Os três sobrinhos do marechal Deodoro
"Um dos sobrinhos-capangas de Deodoro – o careca e bigodudo Hermes da Fonseca – foi eleito presidente da República em 1910, tornando-se o primeiro militar a chegar ao cargo em votação livre e direta no Brasil. E seu governo foi tão autoritário quanto o do tio", escreve o jornalista Alex Solnik sobre o primeiro presidente do Brasil
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Por Alex Solnik, para o Jornalistas pela Democracia
O circunspecto e barbudo marechal Deodoro da Fonseca, conhecido dos brasileiros pela imagem em que aparece, garboso, em cima de um cavalo, tinha três sobrinhos – em vez de três filhos – que cumpriam tarefas análogas às de capangas a serviço do seu governo, o qual assumiu logo após proclamar a República, a 15 de novembro de 1889.
As intimidações, que eles esperavam fossem cobertas pelo manto do silêncio eram escancaradas pelas próprias vítimas nos jornais (que eram empastelados a seguir), chegando à boca do povo e contribuíram para forjar a narrativa de que Deodoro foi mais primeiro ditador que primeiro presidente da República do Brasil.
Um dos alvos dos sobrinhos do marechal, o jornalista Antônio Medeiros conta sua história na primeira página da edição de 10/1/1891 de “A Tribuna”, do Rio de Janeiro, da qual era dono e redator-chefe:
Tive o ensejo de receber três intimações pessoais de sobrinhos do Sr. Generalíssimo Deodoro da Fonseca, que vieram impor-me silêncio, em nome do senhor seu tio ou em seu próprio nome de sucessores presuntivos.
A primeira visita foi feita cerca de 9 da noite de 18 de dezembro de 1889, pelo então Sr. Capitão e hoje Sr. Tenente-coronel Pedro Paulo da Fonseca Galvão que veio proibir à Tribuna a menor notícia sobre os tristes acontecimentos desse dia em que, todos devem estar lembrados, corporizou-se o mito do homem do chapéu do Chile, barbado e bonito.
Da segunda missão foi portador o Sr. Tenente-coronel Hermes da Fonseca, que interveio, por ordem do senhor seu tio, na ridícula questão dos alamares mandados arrancar aos cocheiros de um carro de casamento.
A terceira visita foi mais séria. O Sr. Major Clodoaldo da Fonseca, sobrinho do sr. Generalíssimo Deodoro da Fonseca exigiu que lhe dissesse qual dos meus colegas era o autor de um artigo intitulado “A fala do trono” e salientou que todos os sobrinhos do Sr. Marechal Deodoro (textual) estavam dispostos a derramar o seu sangue em defesa da honra e dos brios da sua família.
Medeiros não cedeu às chantagens e seu jornal continuou circulando normalmente, até que, no dia 29 de novembro de 1890, ele recebeu um aviso: “A Tribuna” seria depredada ainda naquele dia.
Em pânico, o jornalista não viu outra saída senão relatar os fatos e pedir ajuda ao presidente da República, em carta que o amigo comum chamado Carlos Verran entregou a Deodoro em mãos.
“Diga ao sr. Medeiros que pode ficar tranquilo, nada sucederá” foi a palavra do generalíssimo.
Antes de se despedirem, Deodoro mencionou sua estranheza pelo fato de Medeiros ter enviado um preposto em vez de vir pessoalmente fazer a demanda, ao que Verran respondeu:
“Se V. Ex. desejar, ele poderá vir ainda hoje”.
“Não é necessário” respondeu Deodoro. “Ele pode vir amanhã”.
Às 7 e meia da noite as palavras de Deodoro viraram pó. Três grupos de brutamontes comandados pelo coronel Piragibe puseram abaixo tudo o que encontraram pela frente na redação da rua do Ouvidor e roubaram até o dinheiro que o caixa estava separando para pagar salários.
Um dos sobrinhos-capangas de Deodoro – o careca e bigodudo Hermes da Fonseca – foi eleito presidente da República em 1910, tornando-se o primeiro militar a chegar ao cargo em votação livre e direta no Brasil. E seu governo foi tão autoritário quanto o do tio.
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