Os salários sobem de escada e os preços tomam o elevador: trabalhadores começam a entrar em ação
"É esperado que, num eventual processo de retomada da mobilização, esta comece pelos setores mais conscientes dos trabalhadores"
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O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que apura a inflação entre as famílias com renda entre um e cinco salários-mínimos mensais, foi de 1,71% em março, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse foi o maior percentual para um mês de março desde 1994, quando o índice totalizou 43,08%, pouco antes da instalação do Plano Real, em 1º de julho de 1994. No acumulado de 12 meses até março o INPC atingiu 11,73%. A alta nos preços de alimentos foi de 2,39% em março. Todas as dez regiões pesquisadas apresentaram alta no mês, sendo que a maior variação foi na região metropolitana de Curitiba (2,54%), em decorrência principalmente das altas de 11,55% no preço da gasolina e de 20,22% no preço do ônibus urbano.
Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), em março, o valor do conjunto dos alimentos básicos aumentou em todas as capitais onde é realizada mensalmente a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos. São Paulo foi a capital onde a cesta apresentou o maior custo (R$ 761,19) no mês, seguida pelo Rio de Janeiro (R$ 750,71), Florianópolis (R$ 745,47) e Porto Alegre (R$ 734,28). Em março de 2022, o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria equivaler a R$ 6.394,76, ou 5,28 vezes o salário-mínimo de R$ 1.212,00.
Dentre outros aspectos, a inflação é um mecanismo de transferência do ônus da inflação para as costas dos trabalhadores. No longo período em que o Brasil conviveu com superinflação (como os citados 43,08%, de março de 1994), uma das lições aprendidas pelos sindicatos foi a de que não existe mecanismo de indexação salarial que impeça completamente a corrosão dos salários. Regra geral, quando a inflação ficava praticamente fora de controle, não só o galope inflacionário destruía os salários, como também os planos econômicos para controlar a inflação, consolidavam perdas salariais. Em alguns planos postos em prática, por exemplo, se congelou os preços pelos seus picos, e os salários foram congelados pela média de um determinado período, com perda de salários reais.
No longo período de inflação muito alta que o Brasil atravessou, os trabalhadores aprenderam que o Capital dispõe de mecanismos muito ágeis de correção dos preços, mas os salários não conseguem acompanhar o ritmo de elevação dos preços. Como a esmagadora maioria dos preços são liberados no Brasil, num momento em que os indicadores de inflação apontam elevação, os empresários começam a fazer aumentos preventivos, visando se proteger da inflação futura.
O Capital, principalmente o grande, que dá as cartas na economia, costuma reajustar seus preços preventivamente, visando manter suas margens de lucros. Os trabalhadores por sua vez, não conseguem reajustar seus salários, nem uma vez a cada ano: segundo o DIEESE, as negociações de fevereiro de 2022, resultaram em reajustes abaixo do (INPC-IBGE), em 60,5% dos casos. Em janeiro, 33% das negociações também não conseguiram nem ao menos a inflação. Quando o Brasil tinha inflação muito alta, até junho de 1994, se usava uma metáfora para ilustrar o fenômeno: “quando a inflação está muito alta, os salários sobem de escada e os preços tomam o elevador”.
Um dos efeitos do conflito na Ucrânia está sendo a alta de preços das matérias-primas no mundo todo, num contexto em que a inflação já estava alta. É inevitável o repasse aos produtos, do aumento de preços internacionais, principalmente nos alimentos e derivados do petróleo. Sob formas variadas o mundo todo já vinha enfrentando antes problemas semelhantes, como a redução da oferta de energia, elevação do preço do frete, falta de componentes para a indústria, e assim por diante. O conflito veio agravar dramaticamente esses problemas.
