Panelas mostram esgotamento de Bolsonaro
Os brasileiros e brasileiras que não aguentaram esperar pelo dia 18, antecipando por um dia o protesto marcado com panelas na janela de seus apartamentos, sinalizam uma importante mudança política no país, escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia
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Por Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia
A perspectiva é que a manifestação de ontem sirva de estimulo para um protesto ainda maior na noite de hoje.
Mais do que um descontentamento previsível num país estagnado economicamente, o panelaço registra o deslocamento da parcela de uma classe social que funciona como pêndulo político do país.
Recordando grandes fatos. Se a capacidade de mobilizar a classe média foi um elemento importante para o golpe cívico-militar de 64, a campanha pelas diretas-já, vinte anos mais tarde, seria impensável sem uma virada política ocorrida na luta contra a ditadura.
Entre 2002 e 2014, as quatro vitórias eleitorais sucessivas do Partido dos Trabalhadores foram obra do imenso apoio popular aos projetos Lula-Dilma. Não teriam ocorrido, contudo, sem um forte apoio nos setores médios da sociedade.
A ascensão de Jair Bolsonaro mostrou uma situação política inversa.
Conforme o Ibope, no segundo turno de 2018 Fernando Haddad cravou uma vantagem de 52% a 36%, junto ao numeroso contingente de brasileiros da menor faixa de renda -- até 1 salário mínimo -- enquanto o desempenho de Bolsonaro ganhava fôlego maior na medida em que a fatia de renda se elevava.
Em dezembro, quando Bolsonaro já estava em minoria no país, por 36% a 30%, um levantamento do Data Folha mostrava um quadro inverso.
Entre os mais pobres, a diferença era radical: 43% reprovavam seu governo, contra 22 a favor. Na faixa de 2 a 5 salários, que deu uma vantagem de 57% a 30% para Bolsonaro um ano antes, a diferença se aproximava da margem de erro, 35% positivos contra 31% negativos.
As panelas voltam a se manifestar, em março de 2020, numa resposta a desilusões sucessivas que costumam criar desgastes irreversíveis.
Inaceitável, num país democrático, a presença festiva de Bolsonaro no circo de extrema-direita, no domingo, foi a demonstração vergonhosa de quem não respeita a Constituição nem se encontra a altura do cargo.
Em meio a fracassos que já colocam a luta interna num patamar selvagem, como se vê nas disputas em torno da condução da luta contra o coronavírus, Bolsonaro tornou-se tecnicamente incapaz de governar um país com 210 milhões de habitantes, uma das dez maiores economias do mundo, num dos momentos mais difíceis de sua história.
Seria preciso dar respostas eficazes e rápidas a epidemia do Covid-19, que ameaça produzir uma das grandes tragédias dos últimos 500 anos. Para imaginar a dificuldade a ser enfrentada, basta acompanhar a luta difícil mesmo nos países desenvolvido e recordar o desfalque de 21 bilhões nos cofres da saúde pública brasileira entre 2018, 2019 e 2020.
Também é urgente recuperar o emprego, sucateado por uma paralisia prolongada da economia. Alguém enxerga Paulo Guedes fazendo isso?
As panelas começam a bater quando ninguém mais acredita que um presidente será capaz de resolver os problemas que interessam o país. Expressam o inconformismo de quem foi atingido no plano moral, sentido-se uma gente que se sente lesado e enganado. Bolsonaro passou deste limite.
Alguma dúvida?
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