Oposição Caracas, governo pelicas
A ameaça contra João Pedro Stédile, o ataque contra a sede do PT na cidade de Jundiaí (SP) e os dois bonecos (simulando petistas) enforcados num viaduto servem de alerta que pode não haver muita distância entre “excluir da vida pública” e “excluir da vida
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O primeiro ponto a ressaltar é: o ocorrido no dia 15 de março não é uma surpresa.
Nos últimos dias, encontrei com várias pessoas que fizeram críticas em relação ao ato do dia 13 de março.
“A direita vai colocar mais gente”.”Devia ser noutra data”.
A pauta é confusa.”Falta direção” etc. etc. Tá bem.
Claro que a direita vai colocar mais gente: os principais meios de comunicação (inclusive televisões e rádios, concessões públicas) estão convocando abertamente o ato de 15 de março, com a pretensão de colocar mais de 100 mil pessoas em São Paulo e pelo menos 1 milhão em todo o Brasil.
Ademais, o lado de lá possui menos contradições do que o lado de cá. O que explica a harmonia das respectivas pautas.
Finalmente, ao menos neste momento, as direções da direita estão melhores do que as nossas.
Frente a tudo isto, não há como não concordar: se os partidos de esquerda, o governo e os movimentos sociais tivessem um Estado-Maior, talvez outra mobilização fosse possível.
Mas se tivéssemos um Estado-Maior, talvez não estivéssemos na situação que estamos, sem conseguir enfrentar adequadamente uma direita que aprendeu a combinar luta cultural, luta institucional e luta social, na linha de que “a luta faz a lei” (e o impeachment).
Como não dispomos de Estado-Maior, como parte de nossas “direções” parece estar entre abúlica e catatônica, a única atitude decente (a palavra é esta: decente) é estar junto de quem está com disposição de lutar aqui e agora, a começar pelas manifestações desta sexta-feira 13 de março.
Dia 16 de março haverá momento para balanço. Então, estou certo de que muitas coisas inteligentes serão ditas acerca da data, da pauta e de tudo o mais. Nessa hora, sugiro começar o balanço dizendo algo mais ou menos assim:
Aquele que sobreviver esse dia e chegar a velhice, a cada ano, na véspera desta festa, convidará os amigos e lhes dirá: “Amanhã é São Crispim”. E então, arregaçando as mangas, ao mostrar-lhes as cicatrizes, dirá: “Recebi estas feridas no dia de São Crispim.”
A vida do rei Henrique V, ato IV, cena III – Shakespearecontinua após o anúncio
Portanto, repetimos: o ocorrido dia 15 de março não é uma surpresa.
O segundo ponto a ressaltar é: o que está ocorrendo aqui não é um fenômeno brasileiro.
As características fundamentais do atual período internacional são: a) ainda estamos numa etapa de defensiva estratégia do socialismo; b) uma hegemonia capitalista como nunca antes na história; c) por isto mesmo, profunda crise do capitalismo; d) que por sua vez aguça uma disputa inter-capitalista que vai adquirindo contornos cada vez mais agressivos; e) o que ajuda a entender a reação defensiva expressa na formação de blocos regionais.
No caso do continente americano, há dois projetos de integração regional: o subordinado aos Estados Unidos e o autônomo, simbolizado respectivamente por Alca e Celac.
A principal base de apoio da Celac é a Unasul. E a principal base de apoio da Unasul está no tripé Argentina, Venezuela e Brasil. Três países que neste momento estão imersos em crises econômicas e políticas.
Há quem diga que esta tripla crise tem raízes numa conspiração organizada pelo Departamento de Estado dos EUA. Acontece que conspirações sempre existem e, portanto, elas sozinhas não podem explicar o que está ocorrendo.
“A” causa de fundo da tripla crise é o esgotamento da estratégia seguida, nestes três países, pelos chamados governos progressistas e de esquerda.
