Os ataques contra a presidenta Gleisi

"Gleisi defende as posições organizativas e também políticas de interesse da CNB, em prejuízo das posições defendidas por outros setores", diz Valter Pomar

Gleisi Hoffmann
Gleisi Hoffmann (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)


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No dia 20 de maio, o jornal O Globo publicou um texto, assinado pelo jornalista Sérgio Roxo, com duros ataques contra a presidenta nacional do PT, a companheira Gleisi Hoffmann.

Os ataques não são inéditos, nem começaram agora. Mas desta vez vieram com CIC e RG.

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Mas antes de falar quem colocou o jabuti na árvore, vejamos o mérito dos ataques.

Segundo o texto, Gleisi estaria "enfrentando desgaste com a bancada do partido na Câmara por defender posições mais à esquerda e que por vezes colidem com a pauta econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)". 

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O texto também diz que "lideranças petistas afirmam que a dirigente está afastada da corrente majoritária da legenda, a CNB, pela qual foi eleita. É levantada, inclusive, a hipótese de Gleisi deixar o grupo".

Deixemos este segundo ponto para mais adiante e nos concentremos no primeiro.

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Na hora de dar exemplos sobre a "política econômica", O Globo cita dois casos: o "arcabouço fiscal" e a "cobrança de impostos dos combustíveis".

Os dois pontos citados fazem parte da política econômica, mas não são "a" política econômica do governo Lula.

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Mas a técnica é conhecida: se você divergir de uma vírgula, então é porque diverge do texto inteiro, e se você diverge do texto inteiro, então você é inimigo. 

E assim, por um passe de mágica, figuras de direita que fazem parte do governo se tornam aliados fiéis; enquanto petistas de primeira hora são estigmatizadas.

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Para além disso, cabe perguntar: Gleisi é presidenta nacional do PT. E o fato é que o NAF não foi apresentado ao Partido antes de ser divulgado. Como, então, querer impedir que a presidenta do Partido possa apresentar suas opiniões?

Note-se que o próprio Globo diz que Gleisi fez "ressalvas ao novo arcabouço fiscal". Nem ressalva pode fazer?

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[Noutras oportunidades já expus minha opinião sobre o NAF. Acho melhor que o Teto de Gastos, mas não estou de acordo com o conjunto da proposta, agora piorada (como não podia deixar de ser) pelo Cajado.]

O Globo atribui a deputados petistas a afirmação segundo a qual "as falas de Gleisi acabam sendo entendidas como posições do partido, embora muita vezes sejam minoritárias dentro da bancada." 

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Admitamos a tese. Mas lembremos: a bancada é, inclusive estatutariamente, um organismo do Partido, subordinada ao Partido, cuja posição entre congressos é expressa pelo Diretório Nacional do PT, encabeçado por Gleisi.

Logo, a pergunta que poderia ser feita é se as posições de Gleisi expressam a posição do Diretório Nacional do PT. E, se for assim, caberia então responder como lidar com a eventual contradição entre a posição do Partido e a posição do governo.

Segundo um dos deputados citados pelo Globo, "Causa desgaste. Não podemos ser um partido de oposição sendo governo. Estão querendo repetir com o Lula o que foi feito com a Dilma (Rousseff), que é estreitar a base de apoio no Congresso. Querem uma política fiscal mais radical e que não tem passagem na Câmara."

De fato, governo é governo, oposição é oposição. Mas como deve proceder o PT, frente a um governo de frente ampla, do qual participa inclusive gente que esteve até ontem com Bolsonaro? Se não respondermos a esta questão, o desgaste virá de qualquer maneira. Por exemplo: se a política fiscal que "tem passagem na Câmara" dificultar as políticas sociais e os investimentos que precisamos fazer, o desgaste virá. Como lidar com isso?

Concordemos ou não com as posições de Gleisi, suas movimentações buscam dar conta deste problema. E cabe ao Partido como um todo, não apenas a bancada, debater o que fazer. E o que fazer não pode ser determinado apenas ou principalmente pela correlação de forças no Congresso.

