Os Impérios contra-atacam

Cabe à esquerda repudiar qualquer manifestação de índole imperial, condenando a incursão da Rússia na Ucrânia, exigindo a extinção da N.A.T.O.

(Foto: Reuters/Umit Bektas)


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A guerra na Ucrânia traz uma história povoada por vilões, oligarcas, autocratas, neonazis, velhos e novos imperadores de um mundo em mudança. As placas tectónicas imperiais mexem-se e, a serviço dos donos das empresas transnacionais, disputam novos espaços que lhes garantam matérias primas, escoar a produção de armamento, recursos minerais, fontes energéticas e mercados; procurando cada uma ter uma posição de domínio sobre as restantes. É certo que movimentos desta magnitude são violentos, arrastando o mundo para uma crise de consequências ainda imprevisíveis. O barril de petróleo voltou a ultrapassar os 100 dólares no mercado internacional, o que acelerará o processo inflacionário global que já estava em curso. Neste contexto, também a burguesia mundial pode continuar a sonhar em transformar a energia num bem consumo caro, apurando através da guerra os seus objetivos da transição energética. Alguns bilionários multiplicarão suas fortunas enquanto a crise se aprofundará para largas camadas da população mundial.

Após a queda do bloco soviético no início dos anos 1990s, os E.U.A. conseguiram assumir a predominância política, económica e militar; globalizando o seu sistema capitalista neoliberal. Passados trinta anos, outras economias e blocos erguem-se e colocam essa hegemonia imperial em causa. O cenário realista da China ser a maior potência económica sob todos os indicadores já no final desta década e os acordos comerciais estabelecidos  que consolidam o eixo sino/russo deixa a casa branca à beira de um ataque de nervos, que continua colocando a N.A.T.O. cada vez mais próxima das fronteiras russas. 

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A economia dilacerada pela desigualdade e um estado incapacitado por décadas de políticas neoliberais retira a capacidade de iniciativa ao governo norte americano para inverter a tendência de queda dos E.U.A., restando-lhe levar a instabilidade às portas da China, no caso de Taiwan, e da Rússia, ajudando a deflagrar o conflito na Ucrânia. Essa instabilidade desgastará económica e politicamente o bloco adversário e dará tempo aos EUA para recuperarem o seu domínio global. Esta esperança da administração norte americana aumenta a instabilidade económica (já elevada pela crise do covid) e já tem reflexos no mercado energético global. Na incapacidade de enfrentamento económico direto com a China, a economia do caos parece ser a estratégia do império norte americano para tentar frear o ascendente chinês.

1 - O que está a matar o império?

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Na desagregação da União Soviética e de todo o seu bloco composto pelos países do socialismo real, os E.U.A. e o capitalismo surgiram como os grandes vencedores da guerra fria. Uma vitória política, militar, económica, social e ideológica; de tal forma retumbante que colocou membros do governo americano a dirigir países do antigo bloco ou funcionários da C.I.A. a gerir centros de armamento nuclear nas ex repúblicas soviéticas. Com um domínio tão grande, o império norte americano advogava o fim da evolução histórica e social e arriscava-se, qual terceiro Reich, a durar mil anos. Não fossem as contradições que se estavam a desenvolver dentro da sua sociedade e que agora apresentam suas fissuras.

Com o neoliberalismo a todo o vapor nos últimos quarenta anos, o P.I.B. dos E.U.A. cresceu de cerca de 3 triliões de dólares para cerca de 21 triliões, já o ordenado médio real encontra-se congelado desde a década de 1980, com condições de trabalho cada vez piores. Temos assim uma economia riquíssima que não funciona a favor das pessoas que trabalham, sendo uma fonte abundante de desigualdade, colocando atualmente mais de cinquenta milhões de pessoas a passar fome no país (ainda) mais rico do mundo e que tem quatro dos cinco centibilionários existentes (pessoas que detêm mais de 100 biliões de dólares). 

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Neste quadro de desencanto económico e social é natural que  a abstenção nas eleições presidenciais se consolide nos 40% e que nenhum presidente eleito, seja republicano ou democrata, tenha a capacidade de mobilizar a opinião pública para apoiar uma nova guerra, quanto mais um projeto imperial. 

Como em todos os impérios, são os excessos das elites que fazem esboroar a hegemonia norte americana. Em última análise é o neoliberalismo que também está a matar o império.

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Sabendo que em política não há espaços vazios, é preciso entender qual o papel da China e do eixo sino/russo neste novo quadro de disputa imperial.

2 Império vs império bonzinho?

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Regressados a um quadro tendencialmente bipolar, são quase inevitáveis as comparações com os tempos da guerra fria, exercício quase sempre distante de uma análise realista. Existem diferenças essenciais sobre os dois contextos, como a ausência de apresentação de alternativa ao sistema capitalista global por parte da China. 

Ao contrário da presença da ex-U.R.S.S., a China apresenta-se como um player da economia global cumpridor e impulsionador do sistema capitalista neoliberal global.

