Os sindicatos e o povo argentino reassumem protagonismo no Dia da Lealdade peronista
Esta foi uma retomada pós-pandemia do “Não passarão!”. A “memória, verdade e justiça” voltou às ruas para sempre
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No dia 17 de outubro, domingo, voltou a resplandecer a Praça de Maio em Buenos Aires, com a massiva manifestação dos movimentos sociais e dos bairros, organizações das mães dos e das desaparecidas na ditadura dos anos 75, acompanhadas por Hebe Bonafini, segmentos kirchneristas e independentes centrados no chamado à resistência contra a ofensiva da direita neoliberal, incluindo chamados pelo não pagamento da dívida com o FMI. Nesta data, estiveram também presentes alguns representantes do governo da Frente de Todos, prefeitos e sindicalistas, circundados de cartazes diversos sobre Milagro Salas e a impunidade da Justiça, inclusive pelo impeachment de Bolsonaro. Esta foi uma retomada pós-pandemia do “Não passarão!”. A “memória, verdade e justiça” voltou às ruas para sempre.
Este cenário do Dia da Lealdade peronista juntou-se à multitudinária mobilização do dia seguinte, 18 de outubro, convocada pela CGT e aderida por todas as organizações sindicais, como Caminhoneiros, Corrente Federal Bancária, CTAs, Jornaleiros, Metalúrgicos, e as variadas forças tradicionais do arco do movimento operário argentino. Um histórico retorno ao cenário de lutas do principal motor do peronismo: os sindicatos e as massas nas ruas. Numa clara expressão de apoio popular ao governo peronista da Frente de Todos, diante das ameaças desestabilizadoras da direita, o 18 de outubro foi também uma cobrança para acelerar e aprofundar o projeto de governo eleito em 2019. Sem palanque, nem discursos, leu-se uma carta da CGT: “No dia 17 de outubro de1945, o movimento operário organizado, representado pela Confederação Geral do Trabalho da República Argentina (CGT-RA) ocupou massivamente as ruas, levantando uma única palavra de ordem: Queremos Perón!” .... “Nesse dia, nasceu para sempre na Argentina, o peronismo. Frente a um novo aniversário do Dia da Lealdade Peronista, essa mesma palavra de ordem continua vigente na consciência do povo trabalhador: Queremos Perón, vivo através do seu legado e da sua doutrina. Queremos Perón, impulsionador de uma Pátria Socialmente Justa, Economicamente Livre e Politicamente Soberana; Queremos Perón, porque a verdadeira democracia é aquela onde o governo faz o que o povo quer e defende um só interesse, o do povo.”
Além disso a carta ressalta que “o peronismo deve promover a aliança entre a produção e o trabalho, única fórmula que garante um crescimento sustentável com justiça social”. No mesmo tom foi o discurso de Cristina Kirchner na ex-ESMA dois dias antes: “é necessário refundar uma aliança entre o capital e o trabalho”. Ela destaca o papel do Estado: “o acordo entre o capital e o trabalho com o Estado participando na regulação para alcançarmos um círculo virtuoso contra um modelo em escala global”.
A crucial dívida externa contraída e evadida na era Macri
O objetivo da direita de JxC (PRO-Cambiemos) e dos “Libertários” de subir no cavalo da derrota eleitoral do governo nas PASOS, provocando uma divisão no governo, recebeu a primeira freada no 17-18 de outubro, não obstante as diferenças dentro da Frente de Todose o debate promovido por uma parte da esquerda sobre “pagar ou não a dívida com o FMI”. Mas, é um debate público de ideias no campo popular. Não pagar a dívida não foi plataforma eleitoral em 2019 (como nos governos de Néstor/Cristina). Mas, ao mesmo tempo, Alberto Fernandez deixou claro: que o pagamento não será às custas do povo e dos mais vulneráveis. De fato, até hoje, além da redução da taxa de juros, os primeiros pagamentos negociados com o FMI não se efetuaram, nem redundaram ainda em cortes do Estado aos trabalhadores. Ao contrário da proposta da oposição macrista (contratante da dívida), cuja campanha é dirigida à burguesia garantindo flexibilização trabalhista. Cristina Kirchner tem reiterado que o empréstimo foi contraído pelo governo Macri e desviado aos paraísos fiscais, num montante correspondente a quase um PBI. O mecanismo nefasto é claro.
O desenlace final da dívida externa depende de vários fatores e negociações macro-econômicas, mas também de transformações políticas internas, relação de forças internacionais, sujeitas ao colapso do capitalismo global, que é pior que em 2002-15; é sintomático o fracasso do golpe dos abutres contra a presidenta do FMI, a búlgara Kristalina Giorgeva (acusada de favorecer acordos com a China), ao mesmo tempo em que o Papa Francisco prega, a renegociação da carga de dívidas dos países mais necessitados, além de salário universal e redução das horas de trabalho. Enquanto isso, a China e a Rússia abrem um novo horizonte monetário global: Bancos de integração, alternativas ao dólar. A questão da dívida não é uma questão técnica, mas política, com muitas variáveis, internas e externas, incluindo processos judiciais a políticos macristas e empresários midiáticos bilionários do Pandora e Panamá Papers. Não há como descontextualizar o tema da dívida externa, quando o presidente de uma das maiores potências mundiais, Vladmir Putin, explicita no fórum do Club Valdai: “O modelo existente do capitalismo esgotou-se. Não há forma de sair do emaranhado de contradições”.
