Pacote Guedes-Bolsonaro é mais um passo para o Chile de Pinochet

"Numa época enfraquecimento da democracia, pacote de Guedes-Bolsonaro é um golpe de misericórdia no esforço dos brasileiros e brasileiras para garantir seu bem-estar e preservar o regime de liberdades" escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia."Não é difícil compreender a necessidade de barrar seu curso"



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Por Paulo Moreira Leite, para o Jornalistas pela Democracia

Fruto de sucessivos golpes aplicados com regularidade pelo governo Bolsonaro, o enfraquecimento da democracia brasileira é um dado preocupante da conjuntura.

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Não se trata, é claro, de um problema exclusivo dessa terra de Cabral, mas um drama comum a várias nações da America do Sul e da Europa do Leste, situação que já inspirou, inclusive, o best-seller mundial "Como as Democracias Morrem". Ao contrário do que se poderia imaginar, o livro não entrega o que promete.

O problema é que Steven Levitsky e Daniel Ziblatt cometem um  auto-engano típico de nosso tempo. Tratam do enfraquecimento da democracia como obra de maus políticos -- autoritários, despreparados, populistas, nacionalistas, e assim por diante -- como se este fosse um problema isolado, capaz de ser resolvido por métodos mais eficientes de recrutamento e aperfeiçoamento de quadros dedicados a administrar o Estado.  

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"Embora as respostas populares aos apelos extremistas sejam importantes, mais importante é saber se as elites políticas, e sobretudo os partidos, servem como filtros, " dizem Levitsky e Ziblatt. "Resumindo, os partidos políticos são os guardiões da democracia".

Conforme os dois autores, as democracias fraquejam -- na Venezuela e nos Estados Unidos, nas Filipinas, no Brasil e no Reino Unido -- porque as elites tradicionais se mostraram incapazes de impedir o ingresso de aventureiros sem compromisso com seus valores, produzindo regimes disfuncionais que abrem a porta para ditaduras e golpes de Estado.

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Numa franqueza chocante, recordam uma época em que a elite norte-americana controlava com mão de ferro a porta de entrada de lideranças indesejáveis -- utilizando, com frequência espantosa,  o homicídio para livrar-se de alguns importunos.

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É óbvio que não é assim. A experiência ensina que os partidos políticos têm um papel fundamental no funcionamento das democracias. No entanto, uma lição da escola de sociologia que nasce com Emily Durkheim e chega a Florestan Fernandes encarregou-se de demonstrar as ligações indispensáveis entre o que acontece na política e aquilo que se passa na base na economia, numa roda-viva de interesses e necessidades que tanto podem fortalecer os regimes democráticos como podem minar suas bases materiais e laços de solidariedade.

Minha opinião é que o enfraquecimento da democracia, neste início de século XXI, se explica  por uma razão principal. Vivemos sob uma democracia confiscada,  que perde substância, na qual os eleitores não têm o direito de interferir para valer na condução da realidade sócio-econômica de seus países, pois o voto popular perdeu força vinculante para produzir mudanças na vida real.

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Embora a maioria seja autorizada e até estimulada formalmente a tomar o caminho das urnas, há muito as eleições  deixaram de traduzir a vontade da maioria, transformando-se numa experiência permanente de logro e tapeação.

Com diferenças inevitáveis de país para país, em graus variados de desenvolvimento econômico e uma  história social diferenciada, parcelas crescentes da humanidade  parecem condenadas a sobreviver sob regimes dedicados a esvaziar e  programas de bem estar e revogar direitos que marcaram a evolução humana -- e têm certeza de que nada ou muito pouco podem fazer quanto a isso.  A regressão é tamanha que tradicionais círculos conservadores se preocupam com a desigualdade, questão que jamais fez parte de sua agenda.

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O mal estar de hoje alimenta-se dessa razão principal: o receio de que nada adianta ser maioria. Nem sempre foi assim.

