Os Democratas, o mal mais eficaz
A belicosidade dos Democratas sempre vem envolta no manto da democracia, da liberdade e dos direitos – fazendo deles os mais eficazes vendedores de guerras
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Por Chris Hedges
(Publicado no ScheerPost, traduzido com exclusividade para o Brasil)
Tradução e adaptação: Rubens Turkienicz
Quando tudo o mais falha, quando você não tem ideia de como parar uma taxa de inflação de 7,5% ao ano, quando o seu projeto de lei de “Build Back Better” (Reconstruindo Melhor) é jogado na sarjeta, quando você renega na sua promessa de aumentar o salário mínimo ou de anistiar a dívida estudantil, quando você não consegue parar a supressão do direito de votar feita pelos Republicanos, quando você não tem ideia de como lidar com a pandemia que causou 900 mil mortes – 16% do total mundial de mortes, apesar de sermos (os EUA) menos de 5% da população mundial – quando o mercado de ações flutua em passeios selvagens de altos e baixos, quando a pouca ajuda oferecida pelo governo para a força de trabalhadores – metade dos quais, 80 milhões, vivenciaram um período de desemprego no ano passado – veem o fim da extensão dos benefícios de seguro-desemprego, da assistência dentária, do cancelamento dos empréstimos estudantis, dos cheques de emergência, da moratória dos despejos e da expansão dos créditos de impostos para crianças, quando você observa passivamente à medida que o ecocídio aumenta de ritmo, então você tem que incutir no povo o medo dos inimigos, estrangeiros e nacionais. Então, você precisa fabricar uma ameaça existencial. Os russos e os chineses no estrangeiro. Tem que expandir o poder do estado em nome da segurança nacional. Fazer soar os tambores de guerra. A guerra é o antídoto para desviar a atenção do povo da corrupção e da incompetência do governo. Ninguém faz este jogo melhor do que o Partido Democrata. Como disse o jornalista e cofundador do Relatório da Pauta Negra (Black Agenda Report) Glen Ford – os Democratas não são o mal menor, eles são o mal mais eficaz.
Sobrecarregados pelos boicotes “de facto” de impostos pelos ricos e pelas corporações, os EUA estão afundando na maior dívida da nossa história. O déficit orçamentário do governo dos EUA foi de USD 2,77 trilhões no ano orçamentário de 2021 que se encerrou em 30 de setembro último – o segundo maior déficit anual em registro. Este só foi excedido pelo déficit de USD 3,13 trilhões em 2020. O total da dívida nacional dos EUA supera os USD 30 trilhões. A dívida das famílias cresceu em USD 1 trilhão no ano passado. O total do balanço da dívida no esquema de Ponzi do nosso governo é agora USD 1,4 trilhão maior do que era ao final de 2019. As nossas guerras são travadas com dinheiro emprestado. O Instituto Watson da Universidade Brown estima que os pagamentos de juros da dívida militar podem chegar a USD 6,5 trilhões ao final da década dos anos de 2050. Nenhuma destas dívidas é sustentável.
Ao mesmo tempo, os EUA estão enfrentando a ascensão da China, cuja economia está projetada para superar a economia dos EUA até o fim desta década. A enorme quantidade de truques financeiros desesperados – inundar o mercado global com novos dólares e baixar as taxas de juros a quase zero – evitaram depressões maiores após o choque das empresas “dot.com” no ano de 2000, após os ataques às torres gêmeas de 11 de setembro de 2001 e o colapso financeiro global de 2008. As baixas taxas de juros levaram as corporações e os bancos a tomar empréstimos massivos no Federal Reserve (Fed), muitas vezes para encobrir deficiências e maus investimentos. O resultado disso é que as empresas dos EUA estão mais mergulhadas em dívidas do que em qualquer outro período da história dos EUA. Em acréscimo a este atoleiro está a inflação crescente, causada por empresas que aumentaram seus preços num esforço desesperado para compensar as rendas perdidas devido à escassez nas redes de abastecimento e os custos crescentes de transporte, a desaceleração econômica e os pequenos aumentos dos salários desencadeados pela pandemia. Esta inflação forçou o Fed a reduzir o crescimento do suprimento de dinheiro e a aumentar as taxas de juro, o que empurra, então, as corporações a aumentarem ainda mais os preços. As medidas desesperadas para evitar uma crise econômica são autodestrutivas. O saco de truques está vazio. Inadimplências massivas nas hipotecas, empréstimos estudantis, cartões de crédito, dívidas de famílias, dívidas de veículos e outros empréstimos são provavelmente inevitáveis nos EUA. Sem mecanismos de curto-prazo restantes para encobrir o desastre, isto levará à uma depressão prolongada.
