Os Camaleões Estão no Poder

Os poderes, não os governos que são uma espécie de gerentes, empregados do dono, promovem toda sorte de ilusões, crenças, fantasias, mistificações para que a minoria mantenha sua situação poderosa e confortável distante daquela maioria

Os Camaleões Estão no Poder
Os Camaleões Estão no Poder (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil)


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Nenhuma pesquisa social é necessária para que saibamos serem os pobres a maioria da sociedade. Podemos ter pobres com melhores condições de vida (países nórdicos no século XXI) e outros sem qualquer meio de subsistência, dependentes da vontade de outras pessoas, mas, qualquer limite que se estabeleça, a parte inferior da quantificação será algumas vezes maior do que a superior.

Para manutenção desta situação, os poderes, não os governos que são uma espécie de gerentes, empregados do dono, promovem toda sorte de ilusões, crenças, fantasias, mistificações para que a minoria mantenha sua situação poderosa e confortável distante daquela maioria.

Feita esta abertura, tratemos do Brasil neste período que antecede as eleições gerais para o governo federal e os estaduais (executivo e legislativo).

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Por que a expressão de poder sem voto manda no Brasil?

Temos, por início, uma incongruência. Se todo poder emana do povo, como uma categoria não eleita pelo povo se transforma em poder? E ainda mais, passa a dirigir as ações dos escolhidos pelo povo?

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Para isso precisamos entender o cenário político que nos envolve e como se montou esta dramaturgia.

Questões social e nacional ou questão moral

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Para não voltar muito longe na história, vejamos as saídas dos totalitarismos no mundo ocidental no século XX.

Exceto os Estados Unidos da América (EUA), cuja situação é peculiar e será tratada adiante, os países da Europa, das Américas e da África passaram, no século passado, por governos autoritários, totalitários, por ditaduras. As pouquíssimas  exceções não criaram opções significativas.

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Mas a derrota do autoritarismo, com ingredientes raciais, na Europa e no Japão, com a II Grande Guerra, permitiu diversas independências, novos acordos de governabilidade e uma pacificação política que refletia o desejo de paz dos povos.

Também não é necessário esmiuçar acordos locais, regionais nem mesmo nacionais. Tomo com exemplo dois acordos que refletem bem esta situação, os Pactos de la Moncloa.

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A Espanha saia da guerra civil que a levara a 37 anos de ditadura franquista. Francisco Franco governou de 30/janeiro/1938 até, praticamente, sua morte em 20/novembro/1975, embora afastado pela doença desde junho de 1973..

Mortes, torturas, corrupções, traições, perseguições foram o cotidiano espanhol ao logo destes anos do poder de Franco. Era necessário, antes de tudo, estabelecer entre os beneficiados e os prejudicados, entre os que seguraram as armas e a quem foram dirigidos os tiros, entre os sempre ricos e os sempre pobres, acordos de convivência.

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Estes foram o “Acordo sobre o programa de saneamento e reforma da economia” e “Acordo sobre o programa de atuação jurídica e política”, firmados pelos partidos políticos com representação parlamentar em 1977, associações empresariais e três grandes organizações sindicais.

Mas, como é óbvio, acordos para sair de crises são datados, a vontade da maioria da população acabará por se impor, salvo se este povo esteja iludido, sejam-lhe colocadas opções que não correspondem aos seus verdadeiros problemas e nem às suas soluções.

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A banca é o lado mais nefasto do capitalismo

Desde meados do século XX, o capital financeiro internacional (banca) buscou derrotar o poder industrial, seja capitalista seja socialista. Para tanto começou a colocar as denominadas “questões transversais”.

A primeira, que atingiu fortemente o mundo industrializado, foi a ecológica, em todas as suas manifestações, desde a preservacionista radical até o uso racional dos recursos naturais.

Reflita comigo o caro leitor. “Salve as baleias” tem apelo suficiente para reunir tanto dinheiro que compre barcos, pague página de jornais de influência como “The New York Times”, vire protesto em cidades europeias? Ou houve dinheiro de quem é especialista na multiplicação deste “vil metal”?

