Os pobres novamente sob suspeita

Em pleno início do século 21, a atual elite dirigente oferece cada vez mais ao conjunto da sociedade, o passado como a verdadeira ponte para o futuro. Quem diria...

Presidente Michel Temer durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília. 5/06/2017 REUTERS/Ueslei Marcelino
Presidente Michel Temer durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília. 5/06/2017 REUTERS/Ueslei Marcelino (Foto: Marcio Pochmann)


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É traço característico da classe (dos criados) o pouco amor ao trabalho. Sempre que podem, furtam-se ao cumprimento de suas obrigações. Hoje em dia, porém, não valem eles nem o que comem nas casas dos patrões. (GIL, 1893) [...] Cozinheiras e cozinheiros são bêbados e ladrões, copeiros são gatunos, denunciadores, criminosos vulgares, a criadagem feminina participa de todos os vícios e de todos os desequilíbrios. As queixas à polícia são constantes. (RIO, 1911).

O condomínio de interesses dominantes que viabiliza o governo Temer desde o ano de 2016 parte do princípio de que o atraso brasileiro se deve à insistência do povo em participar do orçamento público. Repete, nesse sentido, a cantilena da elite do final do século 19, que produziu o projeto de branqueamento nacional para excluir do mercado de trabalho, a população pobre conformada por negros e ex-escravos e que, junta com os índios, representava cerca de 2/3 dos brasileiros em 1872.

Com isso, a inserção dos pobres ficou reduzida ao rendimento gerado nas ocupações mais simples. Entre elas o serviço doméstico, que no ano de 1872 representava a segunda ocupação mais importante do país, com o abrigo de mais de 1 milhão de trabalhadores. A primeira ocupação era a de lavrador, com 3,3 milhões de ocupados. Para cada um trabalhador na construção civil, por exemplo, havia mais de 12 ocupados nos serviços domésticos.

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Ao mesmo tempo em que as poucas possibilidades de reprodução da vida pelos pobres encontravam-se nos postos de trabalho mais simples, emergia a preocupação com a ordem e a segurança. No final do século 19, inúmeros são os registros de ação policial e da elevação de seguranças contratados, o que não deixava de apontar a visão dominante de suspeita sobre os pobres.

Nos dias de hoje, as “reformas” do governo Temer para as despesas públicas (emenda do teto sobre os gastos não financeiros), a seguridade social e o trabalho visam abater quase 10 pontos percentuais do orçamento governamental com os pobres. Com isso, a pressão das pessoas ativas tende a ser crescente e dependente da obtenção de algum rendimento pelo exercício do trabalho existente.

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Entre o último trimestre de 2014 e o primeiro trimestre de 2017, a quantidade de desempregados aumentou 7,8 milhões, pois passou de 6,4 milhões para 14,2 milhões pessoas. Neste mesmo período de tempo, o número de empregados no setor privado foi reduzido em 3,1 milhões de postos de trabalho.

Mas o trabalho doméstico cresceu em mais de 200 mil vagas, assim como o de segurança privada aumentou em quase 30%. Nesse caso, percebe-se que em 2017, a quantidade de trabalhadores envolvida na ocupação de segurança pública e privada, formal e informal, deve se aproximar dos 2 milhões de ocupados.

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Com isso, a segurança pública ameaça comparar-se ao número de postos formais atualmente existentes no setor da construção civil, tão fortemente abatido nesses últimos anos de avanço na recessão e de atuação da chamada operação Lava a Jato. Além disso, o perfil urbano das cidades modifica-se gradualmente com a consolidação da arquitetura das fortalezas civis voltada à segurança.

Na habitação, verdadeiros “fortes apaches” disseminam-se na forma de condomínios residenciais, seguidos de quase “cidades proibidas” para o exercício do trabalho e de “templos do consumismo” aos segmentos privilegiados. Todos crivados pelo que há de mais avançado em termos de segurança e tecnologias de proteção.

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Na contramão da expansão da atividade econômica e ocupacional da segurança, emergem maiores informações sobre a barbárie da violência praticada no país, que registra mais assassinatos do que atingidos por ataques terroristas e em países no estado de guerra. Segundo o Atlas da Violência de 2017, de responsabilidade do Ipea, e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a população negra, jovem e de baixa escolaridade continua totalizando a maior parte das vítimas dos quase 60 mil homicídios contabilizados no país.

Em pleno início do século 21, a atual elite dirigente oferece cada vez mais ao conjunto da sociedade, o passado como a verdadeira ponte para o futuro. Quem diria...

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