Claro que existem pessoas que não concordam com isso, pessoas que acham que é a bancada que deve dirigir o PT, pessoas que acham que o mundo começa e termina no parlamento. Mas, ao menos por enquanto, estas pessoas podem muito, mas não podem tudo, embora venha crescendo a influência dos que pretendem transformar nosso partido em uma cooperativa de parlamentares.

Feito este preâmbulo, passemos ao segundo ponto: os ataques contra Gleisi estão vindo (e não é de agora) de integrantes da sua própria tendência, a CNB. 

Não vou reproduzir aqui as afirmações (incorretas), atribuídas ao deputado Washington Quaquá, acerca de quem concorda ou discorda de Gleisi na bancada. Nem tenho como opinar sobre as questões internas da CNB.

Apenas alerto que o PT é muito maior que a CNB. Portanto, o método de "fechar questão" na tendência, para depois impor esta posição ao Partido, é meio caminho andado para uma crise (aliás, o método da maioria presumida já demonstrou seus efeitos negativos entre 2003 e 2005).

Por fim, para não dizer que não falei de espinhos: no comando da direção partidária, a Gleisi defende com muita dureza as posições organizativas e também políticas de interesse da CNB, em prejuízo das posições defendidas por outros setores. 

Mas, como se vê, para algumas pessoas isso não basta. É preciso fazer isso "sem ressalvas". De onde veio esta concepção de política? No passado alguém diria: veio de Moscou. Mas há fortes sinais de que, ao menos no caso de uma das fontes da matéria do Globo, a origem é 100% nacional: o coronelismo.

Segue abaixo o texto comentado

Pressionada no comando do PT, Gleisi enfrenta desgastes no partido e no governo por posições mais à esquerda

Sérgio Roxo

2O.05.2023

Presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR) vem enfrentando desgaste com a bancada do partido na Câmara por defender posições mais à esquerda e que por vezes colidem com a pauta econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Lideranças petistas afirmam que a dirigente está afastada da corrente majoritária da legenda, a CNB, pela qual foi eleita. É levantada, inclusive, a hipótese de Gleisi deixar o grupo, o que ela nega.

Nesse cenário, Gleisi fez ressalvas ao novo arcabouço fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Anteriormente, a dirigente petista também se posicionou contra a volta da cobrança de impostos dos combustíveis. Haddad acabou vencendo a disputa. Dos 68 deputados do partido, 38 são da CNB. O grupo, do qual Lula e a própria deputada paranaense fazem parte, é conhecido historicamente por ter posições mais moderadas em comparação com as correntes minoritárias de esquerda da sigla.

De acordo com deputados da legenda, as falas de Gleisi acabam sendo entendidas como posições do partido, embora muita vezes sejam minoritárias dentro da bancada. Em razão disso, a relação entre ela e seus colegas é considerada desgastada pelos parlamentares. O deputado Washington Quaquá (RJ), um dos vice-presidentes do PT e membro da CNB, diz que hoje estão alinhados com Gleisi na bancada apenas o ex-presidente do partido Rui Falcão (SP), Bohn Gass (RS), Pedro Uczai (SC) e Lindbergh Farias (RJ), que é namorado dela. Nenhum deles é da CNB.

— Causa desgaste. Não podemos ser um partido de oposição sendo governo — critica Quaquá. — Estão querendo repetir com o Lula o que foi feito com a Dilma (Rousseff), que é estreitar a base de apoio no Congresso. Querem uma política fiscal mais radical e que não tem passagem na Câmara.

Como mostrou O GLOBO ontem, nas duas votações mais relevantes para o Palácio do Planalto até o momento — a urgência do novo arcabouço fiscal e as mudanças no marco do saneamento, na qual Lula foi derrotado —, 118 deputados acompanharam o governo em ambas as ocasiões. O número representa 23% da Casa, patamar distante do necessário para aprovar projetos.