Há várias maneiras de explicar este esgotamento: a) limites do reformismo nos países de capitalismo dependente; b) limites do progressismo num só país; c) limites de quem busca fazer reformas sem mudar as estruturas econômico-sociais fundamentais; d) limites de quem tenta melhorar a vida do povo sem fazer reformas estruturais.
Qualquer que seja a maneira adotada para explicar o que está ocorrendo, é evidente que:
a) a crise internacional de 2007-2008 acelerou o esgotamento da estratégia. Algo que o Foro de São Paulo alertou desde o primeiro momento;
b) o Brasil tornou-se o “elo mais fraco da cadeia”, para espanto daqueles setores da esquerda brasileira que — do alto da sua soberba — criticavam a esquerda venezuelana e argentina, como se a conflitividade destes países fosse responsabilidade principal e exclusiva das forças progressistas.
O Brasil tornou-e o “elo mais fraco da cadeia” por diversos motivos:
a) melhoramos a vida das classes trabalhadoras, sem elevar de maneira correspondente seus níveis de politização e organização (diferente da Argentina e Venezuela);
b) mantivemos intacto o oligopólio da mídia (diferente da Argentina e Venezuela);
c) desde 2002 elegemos um presidente do PT e um Congresso onde as forças progressistas são minoritárias (diferente da Venezuela e, em menor escala, da Argentina);
e) a maior parte da esquerda brasileira é adepta de uma estratégia conciliatória (diferente da Argentina e da Venezuela). Conciliatória tanto com o grande capital (inclusive financeiro: por isto a política econômica levítica) quanto com a centro-direita (por isto o ministério com que iniciou este segundo mandato Dilma e por isto a relação cada vez mais subalterna que alguns exibem frente ao PMDB);
f) a maior parte da esquerda brasileira adotou uma estratégia principal ou exclusivamente institucional (diferente da Venezuela e incusive da Argentina, onde a hegemonia do progressismo não é socialista). O institucionalismo explica boa parte da postura recuada de setores do PT frente ao dia 13 de março, postura recuada que aliás contrasta com a postura subalterna de ministros frente aos atos do dia 15 de março.
Resumo da ópera: no Brasil temos um governo que enfrenta com luvas de pelicas uma oposição de direita que adota táticas cada vez mais parecidas com as da direita venezuelana.
O terceiro ponto a ressaltar diz respeito às razões pelas quais está predominando, na oposição de direita, uma tática venezuelana.
A situação brasileira é marcada por dois impasses estratégicos:
a) por um lado, há um impasse econômico de fundo, que só poderá ser resolvido adotando um de dois caminhos distintos: ou voltando a um desenvolvimentismo conservador de viés neoliberal, ou avançando em direção a um desenvolvimentismo democrático-popular;
b) por outro lado, há um impasse político de fundo: a institucionalidade não agrada à oposição de direita nem agrada a esquerda. À oposição de direita incomoda que as atuais regras do jogo permitiram (ou não impediram) ao PT vencer por quatro vezes a presidência da República. À esquerda incomoda que nestas quatro vezes não conseguimos maioria congressual, muito antes pelo contrário.
A esquerda tenta resolver o impasse político via participação popular, reforma política democratizante e Assembléia Constituinte.
A direita tenta resolver o impasse via repressão à participação popular, reforma política conservadora, judicialização da política e combinando formas de luta contra a presidência petista.
A combinação inclui: tentar nos derrotar eleitoralmente, praticar sabotagem a partir da oposição e do PIG, estimular a sabotagem a partir da oposição de direita, empurrar o governo a implementar o programa derrotado nas urnas e mobilização de massas.
É um erro caracterizar a mobilização de massas da direita como “republicana”, “legítima” e “pacífica”. A mobilização da direita não visa apenas manifestar descontentamento, nem visa apenas defender o impeachment. A mobilização da direita visa criminalizar o PT e o conjunto da esquerda: nas palavras de um general de pijamas que deveria estar na cadeia, trata-se de nos excluir da vida pública.