A banca soube iniciar sua campanha pelo poder comprando a mídia, os veículos de comunicação para o povo. Da rádio regional aos produtores de Hollywood, do jornal de bairro às mais célebres publicações, citações obrigatórias até em teses acadêmicas. E também as academias, que lhe passam a dar o suporte dos cientistas, dos prêmios Nobel, dos “gênios” às maquinações da banca.

Criaram-se assim, e em pouquíssimo tempo, navegando nas tecnologias da informação e da comunicação, as certezas que reviraram a sociedade. Das drogas nas liberdades de 1968 à criminalização da ideologia socialista.

Permitam-me transcrever um desmentido à verdade da austeridade econômica ou financeira pelo professor de economia da Sorbonne, autor de numerosos trabalhados e ex-presidente do Conselho Científico da Associação pela Tributação das Transações Financeiras para Ação da Cidadania (ATTAC), René Passet, em tradução livre:

“Há incontestável relação entre a redução do tempo de trabalho e o número de empregos. Por exemplo, entre 1973 e 1994, na França e na Alemanha, o número total de assalariados, malgrado a crise, passou respectivamente de 21 para 22 milhões e de 26,65 para 28 milhões, no mesmo período em que o tempo médio de trabalho baixou de 1.900 para 1.600 e de 1.870 para 1.580 horas, tanto para um quanto para outro país” (“Éloge du mondialisme par un “anti” présumé”, Fayard, 2001).

Vejamos apenas mais um caso, que toma enorme espaço nos discursos eleitorais deste ano: a violência. Leonel Brizola, dos maiores políticos brasileiros, escreveu dois artigos, dentre seus célebres Tijolaços, que denominou “O ovo da serpente”, em 09/01/1992, e “O ovo da serpente (3)”, em 31/01/1993.

Neles está demonstrado pelo trabalho de equipe de pesquisadores, como a Rede Globo incentivou e glamourizou a violência. Nas palavras de Brizola:

“O que esses pesquisadores encontraram foi uma verdadeira escola do crime e da violência”. “E não se diga que isso é veiculado nos chamados programas para adultos. A programação infantil é repleta de imagens de violência, inclusive em desenhos animados, com 58 cenas diárias de violência” (em 09/01/1992).

“Uma nova pesquisa, realizada por uma equipe de 11 pesquisadores - pedagogos, jornalistas e outros profissionais - revelou (um ano depois) números ainda mais alarmantes. Durante 111 horas, os pesquisadores assistiram 83 programas e verificaram que a Globo exibiu nada menos que 288 homicídios ou tentativas de homicídio, 386 agressões, 248 ameaças, 56 sequestros, 11 crimes sexuais, 71 casos de condução de veículos sob efeito de drogas ou com perigo para terceiros, 7 de uso ou tráfico de drogas, 65 de formação de quadrilha, 43 roubos, 16 furtos, 7 de estelionato e mais 183 crimes. Em apenas uma semana.... O mais triste destaque, porém, é aquilo que se constatou na programação infantil. Ali, as cenas de violência, que há um ano representavam 34,9% do total, chegam agora a nada menos que 51,1% de toda a violência na TV” (em 31/01/1993).

A excentricidade estadunidense

Os EUA tiveram na guerra civil - a guerra da secessão de 1861/1865 -, mais do que nas lutas pela independência, a compreensão da relatividade do poder fundiário que a aristocracia europeia entenderia após o passeio militar de Napoleão, alterando as tradições de duques e barões.

Assim, a classe dirigente do País construiu um sistema político-administrativo que incentivasse a produção industrial. Como não havia a vulnerabilidade das importações, pelos volumes produzidos na Europa e pelos direitos alfandegários implantados desde 1860, pode prosperar o “Sistema Americano de Fabricação”.

A mão-de-obra não era problema para o país que a população mais do que dobrou, entre 1860 e 1900, de 30 para 76 milhões de habitantes.

Também a concorrência e as crises destes primeiros tempos proporcionaram a concentração de capital, logo do poder, que, então, definiria as regras para sua manutenção. Morre a “América Jeffersoniana” que serviu para o mito estadunidense, muito bem aproveitado por Donald Trump em sua campanha.

A visão da nação agrária, de pequenos fazendeiros, do esforço da vontade e da honestidade, se desfaz, abalada pelo padrão do lucro e da concentração de renda.