Líder da bancada, Zeca Dirceu (PR), também da CNB, tenta contornar as insatisfações e afirma respeitar as posições de Gleisi.

— Eu vejo a Gleisi na bancada sempre de uma forma especial e diferenciada. Ela é a única entre todos nós que não é só deputada. É presidente do partido também. Então, vejo com respeito e naturalidade algumas posições dela.

Integrantes da direção partidária que fazem parte da CNB dizem que Gleisi não tem participado, nos últimos meses, das reuniões da corrente que são realizadas sempre antes dos encontros da executiva e do diretório nacional, principais instâncias decisórias da sigla. A presidente do partido alega que os horários dos encontros a impedem de ir. Também se queixam do esforço feito por ela para que Paulo Teixeira, da Resistência Socialista, segunda maior força interna, fosse indicado por Lula para comandar o Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Quaquá diz esperar que Gleisi não deixe a corrente e “se ajuste na política”, mas afirma que, se ela optar por abandonar a CNB, “perde a governabilidade” para continuar no comando do PT.

O mandato da deputada à frente do partido, que se encerraria este ano, foi prorrogado até 2025.

— De jeito nenhum (existe possibilidade de sair da CNB). Só se alguém quiser sair comigo — afirma Gleisi, ironizando o correligionário. — Considero pouco a opinião do Quaquá.

Apesar de ter sido eleita duas vezes para presidir o PT com o apoio da CNB, Gleisi nunca foi uma militante orgânica da corrente. Ao fim do primeiro mandato à frente do partido, em 2019, lideranças da corrente articularam um movimento para que Haddad assumisse a presidência da legenda. Lula, porém, barrou a iniciativa e garantiu a reeleição da deputada paranaense.

Gleisi já reconheceu internamente que tem posições mais à esquerda nas pautas econômicas, mas seus aliados atribuem os relatos de desgaste com a bancada a intrigas partidárias. Relatam que ela chegou a dizer, num primeiro momento, que o arcabouço fiscal poderia inibir o crescimento econômico, mas depois que a proposta foi chancelada por Lula, passou a defendê-la. Afirmam ainda que foram os alertas da presidente do PT que fizeram com que o governo blindasse o Bolsa Família e a política de aumento do salário mínimo das restrições impostas em caso de descumprimento da regra.

Por fim, alegam que os últimos posicionamentos de Gleisi sobre o tema tinham o objetivo de evitar que o relator Cláudio Cajado (PP-BA) alterasse o projeto para incluir mais restrições. Aliados ainda relatam que a relação da presidente do PT com Haddad foi pacificada.

— Tenho uma boa relação com a bancada. Obviamente, posso ter divergências com alguns. Já tive com o Zeca (Dirceu) e com mais um ou dois deputados, mas não vejo uma relação desgastada. Ser amplo (na base) não quer dizer não ter posição política. Não tem crise. O PT está com muita coesão em torno do governo. Mas isso não impede a gente de fazer debate, inclusive para ajudar.

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Segue abaixo o texto comentado

https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2023/05/pressionada-no-comando-do-pt-gleisi-enfrenta-desgastes-no-partido-e-no-governo-por-posicoes-mais-a-esquerda.ghtml

Pressionada no comando do PT, Gleisi enfrenta desgastes no partido e no governo por posições mais à esquerda

Sérgio Roxo

2O.05.2023

Nesse cenário, Gleisi fez ressalvas ao novo arcabouço fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Anteriormente, a dirigente petista também se posicionou contra a volta da cobrança de impostos dos combustíveis. Haddad acabou vencendo a disputa. Dos 68 deputados do partido, 38 são da CNB. O grupo, do qual Lula e a própria deputada paranaense fazem parte, é conhecido historicamente por ter posições mais moderadas em comparação com as correntes minoritárias de esquerda da sigla.

