Os velhos foram abandonados pelos jovens

"É até surpreendente que muita gente esteja fingindo espanto diante do que já sabia. Que os velhos não têm prioridade, muito menos no momento de uma decisão urgente por uma vaga na UTI ou por um respirador. Sempre foi assim. Agora, só vai piorar", lamenta o colunista Moisés Mendes

Aposentados
Aposentados (Foto: ANPR)


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Um Brasil indignado descobriu tardiamente que os velhos não terão chance na pandemia. O coronavírus prefere matar idosos, e o médico Nelson Teich disse, antes de ser ministro, que um jovem deve ter prioridade de investimentos da saúde na disputa com os velhos.

Não fica claro se ele falava de saúde pública ou da medicina empresarial. Na medicina privada, os velhos são um mau negócio. Tanto que já morrem, antes mesmo de disputar vaga no hospital, porque poucos conseguem pagar um plano particular.

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Na saúde pública, os velhos deveriam ser protegidos por políticas sustentadas não só pela vontade dos governantes, mas por imposições constitucionais e legais. Nem sempre funciona.

É até surpreendente que muita gente esteja fingindo espanto diante do que já sabia. Que os velhos não têm prioridade, muito menos no momento de uma decisão urgente por uma vaga na UTI ou por um respirador. Sempre foi assim. Agora, só vai piorar.

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Por tudo isso, a pandemia traz também um problema político. As manifestações de rua recentes no Brasil somente tiveram maioria de jovens naquele controverso inverno de 2013.

Depois, quando a Globo assumiu o controle das passeatas, foi a classe média branca, de meia idade, que saiu de casa para derrubar Dilma.

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Antes do golpe, quem se mobilizou para tentar enfrentar os golpistas, foi o pessoal de esquerda da geração da ditadura. As ruas se encheram de idosos, enquanto a juventude dos black blocs desaparecia.

Os jovens ainda tentaram resistir depois do golpe, com passeatas barulhentas. Mas já havia se esvaído a potência do movimento anterior das ocupações de escolas. Os resistentes eram a exceção da exceção.

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Os jovens brasileiros, ao contrário de argentinos, chilenos, uruguaios, gregos ou turcos, mergulharam num torpor político até agora não bem decifrado.

A última grande movimentação de rua talvez tenha sido a de março do ano passado, no primeiro ano da morte de Marielle. Eram muitos os sessentões que desceram o Viaduto da Borges, em Porto Alegre.

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A sensação consoladora poderia ser essa: os que finalmente se assumem como velhos continuam resistindo. A outra sensação inversa é a do desconsolo:  descobre-se que não há como andar e gritar só com as pernas e as gargantas dos velhos.

Dependeremos sempre da vitalidade dos jovens, como os chilenos estavam provando desde outubro, quando a pandemia parou tudo e adiou a queda de Sebastián Piñera.

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O incômodo, que mesmo velhos de esquerda resistem a admitir, porque denuncia erros e omissões, é que os velhos foram abandonados pelos jovens. E não há transgressão política e atrevimento sem os jovens.

Os velhos brasileiros não foram abandonados apenas pela saúde privada e pelos que se esforçam para destruir a saúde pública. Foram deixados quase sozinhos na luta política, largados nas ruas pela preguiça política dos jovens.

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Os jovens sempre foram os primeiros a se erguer para salvar as democracias, desde a resistência ao golpe de 64, muito antes do maio de 68 em Paris. Levantaram a bandeira das diretas, nos anos 80, e puxaram as forças que derrubaram Collor, nos anos 90.

Nos últimos anos, o espírito de 68 ausentou-se do Brasil. Alguns jovens continuaram saindo às ruas com destemor, mas a maioria deles deixou os velhos sozinhos.

Pelas preferências do coronavírus e do ministro da Saúde, os únicos velhos que talvez tenham chance de sobrevivência são os ricos. Mas os ricos só vão para as ruas com a camiseta da Seleção para exaltar Bolsonaro e o fascismo.

Os idosos democratas, quatro anos mais velhos desde o golpe de agosto de 2016, precisam dar um jeito de sobreviver, porque as liberdades dependem deles. As ruas esperam os velhinhos depois da pandemia.

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