Uma crise econômica significa uma crise política. E, tradicionalmente, uma crise política é resolvida pela guerra contra inimigos dentro e fora da nação. Os Democratas são tão culpados disso quanto os Republicanos. As guerras podem ser iniciadas por Democratas – como Harry S. Truman na Coréia e John F. Kennedy e Lyndon Johnson no Vietname – e perpetuadas pelos Republicanos. Ou, então, estas podem ser iniciadas por Republicanos, como George W. Bush, e perpetuadas por Democratas, como Barak Obama e Joe Biden. Sem declarar uma guerra, Bill Clinton impôs sanções punitivas sobre o Iraque e autorizou a Marinha e a Força Aérea dos EUA a fazer milhares de ataques contra aquele país, jogando milhares de bombas e lançando centenas de mísseis. A indústria da guerra, com o seu orçamento militar de USD 768 bilhões/ano, junto com a expansão da Segurança da Pátria (Homeland Security), do FBI, do Serviço de Cumprimento da Imigração e das Aduanas dos EUA (US Immigration and Customs Enforcement) e da Agência de Segurança Nacional (NSA – National Security Agency) é um projeto bipartidário de Democratas e Republicanos. Uns poucos líderes políticos nacionais – como Henry Wallace em 1948 e George McGovern em 1972 – que ousaram desafiar a máquina de guerra, foram brutalmente perseguidos até o esquecimento pelos líderes de ambos os partidos.
A belicosa retórica de Biden contra a China e especialmente contra a Rússia – mais estridente do que aquela do governo Trump – tem sido acompanhada pela formação de novas alianças de segurança, como aquelas feitas com a índia, o Japão, a Austrália e o Reino Unido na região do Indo-Pacífico. Ironicamente, a agressão dos EUA empurrou a China e a Rússia a um casamento forçado, algo que os arquitetos da Guera Fria – incluindo Nixon e Kissinger com a sua abertura à China em 1971 – trabalharam muito duro para evitar. Após o seu recente encontro em Beijing, o presidente russo Vladimir Putin e o presidente chinês Xi Jinping emitiram uma declaração de 5.300 palavras que condenou o pacto trilateral AUKUS de segurança entre os EUA, a Grã-Bretanha e a Austrália. Eles também prometeram impedir as “revoluções coloridas” e a fortalecer uma coordenação estratégica mútua (“back-to-back” strategic coordination).
A belicosidade dos Democratas sempre vem envolta no manto da democracia, da liberdade e dos direitos – fazendo dos Democratas os mais eficazes vendedores de guerras. Os Democratas enfileiraram-se ansiosamente em apoio a George W. Bush durante as conclamações deste para invadir o Afeganistão e o Iraque em nome de uma “intervenção humanitária” e para “libertar” as mulheres do Afeganistão – as quais passaram a viver as duas décadas seguintes sob o terror, sepultando membros das suas famílias e, às vezes, os seus filhos. Mesmo quando os Democratas, incluindo Barak Obama, criticaram as guerras no Afeganistão e no Iraque enquanto disputavam o governo, depois de eleitos eles votaram firmemente para financiar as guerras para “apoiar as tropas”. Agora, a presidenta da Câmara de Deputados dos EUA, Nanci Pelosi (Democrata da California) diz que “um assalto à Ucrânia é um assalto à democracia” - o mesmo argumento ao qual os Democratas agarraram-se há meio-século, quando lançaram e expandiram a desastrosa guerra no Vietname.
O senador Robert Menendez (Democrata de New Jersey), presidente do Comitê de Relações Exteriores da Câmara de Deputados dos EUA, está propondo agora um projeto de lei que ele chama com orgulho de “a mãe de todas as sanções”. O projeto, liderado na Câmara pelo também democrata Gregory Meeks no Comitê, exige que o governo “não ceda às exigências da Federação Russa no concernente à participação na OTAN ou à sua expansão”. A expansão da OTAN à Ucrânia, na fronteira com a Rússia, é uma questão central para Moscou. Remover esta questão da discussão com a Rússia oblitera a solução diplomática para a crise. As sanções propostas sob esta legislação podem ser impostas por qualquer ato, não importando quão menor, considerado pela Ucrânia como sendo hostil. As sanções não poderão ser suspensas até que haja um acordo entre os governos da Ucrânia e da Rússia, o que significa que será garantida à Ucrânia a autoridade de determinar quando as sanções dos EUA terminarão. A sanções propostas – as quais têm como alvo os bancos russos, o gasoduto Nord Stream, as empresas estatais russas e os principais membros do governo e das forças militares russas – incluindo o presidente Vladimir Putin – também prevê o bloqueio da Rússia no sistema SWIFT – o sistema financeiro internacional de transações que usa o dólar dos EUA como moeda mundial de reserva.
