do amor ao próximo. Aliás, qualquer guerra representa um ultraje à Páscoa. 

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Feita essa breve introdução compartilho com o leitor as minhas impressões sobre a Páscoa, momento mágico em que conseguimos reunir toda a família num evento com tantos significados. 

Antes da pandemia e dos cuidados que ela exigiu, na sexta-feira que antecede o domingo da Páscoa nos reuníamos na casa da Ana Lucia e do Nadim, responsáveis pela famosa “bacalhoada do tio Nadim”. Eles a preparam num fogão a lenha, sem nenhuma pressa e temperada com amor.

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Em torno do fogão a lenha nos reuníamos, irmãos, irmãs, filhos, filhas, sobrinhos, sobrinhas, mães e, poucas vezes, amigos.

Lá, observando os tempos e movimentos que emergem dessa reunião, foi possível compreender o significado humano e religioso do alimento, que é uma realidade variada e complexa, em que convergem e se cruzam uma multiplicidade de significados e ressonâncias, seja de natureza física, seja espiritual.

Em razão da falta de pressa do fogão a lenha, o tempo ganha tempo e, como temos mais tempo, gasto o tempo extra observando. 

Me divirto observando as gargalhadas da Amanda, a interação debochada do Vitor e do Caio – poderiam ser humoristas -, a seriedade do Mateus e do Lucas, o silêncio atencioso da Julia e da Eduarda, o sorriso “gente boa” do Fernando e a delicadeza da Julia Thame e da Leticia, nossos filhos, sobrinhos e sobrinhas... 

A festa da Páscoa nos aproxima, essa é a mágica. Comer não é só comer. 

Comer é um ato relacional, social e espiritual e, em tal ato, somos envolvidos em sua totalidade: corpo e espírito, individualidade e sociabilidade, tempo e espaço; comer assume caráter de ato cultural, no qual se manifesta o modo de pensar e sentir próprio de uma civilização. 

Comer é dom, espiritualidade, amizade, fraternidade, beleza, calor, cor, sabedoria, simplicidade, companhia, e a bacalhoada do Nadim é representativa disso.

A bacalhoada na casa do Nadim nos remete a um fato: o Deus cristão se torna presente na história humana na forma de uma refeição - a Eucaristia é o ápice da ação sacramental, e carregada- de significado. 

A refeição na Páscoa é lugar ideal da comunicação e da comunhão, tudo isso na casa da Ana Lucia e do Nadim, onde não há ovos de chocolate, mas ninguém percebe, ninguém sente falta, pois naquelas horas estamos em comunhão uns com os outros e com Deus.

Essas são as reflexões.

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