No final da década de 1980, Adam Pzeworsky e M. Wallerstein sustentaram, no texto "O capitalismo na encruzilhada", uma visão aguda e original sobre os regimes políticos da segunda metade do século XX. (Revista Novos Estudos, Cebrap, número 22, outubro de 1988).

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Falando de um mundo que ainda não tinha visto a derrocada final dos regimes comunistas da Europa do Leste nem a crise de 2007-2008 provocada pelos derivativos da especulação capitalista, mas assistia os ataques aos regimes de bem-estar promovidos nos dois lados do Atlântico pela aliança Ronald Reagan-Margareth Tatcher e a emergência da ditadura Pinochet no Chile, Pzevorsky e Wallerstein vão à raiz de um debate essencial.

Lembram que Karl Marx considerava que, sob o regime capitalista, a democracia estava a condenada a ser um "espasmódico, excepcional estado de coisas, impossível como forma natural da sociedade".

Para Marx, acrescentam, uma combinação de propriedade privada dos meios de produção e o sufrágio universal deve conduzir ou à "emancipação social" das classes oprimidas pelo uso do poder político ou à "restauração política" da classe opressora pela utilização do poder econômico.

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A encruzilhada a que se refere o título do artigo é facil de adivinhar. Sob o capitalismo, a democracia era e sempre seria uma flor exótica,  um regime "espasmódico, excepcional estado de coisas, impossível como forma natural de sociedade."

A questão é clara. Para garantir a sobrevivência dessa planta frágil num ambiente hostil, foi necessário adubar suas raízes e irrigar suas folhas, sempre protegidas pela temperatura artificial de uma estufa.

A novidade, e aí compreende-se a expressão  "Capitalismo Democrático",  que resume uma contradição em si, é que na maioria dos países  avançados da  segunda metade do século XX ocorreu um pacto entre as lideranças de trabalhadores e o grande empresariado,  abençoado pelas potências a Leste e Oeste. Enquanto as lideranças das camadas subalternas renunciavam ao projeto revolucionário de eliminar a propriedade privada e construir seu próprio Estado, os segundos abriram mão de uma porção substancial de seus ganhos para sustentar concessões impensáveis em matéria de bem-estar social, além de abrir as portas do Estado para partidos operários e populares.

Para voltar à imagem de Przeworsky, cabe recordar que, a partir da mobilização Reagan-Tatcher-Pinochet, o capitalismo abandonou a encruzilhada na qual se encontrava há quatro décadas -- e fez uma opção firme pela estrada que leva a negação da democracia e dos direitos das maiorias.

O esforço para prosseguir  na distribuição de renda e ampliação de direitos foi mudou de sinal,  gerando uma reconcentração de renda e conforto a favor dos ricos.

Foi dessa forma -- muito resumidamente -- que o mundo chegou aonde se encontra, voltando a  viver sob regimes monitorados de perto pelo capital financeiro, sem força nem vontade para se impor potentados econômicos, num jogo de cartas marcadas que transformou as disputas pelo poder de Estado num teatro de marionetes controlado a distância.

Sob Bolsonaro, o Brasil encontra-se em outra etapa do mesmo percurso. Último país a  renunciar a determinado grau de autonomia na orientação de seu desenvolvimento, situação mantida inclusive durante o regime militar de 1964-1985, através do governo Bolsonaro-Guedes nosso país  se encontra nos momentos iniciais do que pretende ser um movimento  na direção do Chile pós-1973.

Tenta-se, aqui, desmontar 80 anos de políticas de desenvolvimento por quatro anos de entreguismo diplomático e econômico, destruição de instituições democráticas e superexploração do trabalho assalariado.

No dia em que Bolsonaro e Paulo Guedes apresentam um projeto de revogação do próprio Estado Nacional, privatização do que for possível e destruição das bases materiais da democracia, não é difícil compreender a necessidade de impedir seu curso.  

Alguma dúvida? 

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