Paraíbas

A gente escuta uivos disfarçados de piada e fica difícil manter o espírito sereno. Eu queria ter apenas as palavras mais simples para falar a meus irmãos, pais, amigos, humanidade nordestina



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A gente escuta uivos disfarçados de piada e fica difícil manter o espírito sereno. Eu queria ter apenas as palavras mais simples para falar a meus irmãos, pais, amigos, humanidade nordestina.

Assim como os melhores poetas pediam inspiração às musas quando partiam para uma empreitada além das suas forças, a minha nulidade e pequena poesia pedem socorro aos músicos que tocam a meus ouvidos neste instante. Começo pela invocação da melodia e execução de gênio que vem de Felinho, no frevo Formigão (veja aqui).

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Ouviram e escutaram? Felinho acende, serena, mata e ressuscita o que é universal. Depois, peço a luz, a bênção e o amor do povo nordestino para ouvir e escutar Asa Branca (confira aqui).

Vocês perdoem porque falo do Nordeste falando da gente de todo o mundo. Pois assim não é a defesa da humanidade, quando cantamos a sua excelência no canto da nossa vida  mais íntima?

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Então exijo uma última licença aos uivos, aos latidos contra a gente boa, mãe da terra  do Nordeste, que cheira como cuscuz de manhã no chão quente molhado pela chuva. Chamo Lenine, o compositor, de ótimo nome e lembrança (ouça aqui).

Assim posto e defendido, posso agora convocar uma seleção de paraíbas que formam uma seleção do povo brasileiro. Não direi que esta é A Seleção, a única, porque seria tão estúpido quanto os preconceitos contra os meus pais, filhos, amigos, paraíbas irmãos que somos de todas as nacionalidades do Brasil. Mas falo agora e convoco os ofendidos mais próximos. Chamo os nossos paraíbas eternos.

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Lá de cima da região, invoco primeiro os maranhenses. Em ordem alfabética, os irmãos Azevedos, Aluísio e Artur, diria melhor, em ordem de privilégio, pois num casa só, em um só lugar e tempo, saíram dois escritores da formação brasileira.

Depois, entre tantos, porque estamos numa seleção dos sonhos, chamo Gonçalves Dias, do nosso céu que tem mais estrelas, de nossas várzeas têm mais flores, nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores, lembram?

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Depois, num salto da maior arbitrariedade, pois assim são os sonhos, convoco o gênio de Catulo da Paixão Cearense, Catulo da Paixão Cearense, Catulo da Paixão Cearense, e não precisa convocar mais ninguém. Bastava Luar do Sertão, e Flor amorosa, é uma rosa orgulhosa, presunçosa, tão vaidosa (acesse aqui).

Mas o que dizer de uma seleção de maranhenses onde não estivesse João Do Vale? O carcará não perdoa, pega, mata e come, porque A ema gemeu. E assim desço rápido para a Paraíba, com o pedido urgente da presença de  Jackson do Pandeiro (saiba mais).

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Esses fundamentais a gente  chama com o coração na boca. Oi no forró de Sá Juaninha em Caruaru, cumpade Mané Bento só fautava tu. Matemo dois soldado, quatro cabo e um sargento, cumpade Mané Bento só fautava tu (vídeo aqui).

Penso que Deus é paraíba. Pois se não for, como explicar uma terra onde é magnífica a gente brasileira? José Lins do Rego, Canhoto da Paraíba, Ariano Suassuna, Sivuca.

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Os paraíbas ainda acham pouco e excedem na altura de José de Alencar, Patativa do Assaré, Dom Helder Câmara, Os Índios Tabajaras, maestro Eleazar de Carvalho. E vêm mais com Câmara Cascudo, o gênio que ensinava aos gringos que jacaré quando dorme fecha o olho.  E mais Torquato Neto e Mário Faustino.

Pois se Deus não for paraíba, como explicar a origem de Frei Caneca, Manuel Bandeira, Paulo Freire, João Cabral, Carlos Pena Filho, Joaquim Cardozo, Solano Trindade, Ascenso Ferreira, Alberto da Cunha Melo, Hermilo Borba Filho, Nelson Rodrigues, Antonio Maria,  Gilberto Freyre, Mario Schenberg, José Leite Lopes, Josué de Castro?