A política de Preço de Paridade de Importação (PPI), há cinco anos aumenta o preço dos derivados do petróleo muito acima da inflação. Segundo pesquisa do DIEESE, entre 15.10.2016, até 19.03.2022, enquanto o gás de cozinha na refinaria aumentou 349,3%, o salário-mínimo foi elevado em apenas 37,7%. Como assinalou o economista Cloviomar Cararine, da Subseção do DIEESE na FUP (Federação Única dos Petroleiros), em 12 meses até março a gasolina subiu 27,48%; o etanol 24,59% e o gás veicular 45,54%. Além disso, segundo ainda o economista, o diesel aumentou quase 50% em 12 meses, com reflexo no preço de quase todos os produtos e serviços. Essa é uma política insustentável de arrocho dos salários reais, a qual não se sabe até quando os trabalhadores irão suportar.
Até pouco tempo quem estava reagindo ao arrocho salarial, quase que exclusivamente, eram os trabalhadores do setor público, pelas suas condições de trabalho, especialmente a estabilidade no emprego. No entanto, segundo dados compilados pelo DIEESE, na indústria privada, o reajuste de salários voltou à pauta. De janeiro a abril de 2021, 27% das greves da indústria privada tinham o reajuste dos salários nas pautas; nos dois quadrimestres seguintes, entretanto, esse percentual ficou próximo de 50%.
Neste quadro, um acontecimento que chama a atenção foi o ocorrido recentemente na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Na sexta-feira, dia 8, o Sindicato dos Metalúrgicos colocou em votação a proposta que a direção da empresa havia feito ao sindicato. No total 6.085 metalúrgicos participaram da votação, que resultou no seguinte: 6.040 votos Não para a proposta; 39 metalúrgicos aceitaram o acordo; três votos foram anulados e três trabalhadores votaram em branco. A proposta da direção da CSN, expressamente rejeitada por 99,3% da categoria foi: reajuste salarial de 8,1% para quem recebe até R$ 3 mil; para os trabalhadores com vencimento acima deste valor, o reajuste seria de 5%. A empresa ofereceu também: 1.carga extra no cartão alimentação (R$ 400, em maio e dezembro);2.recarga de R$ 700 em maio, a título de banco de horas; 3.reajuste no piso salarial de 4%; 4.bonificação de 1,9 salário, à título de PPR.
A CSN, empresa que está tentando negociar reposição salarial abaixo da inflação, registrou o impressionante lucro líquido de R$ 13,6 bilhões em 2021, um aumento de 217% em relação ao ano anterior. A receita líquida totalizou R$ 48 bilhões no ano, uma elevação de 59,4% na comparação com 2020. Esse foi o maior faturamento já registrado na história da empresa, privatizada no governo Itamar Franco em 1993. A CSN historicamente tem um quadro de trabalhadores com forte tradição de luta.
É esperado que, num eventual processo de retomada da mobilização, esta comece pelos setores mais conscientes dos trabalhadores. Há sinais importantes também em outras regiões do país. Em fevereiro os mineiros de seis carboníferas do Sul de Santa Catarina fizeram greve geral, praticamente com 100% de adesão. Não houve necessidade da realização de piquetes. Os mineiros das cidades de Lauro Müller, Urussanga, Içara, Siderópolis e Treviso decidiram pela greve, mesmo com uma proposta patronal de 12%, já um ganho real em relação a inflação, que foi de 10,16%. A paralisação se estendeu por quatro dias, com 100% de adesão. Os trabalhadores conseguiram um reajuste geral de salários: de 13,10%, além de outras conquistas.
Apesar das elevadas taxas de desemprego, que costuma jogar água gelada na mobilização, a inflação crescente tem encorajado os trabalhadores do setor privado a entrarem em ação. Os aumentos de preços dos produtos básicos (comida, água, energia elétrica, tarifas de transporte) estão ocorrendo num momento em que a classe trabalhadora brasileira já perdeu muito e atravessa um brutal ciclo de empobrecimento. O custo de vida atual já seria muito alto para os salários vigentes, mesmo que ele não estivesse aumentando (ou seja, mesmo que a inflação fosse zero). Além disso, é um aumento de preços ainda mais elevado nos produtos alimentares básicos, o que impacta diretamente o orçamento dos trabalhadores que recebem os menores salários.
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