Os cantores brasileiros obrigados a cantar em inglês

Após o golpe de 1964, o Brasil mergulhou numa política entreguista jamais vista, desde que o país se tornou independente de Portugal



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Após o golpe de 1964, o Brasil mergulhou numa política entreguista jamais vista, desde que o país se tornou independente de Portugal. Por mais que nosso país tenha sido sempre uma nação em construção, atrasada e andando a passos lentos no caminho do desenvolvimento, em geral há, por parte da população, abrangendo o povo pobre e chegando até mesmo a um setor da burguesia, um sentimento de que era necessário se constituir um país de verdade. Cada instância da sociedade, com seus pensamentos e soluções próprias, efetivas ou não, caminhavam juntas, apesar de todas as contradições, sempre existentes, até os dias de hoje. No caso da música, mesmo contra a vontade de uma parte da elite econômica nacional, conseguiu ter grandes avanços, a tal ponto do nosso país ser considerado por muitos, incluindo eu mesmo, como tendo a melhor música do mundo, e os músicos, idem. O samba, o forró, o axé, e todos os nossos ritmos típicos tiveram que enfrentar a repressão estatal desde o início para sobreviver e almejar o sucesso e aceitação popular. Hoje isso é um fato consolidado.

Porém as coisas mudaram logo depois do golpe militar, quando a política brasileira foi transformada de forma profunda, para nos tornarmos uma colônia estadunidense. Não que isso já não acontecesse antes, mas a partir daquele momento o retrocesso iria se aguçar. E claro, que haveria reflexos na área cultural, em especial na música, que é a manifestação artística mais forte por aqui.

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Muita gente já sabe a respeito dos cantores que iniciaram suas carreiras nas décadas de 60 e 70 cantando em inglês, e usando nomes artísticos que remetem a esse idioma. Alguns mantêm esses nomes até hoje, como Michael Sullivan, Chrystian (da dupla Chrystian e Ralf), mas muitos mudaram, assim como passaram a cantar na nossa língua materna. Mas até o final da década de 70 essa era a regra pra quem quisesse fazer sucesso no cenário nacional mainstream. Então tivemos naquela época: Mark Davis (Fabio Jr), Tony Stevens (Jessé), etc, além de cantores e bandas que não só mantiveram seus nomes americanizados como seguiram cantando no idioma do Tio Sam, como os grupos Pholhas, Manchester e Light Reflections, e o cantor mais bem sucedido nessa empreitada, Morris Albert (Mauricio Alberto), com sua canção de sucesso mundial e regravada em vários idiomas, Feelings (que também já foi acusada de plágio por uma cantora europeia). Tudo isso, juntando o fato de terem de esconder suas verdadeiras identidades e suas origens. Ninguém poderia sequer desconfiar que eles, na verdade, eram brasileiros. Nem todos se apresentavam nos programas de TV, e alguns nem apareciam nas capas dos discos, e quando alguém dava o ar da graça nas telinhas, tinham que permanecer calados para não revelarem o disfarce, em algum deslize no idioma. Era uma quase prisão que as gravadoras impunham aos artistas.

Pesquisando na internet, encontramos diversas matérias abordando sobre esse período e sem muita profundidade sobre esses acontecimentos, mais especificamente, sobre o porquê exatamente agiam assim, os artistas, produtores e empresários. Apenas apontar a conjuntura política do período é algo superficial e de senso comum. E talvez pensando dessa maneira, é que foi produzido um belíssimo documentário, sobre a música brasileira, intitulado: A Verdade Secreta do Pop Brasileiro. Produzida pela Kuarup Produtora, e dirigida pelo jornalista André Barcinski, eu descobri por acaso essa obra, sendo exibida no canal a cabo, Music Box Brazil. É emocionante ver os relatos de quem viveu tudo por dentro, falado de forma crua e verídica. E ao analisar o fundamento daquela situação, vemos que foi mais um caso comum no capitalismo, e a eterna luta de classes, que também ocorre entre empresas nacionais e internacionais, e não apenas entre empregados e patrões. Explicando de forma sintetizada, as pequenas gravadoras brasileiras, ao tentarem sobreviver ao grande mercado musical interno, dominado pelas gravadoras estrangeiras, precisaram criar um plano de negócios para conseguirem competir e continuarem existindo. Essas empresas, que não iriam de maneira alguma conseguir auxílio do governo entreguista vigente, decidiu criar seus próprios cantores gringos, e assim penetrar nas rádios, tvs e trilhas sonoras das novelas, fingindo serem cantores americanos. Dessa forma, as gravadoras nacionais conseguiram permanecer relevantes, lucrativas, requisitadas e atingiram o mesmo patamar das multinacionais instaladas em nosso território. A estratégia foi tão bem feita que muitas dessas canções passaram a tocar fora do Brasil. Destaques para a já citada Feelings de Morris Albert, mas também da We Say Goodbye de Dave Maclean.

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Pra quem gosta de histórias, e principalmente, da história do Brasil, eu recomendo que esse documentário seja visto. Além dos episódios que abordam esses casos dos cantores gringos de mentirinha, mas que foram responsáveis por grandes sucessos que muita gente nem sabe que são de artistas brasileiros, há também muito mais sendo contado nas entrevistas. Ao longo dos depoimentos, ficamos sabendo sobre uma banda que gravou centenas de discos, mas que nunca ganharam royalties, e muitos trabalhos nem sequer tiveram seus nomes creditados. Discos que na capa eram mostrados como sendo de determinados cantores e bandas da Europa e dos EUA, mas que foram gravados por brasileiros, etc. Além de revelar os verdadeiros criadores de alguns fenômenos musicais.  

 

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