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Após a crise de 2008, a China surge como a grande potência financeira mundial, sendo o garante do sistema glogal que estava em colapso. Os estados europeus e norte americanos afundavam-se em dívidas para salvar a banca e bolsas, o que fez disparar as dívidas públicas. Foi a China que adquiriu grande parte dessas dívidas, em particular a norte americana. Seguidamente passou à aquisição de setores estratégicos económicos de muitos outros países como a energia elétrica: a E.D.P. (Energias De Portugal) ou a C.P.F.L. (Companhia Paulista de Força e Luz); a produção petrolífera: blocos de exploração de petróleo no Brasil, ou a compra de participação na canadiana Nexen; são pequenos exemplos de uma movimentação global por parte de empresas chinesas que praticando as regras do liberalismo permitido a nível global, intentam garantir a expansão de seus lucros explorando os povos de países terceiros.

É certo que existiu uma melhoria significativa na população chinesa e que centenas de milhões de pessoas foram retiradas do quadro de fome e miséria. Mas também é certo que a China é o país que mais cria bilionários por ano e que é em nome dos interesses destes que a construção imperial se efetua. Manter uma classe média grande e aumentar os lucros dos bilionários torna-se uma conta difícil de fechar, que só a exploração de grandes partes do globo e de seus povos tem escondido esse erro contábil. Se adicionarmos o esgotamento ambiental vemos o problema em que se está a tornar a expansão económica chinesa.

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Tem sido referido por parte de alguma esquerda, em particular a brasileira, o caráter desmilitarizado da ascensão chinesa, dando uma face humanizada ao imperialismo chinês. Erro crasso que desvaloriza a corrida ao armamento pelas grandes potências nos últimos anos, incluindo a chinesa, que tem as maiores forças armadas do mundo. Também a construção de bases militares no exterior, como no Djibuti (pequeno país no nordeste africano) que garante a circulação de produtos chineses pelo canal de Suez através do Golfo de Aden e Mar Vermelho, vão antevendo que na ausência de entendimento comercial que garanta os interesses comerciais das transnacionais chinesas serão usados os canhões. Nada de inovador em relação à contra parte norte americana.

Também seguindo a pior tradição imperial recente estadounidense, o estado chinês tem feito contratos de empréstimo a países desestruturados economicamente com cláusulas inaceitáveis, trazendo para órgãos chineses de arbitragem, como a Comisssão Internacional de Arbitragem Económica e Comercial da China (CIETAC), a resolução de qualquer disputa. Estratégia de lawfare internacional bem conhecida dos brasileiros através da lava jato, em que o Departamento de Estado norte americano garantiu que processos relacionados a empresas brasileiras fossem julgados nos E.U.A..

Nada como ter o árbitro/juiz a nosso favor para garantir o resultado do jogo.

Conclui-se que a China não apresenta alternativa ao sistema internacional neoliberal apesar das oportunidades que as consecutivas crises do sistema apresentam. A última, que ainda decorre, é a do covid, em que o capital faz a gestão da epidemia de acordo com os planos comerciais da farmacêuticas. Poderia a China ter encabeçado um movimento de distribuição global de vacinas (onde pára a quebra das patentes???) em vez de ter entrado na disputa comercial global.

Com um sexto da população mundial e sendo quase a maior economia do mundo, se não é a China a ter condições objetivas para propor um sistema alternativo, quem terá? Faltam apenas as condições políticas.

Se residirem dúvidas é só apreciar a evolução das condições de trabalho dos/as trabalhadores/as da EDP ou da CPFL sob o patronato chinês e a evolução do valor das faturas/boletos durante o mesmo período.

3 A guerra dos impérios é sempre contra os povos

É comum nestes embates surgirem as análises sobre vencedores e vencidos sempre em lógicas nacionais o que deturpa a essência das guerras. Sem saber quais empresas vão vencer e garantir seus contratos de abastecimento de gás natural para aquecer o povo alemão e holandês durante o inverno, já sabemos que o povo ucraniano perdeu, o povo russo perdeu, o povo alemão perdeu e perdemos todos/as que trabalhamos e que a partir deste conflito vamos pagar tudo mais caro, com menos emprego e menos condições.

Cabe à esquerda repudiar qualquer manifestação de índole imperial, condenando a incursão da Rússia na Ucrânia, exigindo a extinção da N.A.T.O. e o fim da corrida ao armamento. Dinheiro gasto em armamento e na manutenção dos impérios é dinheiro que falta à classe trabalhadora e aos desafios da transição ambiental. A esquerda tem de ser o adulto na sala e rejeitar qualquer tipo de escalada como a U.E., E.U.A. e Rússia andam a fazer de forma totalmente irresponsável. Só uma saída negociada pode salvaguardar a sobrevivência dos povos (para já) ucraniano e russo.

A nossa guerra é contra a fome, o desemprego, o esgotamento ambiental. É contra os bilionários que dirigem os impérios e o sistema capitalista que nos tem trazido a estas tragédias.

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