A ameaça contra João Pedro Stédile, o ataque contra a sede do PT na cidade de Jundiaí (SP) e os dois bonecos (simulando petistas) enforcados num viaduto servem de alerta que pode não haver muita distância entre “excluir da vida pública” e “excluir da vida”.
Como já foi dito por um líder da direita, trata-se de “acabar com a nossa raça”.
É neste contexto que deve ser interpretada a onda de violência policial-militar contra a juventude pobre e negra da periferia das grandes cidades: consciente ou inconscientemente, trata-se de um “esquenta”, de uma espécie de “treino de guerra”.
Noutras palavras, a direita mostrando qual é a sua versão para a famosa frase segundo a qual “a luta faz a lei”.
Frente a isto, quais os cenários postos?
a) se prevalecer a facção venezuelana da direita, teremos uma escalada de agressões, uma pressão pela renúncia e uma chantagem sobre os líderes do PMDB no congresso: em troca de um impeachment, ganhariam uma “absolvição premiada”;
b) a depender da nossa reação e da disputa existente na própria direita, a disputa será parcialmente canalizada para as eleições de 2016. E a depender dos resultados eleitorais, particularmente em capitais como São Paulo, a facção venezuelana pode voltar ao “plano A” acima descrito;
c) caso nossa reação nas ruas agora e nosso desempenho eleitoral em 2016 inviabilizem o “plano A” da facção venezuelana da direita, a disputa será canalizada para as eleições de 2018. Uma vitória da direita em 2018, entretanto, só será possível no quadro de uma mobilização político-social extremamente reacionária. O que significa dizer que a facção venezuelana continuará influente em caso de vitória eleitoral da direita;
d) o quarto cenário depende de derrotarmos a direita nas ruas e nas urnas, agora, em 2016 e em 2018. Neste cenário, vencemos as eleições 2018. Mas isto supõe que a esquerda brasileira mude de estratégia e de conduta.
Portanto, o predomínio na oposição de direita de uma tática venezuelana decorre dos impasses estratégicos em que o Brasil está posto e das decorrências táticas derivadas. Assim como 1954 e 1964 não foram por acaso, o que está ocorrendo agora também não é por acaso.
Frente a isto, o que fazer?
1) Fogo contra fogo: a direita controla parte importante do judiciário, do Congresso e mesmo do governo. Se também controlar as ruas, game over. Por isto, é fundamental ampliar a mobilização, seja no dia 1 de abril, seja no dia 21 de abril, seja no dia 1 de maio;
2) Mudar a linha do governo: é possível derrotar a direita com a ajuda do governo e até mesmo sem a ajuda do governo. Mas é impossível derrotar a direita se o governo trabalha contra isto. E a verdade é que a linha adotada pelo governo, tanto na economia quanto na política, divide a esquerda e alimenta a direita. É preciso recuar das MPs, propor que os ricos paguem o ajuste, incluir no ministério gente disposta e que saiba enfrentar a direita e dar protagonismo à presidenta da República;
3) Criar um centro político: o PT deve procurar as forças que elegeram Dilma no segundo turno presidencial e que defendem as reformas estruturais, propondo a elas que se constitua um frente nacional em defesa da democracia e das reformas. Uma frente deste tipo tem um papel defensivo, mas também ofensivo: lutar pelas reformas estruturais. E é no âmbito desta frente que precisa ser resolvida nosso déficit comunicacional, o que inclui sair da defensiva no debate da corrupção;
4) Fazer a boa e velha luta de classes: recuperar o apoio ativo da maioria da classe trabalhadora, ganhar para nosso lado parte dos setores médios que hoje estão na oposição e dividir o grande capital. Nosso inimigo principal é a “fração venezuelana” (golpista) da direita, o oligopólio da mídia e o capital financeiro;
5) Mudar a estratégia: melhorar a vida do povo através da combinação entre políticas públicas e reformas estruturais. Política de alianças estratégica com a esquerda política e social, com as forças democrático-populares. Combinar luta institucional, social e cultural. Abandonar a conciliação.
Num resumo: usar outro tipo de luvas.
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