De acordo com deputados da legenda, as falas de Gleisi acabam sendo entendidas como posições do partido, embora muita vezes sejam minoritárias dentro da bancada. Em razão disso, a relação entre ela e seus colegas é considerada desgastada pelos parlamentares. O deputado Washington Quaquá (RJ), um dos vice-presidentes do PT e membro da CNB, diz que hoje estão alinhados com Gleisi na bancada apenas o ex-presidente do partido Rui Falcão (SP), Bohn Gass (RS), Pedro Uczai (SC) e Lindbergh Farias (RJ), que é namorado dela. Nenhum deles é da CNB.

— Causa desgaste. Não podemos ser um partido de oposição sendo governo — critica Quaquá. — Estão querendo repetir com o Lula o que foi feito com a Dilma (Rousseff), que é estreitar a base de apoio no Congresso. Querem uma política fiscal mais radical e que não tem passagem na Câmara.

Como mostrou O GLOBO ontem, nas duas votações mais relevantes para o Palácio do Planalto até o momento — a urgência do novo arcabouço fiscal e as mudanças no marco do saneamento, na qual Lula foi derrotado —, 118 deputados acompanharam o governo em ambas as ocasiões. O número representa 23% da Casa, patamar distante do necessário para aprovar projetos.

Líder da bancada, Zeca Dirceu (PR), também da CNB, tenta contornar as insatisfações e afirma respeitar as posições de Gleisi.

— Eu vejo a Gleisi na bancada sempre de uma forma especial e diferenciada. Ela é a única entre todos nós que não é só deputada. É presidente do partido também. Então, vejo com respeito e naturalidade algumas posições dela.

Integrantes da direção partidária que fazem parte da CNB dizem que Gleisi não tem participado, nos últimos meses, das reuniões da corrente que são realizadas sempre antes dos encontros da executiva e do diretório nacional, principais instâncias decisórias da sigla. A presidente do partido alega que os horários dos encontros a impedem de ir. Também se queixam do esforço feito por ela para que Paulo Teixeira, da Resistência Socialista, segunda maior força interna, fosse indicado por Lula para comandar o Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Quaquá diz esperar que Gleisi não deixe a corrente e “se ajuste na política”, mas afirma que, se ela optar por abandonar a CNB, “perde a governabilidade” para continuar no comando do PT.

O mandato da deputada à frente do partido, que se encerraria este ano, foi prorrogado até 2025.

— De jeito nenhum (existe possibilidade de sair da CNB). Só se alguém quiser sair comigo — afirma Gleisi, ironizando o correligionário. — Considero pouco a opinião do Quaquá.

Apesar de ter sido eleita duas vezes para presidir o PT com o apoio da CNB, Gleisi nunca foi uma militante orgânica da corrente. Ao fim do primeiro mandato à frente do partido, em 2019, lideranças da corrente articularam um movimento para que Haddad assumisse a presidência da legenda. Lula, porém, barrou a iniciativa e garantiu a reeleição da deputada paranaense.

Gleisi já reconheceu internamente que tem posições mais à esquerda nas pautas econômicas, mas seus aliados atribuem os relatos de desgaste com a bancada a intrigas partidárias. Relatam que ela chegou a dizer, num primeiro momento, que o arcabouço fiscal poderia inibir o crescimento econômico, mas depois que a proposta foi chancelada por Lula, passou a defendê-la. Afirmam ainda que foram os alertas da presidente do PT que fizeram com que o governo blindasse o Bolsa Família e a política de aumento do salário mínimo das restrições impostas em caso de descumprimento da regra.

Por fim, alegam que os últimos posicionamentos de Gleisi sobre o tema tinham o objetivo de evitar que o relator Cláudio Cajado (PP-BA) alterasse o projeto para incluir mais restrições. Aliados ainda relatam que a relação da presidente do PT com Haddad foi pacificada.

— Tenho uma boa relação com a bancada. Obviamente, posso ter divergências com alguns. Já tive com o Zeca (Dirceu) e com mais um ou dois deputados, mas não vejo uma relação desgastada. Ser amplo (na base) não quer dizer não ter posição política. Não tem crise. O PT está com muita coesão em torno do governo. Mas isso não impede a gente de fazer debate, inclusive para ajudar.

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