Ofensiva do governo contra a alta descontrolada dos preços
As mobilizações pelo Dia da Lealdade foram uma fonte de ar para o governo e a vanguarda peronista, frente ao golpe recebido nas eleições primárias (PASOS), sobre um campo já minado pela herança da dívida macrista e depois, pela pandemia. Diante das ações tempestivas de mudança do Gabinete presidencial, Ministérios e aceleração de medidas sociais (aposentadoria antecipada e bônus aos aposentados, aumento dos subsídios-família, financiamento de viagens para estudantes recém-formados, e aposentadoria para trabalhadoras domésticas), eclodiu a reação de apoio multitudinário dos trabalhadores organizados do dia 18 de outubro.
Não tardou para que o governo, através do seu novo Secretário de Comércio Interior, o economista kirchnerista, Roberto Filetti, em coordenação com o ministro da Economia, Martin Guzmán, respondesse com outra ação, atacando um dos problemas vitais para a população pobre e da classe média: a alta exorbitante do preço dos produtos básicos, alimentos, produtos de utilidade doméstica, limpeza e sanitários, vendidos nos armazéns e supermercados. Em acordo com empresários nacionais e multinacionais o governo fez uma lei para o congelamento de preços de 1432 produtos (de primeiras marcas à de pequenas e médias empresas), uma espécie de cesta básica ampliada, por 90 dias, retroativos a 1 de outubro. Uma das metas é abaixar os gastos de cesta básica em relação ao salário. Porém, três conglomerados nacionais de alimentos, Molinos Rio de La Plata, Arcor e Ledesma não só se negam a cumprir o acordo, mas ameaçam com o desabastecimento. São monopólios que lucraram fortunas no primeiro trimestre de 2021 e, entre 200 a 400% mais que no mesmo período de 2020. Isso, quando há 40% de pobres no país, 10 milhões que comem em refeitórios comunitários, uma inflação de 50% e um salário real que diminuiu em 25% desde 2015, quando governava Cristina Kirchner.
A ameaça de desabastecimento é um ato político golpista, apoiado pela grande mídia (Clarin/La Nación), para exacerbar a fome e o desespero popular. Já se sabe como na Venezuela e no Chile de Allende, a contrarrevolução entrou pelos supermercados. Os ataques desestabilizadores contra o governo de Alberto/Cristina emanam do poder econômico concentrado por todos os flancos: o político, o judicial e midiático. O Judiciário impediu o programa “Mais Cultura” do Ministério da Cultura destinado a dar um bônus de 5 mil pesos aos jovens pobres para pagar cursos, seminários, teatros ou cinemas e atividades culturais, alegando que era uma medida eleitoreira. Qualquer medida de governo é atacada midiaticamente como “manobra de campanha”.
O que se torna claro para a Frente de Todos e o governo é que não se trata sequer de vencer as eleições de novembro, mas de governar desde já, com o dever e o direito concedido pelas urnas de 2019, assumindo claramente as diferenças ideológicas, superando a fase do “dialogamos com todos”, para avançar nas medidas, explicitar de que lado estamos, de que se governa priorizando os excluídos, os desempregados e os trabalhadores, as PYMES (pequena e média empresas) produtivas, o pequeno e médio agricultor, todos sob o comando e participação do Estado. Como dito por Cristina Kirchner à juventude na ex-ESMA: É preciso saber “que papel cumpre o Estado, quem regula, quem conduz, quem estabelece as regras: o mercado, as corporações, o Estado e a política? O que hoje está em disputa é quem controla, quem regula”. Roberto Filetti tocou na ferida para tentar salvar a maioria que não chega ao fim do mês e passa fome. O apoio popular deverá ser intenso. Há movimentos nas redes sociais, mas requer-se cidadania nas ruas, núcleos de bairros, órgãos de defesa ao consumidor nos comércios para acompanhar o Estado no controle social da aplicação da Lei do Congelamento de preços. O debate e o embate deverão ser públicos nas TVs e rádios independentes. Diz-se que a próxima porta que o governo deverá bater é a da agroexportadora Vicentin, uma das causadoras do aumento dos preços de alimentos.
A presidenta do PRO, ex-ministra da segurança, Patrícia Bullrich afirmou que a democracia na Argentina só seria possível com o desaparecimento do kirchnerismo e do peronismo. Nas manifestações destes 17 e 18 de outubro demonstrou-se tudo ao contrário: o Dia da Lealdade peronista não é livro de história, é vivo, é clamor de democracia plena, justiça e igualdade, e se comemora todos os dias na Argentina.
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