Mas persistiu, levada pela habilidade da pedagogia colonial interna, pelo uso da comunicação de massa, de quem já nos anos 1920 produz industrialmente a televisão, o conjunto de valores para o povo quem nem de longe era o da elite.

E esta hipocrisia do poder será levado a todo mundo com o empoderamento dos EUA após a II Grande Guerra. Também este país conhecerá as novas regras da banca. Os conflitos, que a administração Trump vive, não são devidos a sua personalidade mas ao jogo do industrialismo com o financismo, em toda estrutura de poder, e da pressão geopolítica-jurídica-midiática.

Ainda é cedo, em minha percepção, para definir a resultante destes embates. Mas, para o Brasil, teremos o recrudescimento colonial, já atuando fortemente no golpe de 2016 e nas pressões sobre o governo que vier a dirigir nossa Nação em 2019.

A ditadura jurídico-militar-midiática

O Portal Pátria Latina, comentando a designação de um general quatro estrelas para assessor do novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), escreveu:

“Esta junção jurídico-militar poderá dar a Dias Toffoli um lugar em nossa história político-administrativa” (“Recrutando generais: o STF atual lembra a Idade Média europeia”, 24/09/2018).

As ditaduras militares, deixando a personalidade e o voluntarismo dos chefes se imporem nas decisões, não interessa à banca. Ela prefere os que se submetam a seu mais competente argumento: a corrupção.

Um parlamento funcionando é muito melhor do que um ditador governando. A “liberdade de imprensa”, principalmente quando está quase inteiramente comprada, é um valor democrático insubstituível, como o poder sem voto dos magistrados é da mais pura essência da “tripartição de poderes”, harmônicos e interdependentes.

E os novos “fakes” - notícias, sentenças, processos, inimigos - vão surgindo como nas distopias mais perversas, da novilíngua, do Ministério da Verdade, em “1984”, de George Orwell.

No Evangelho de Lucas (9, 18-22), lido no dia de hoje, 28/setembro, nas Igrejas Católicas em todo mundo, Jesus pergunta: “quem dizeis que eu sou?”.

Pergunte-se, caro leitor, quem está defendendo as condições mais importantes para você, sua família, seu País?

Os que seguem os temas e os projetos da banca? Os que se deixam iludir, por boa fé ou por ignorância, que as “instituições estão sólidas e funcionando”, que foi a corrupção de quinze anos, e não a das elites que sempre governaram o Brasil, que nos deixaram esta pedagogia e esta economia coloniais?

No Eclesiastes (3, 1-11) da Missa de hoje se lê: (Há) tempo de atirar pedras e tempo de as amontoar”.

No exemplo dos pactos de Moncloa, o tempo era de amontoar.

E concluo com a magnífica mensagem que o historiador francês, Pierre Vilar, no Epílogo de janeiro de 1978, encerra seu livro “História da Espanha”, em tradução livre da versão de M. Dolores Folch, para o Editorial Crítica, Barcelona:

“O Pacto de Moncloa comprometeu todos partidos com parlamentares, incluídos os comunistas, a repartir equitativamente os sacrifícios entre todas as classes sociais. Porém, o que quer dizer equitativo? Que pensarão sobre isso os operários e os desempregados? E, se é aplicada uma autêntica justiça fiscal, o descontentamento não alcançará também as empresas em crise? Nem a luta de classes, nem os abalos conjunturais do capitalismo desaparecem pelos acordos políticos, como o Pacto referido. E não se pode ficar sem apresentar algumas questões: quem acredita governar e quem governa na realidade? O que querem as massas, os grupos, os homens? Aspiram apenas a troca política ou, também, a mudança social? Somente liberdade ou, também, a igualdade? As autonomias regionais ou, por meio delas, uma federação de socialismos? Quem sonha uma revolução e quem aspira um cargo ministerial? Tem início uma nova batalha, demasiadamente parecida com as de 1931, 1934 e 1936*. Felizmente a história nunca se repete”.

*Nestes anos a direita se manifestou, gerando conflitos, em Sevilha, Catalunha e Astúrias. O biênio 1934-1936 é designado “biênio negro”. Em 1936 eclode a guerra civil na Espanha.

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