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E Lula, o cara que levou o Brasil a uma posição de destaque em todo o mundo, como explicar? Eu não sei, porque fico sem explicação para a vida e obra de Abelardo da Hora, Vitalino, Lula Cardoso Ayres, Cícero Dias, e mais Graciliano Ramos, Jorge de Lima, e aquele que virou nome de dicionário, Aurélio Buarque de Holanda.

Sim, e como esquecer Castro Alves, Luís Gama, Jorge Amado, Dorival Caymmi, Marighella, Glauber Rocha e Bule-Bule, o sábio repentista de Salvador?

Trezentas e sessenta e cinco igrejas de Salvador me amaldiçoariam se eu esquecesse a Mãe Menininha. Pior e abaixo de ruim estaria se não mencionasse os aboiadores dos sertões, que cantam como um longo lamento, e num salto para o litoral nem lembrasse da poesia marginal do Recife. E Dona Santa de Pernambuco e o maravilhoso maracatu que fez Milton Nascimento incorporar os mais antigos ancestrais, como explicar?

Tenho ou não razão de pensar que Deus é paraíba?

Para quem ainda duvida, eu acrescento ainda outros grandes nomes paraíbas. 

Os compositores de frevo: Capiba, Nelson Ferreira, Levino Ferreira, J. Michiles, Maestro Nunes, Duda, Irmãos Valença, Edgar Moraes, Luiz Bandeira

Músicos: João Pernambuco, Luperce Miranda, Moacir Santos, Maestro Spok, Maestro Forró, Lalão, Henrique Annes, Chico Science, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Geraldo Vandré e Canhoto da Paraíba

Poetas: Daniel Lima, Mauro Mota 

Escritores: Joaquim Nabuco, Clarice Lispector, Osman Lins

Advogados: Mércia Ferreira, Roque de Brito Alves

Comunistas: Gregório Bezerra, Paulo Cavalcanti, Diógenes de Arruda Câmara, Davi Capistrano, Naíde Teodósio

O primeiro socialista do Brasil: Abreu e Lima, o “general das massas”

Pintores: Ismael Caldas, Samico, Guita Charifker, Teresa Costa Rego, Vicente do Rego Monteiro, João Câmara, Raul Córdula

Economistas: Celso Furtado, Tania Bacelar

Socialistas: Miguel Arraes, Pelópidas da Silveira, Padre Reginaldo, Padre Henrique

Nutricionista: Nelson Chaves 

Eu não sei se  é a visão do mar imenso, que do Alto da Sé se avista em Olinda, que se abre azul para a África e faz a gente sentir um gosto do carinho antigo do Brasil. Eu não sei se é da terra dos altos coqueiros, cuja sombra nos abriga do calor das ladeiras, que amaciam os pés para que não virem pontapés mortais contra os preconceituosos.

Eu não sei se é do caminhar no Recife Antigo, enquanto passo por trilhos de bondes impressos nos paralelepípedos, mas quando olho as esquinas do Recife me digo, “a história vem toda de volta nestas ruas”.

Quantas gerações nos falam neste lugar de paraíbas. Quantos irmãos sentimos que se espalham em todos os estados, do Maranhão à Bahia. Do Amazonas ao Rio Grande do Sul, com  paraíbas discriminados em outros sotaques.

Eu não sei. Mas sinto que o título lá em cima poderia ser também “por que tenho a felicidade de ser paraíba”.

Isso  porque Deus antes de ser de todos os brasis, amou e criou aqui entre os paraíbas. É da história a informação. Assim como é na história, pela história que existimos e somos.

A volta desses preconceitos mais que nos envergonha. Eles nos gritam o que brutos e irracionais sentem pelo Brasil. Fazer o quê? Que venha em nossa ajuda o Frei Caneca, de quem faço uma breve adaptação para este momento:

Entre o preconceito e a pátria

Não duvida  meu coração:

O Nordeste levou-me todo.

Preconceitos que uivem em vão. 

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