“A legislação garantiria pelo menos USD 500 milhões de assistência militar à Ucrânia, em adição aos USD 200 milhões em novas assistências enviados no mês passado”, escreve Marcus Stanley. “Isso faz da Ucrânia o terceiro maior recipiente de assistência militar dos EUA no mundo – depois de Israel e do Egito. Porquanto isto não chegaria perto de dar à Ucrânia a capacidade de combater a Rússia sozinha, a assistência inclui conselheiros militares que aumentariam o perigo dos EUA serem envolvidos num conflito. O projeto de lei também dá passos para envolver diretamente países limítrofes à Rússia nas negociações para terminar a crise – o que aumentaria as dificuldades para chegar-se a um acordo.”
Enquanto tirar a Rússia do sistema SWIFT seria catastrófico para a economia russa – pelo menos por algum tempo -, empurrar a Rússia aos braços da China para criar um sistema financeiro global alternativo que não dependa mais do USD aleijará o império dos EUA. Uma vez que o dólar dos EUA não seja mais a moeda de reserva do mundo, o dólar cairá precipitadamente de valor, talvez até em dois-terços – como foi o caso da libra esterlina quando a moeda britânica foi abandonada como moeda de reserva do mundo nos anos de 1950. Usadas para financiar o déficit na balança de pagamentos dos EUA baseadas nos seus gastos militares e pelo inchaço do déficit no orçamento do governo, as Letras do Tesouro dos EUA não serão mais investimentos atrativos para países como a China. As mais de 800 bases militares dos EUA em outros países, sustentadas pela dívida – os chineses emprestaram uma quantia estimada em USD 1 trilhão aos EUA, sobre os quais eles ganham juros polpudos – diminuirão dramaticamente em número. Neste ínterim, pelo menos uma parte dos massivos pagamentos de juros dos EUA continuarão a financiar as forças militares da China.
Após 75 anos, a dominação da economia mundial pelos EUA acabou. E esta não volta. Nós (nos EUA) fabricamos poucas coisas além de armas. A nossa economia é uma miragem construída sobre níveis insustentáveis de dívidas. A pilhagem orquestrada pelas elites e pelas corporações capitalistas escavou o país por dentro, deixando a infraestrutura decair, fazendo as instituições democráticas ficarem moribundas para pelo menos metade da população que luta pela sua subsistência mínima. Os dois partidos governantes, que são marionetes dos oligarcas dominantes, recusam-se a refrear os apetites vorazes da indústria da guerra e dos ricos, acelerando, assim, a crise. Mesmo quando expressada de maneiras inapropriadas, a fúria dos despossuídos é legítima, porém jamais é reconhecida pelos Democratas – os quais foram instrumentais em empurrar a aprovação de acordos de comércio, a desindustrialização, conseguindo vitórias draconianas, exceções à lei para os ricos, gastos deficitários, guerras infinitas e os programas de austeridade que criaram a crise. Em lugar disso, o governo Biden está atirando no mensageiro, visando os apoiadores de Trump e ganhando sentenças draconianas para aqueles que atacaram a capital no dia 6 de janeiro deste ano. O Departamento (Ministério) de Justiça de Biden formou uma unidade contra o terrorismo doméstico (interno) para concentrar-se sobre os extremistas e os Democratas estão por trás de uma série de iniciativas para tirar desfazer as plataformas e censurar os seus críticos da direita.
A crença de que o Partido Democrata ofereça uma alternativa ao militarismo é o triunfo da esperança sobre a experiência – como disse Samuel Johnson. As disputas com os Republicanos, na sua maior parte, são um teatro político – muitas vezes centrado no absurdo, ou no trivial. Não há diferenças entre as classes dominantes sobre questões substanciais. Assim como fazem os Republicanos, os Democratas assumem a fantasia de que, como o país está à beira da insolvência, uma indústria da guerra que orquestrou um fiasco após o outro – do Vietname até o Afeganistão e o Iraque – restaurará a perdida hegemonia global dos EUA. Como observou Reinhold Niebuhr, os impérios acabam por “destruir à sí próprios no esforço de provar que são indestrutíveis”. A auto-delusão da invencibilidade militar é a praga que venceu o império estadunidense – assim como venceu impérios do passado.
Nos EUA, nós vivemos em um estado de partido único. A ideologia de segurança nacional é sacrossanta. O culto do sigilo, justificado em nome de proteger-nos dos nossos inimigos, é uma cortina de fumaça para esconder do povo as maquinações internas do poder e para manipular as percepções públicas. Os cortesãos e conselheiros Democratas que rodeiam qualquer candidato presidencial Democrata – os generais e diplomatas aposentados, os ex-conselheiros de segurança nacional, os economistas de Wall Street, os lobistas e os apparatchiks de governos anteriores – não querem refrear o poder da presidência imperial. Eles não querem restaurar o sistema de pesos e contrapesos. Eles não querem desafiar os militares, nem o estado de segurança nacional. Eles são o sistema. Eles querem mudar-se de volta para a Casa Branca a fim de brandir a sua terrível força. E agora, com Joe Biden, é onde eles estão.
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