Operação Lama Jato
"Há muito mais lama no setor da mineração do que supõe a nossa vã democracia. A prisão dos cinco engenheiros, embora efetuada sob a égide da Lava Jato – primeiro prende, depois pergunta – poderá revelar um submundo habitado por delinquentes e mafiosos de vários tipos", diz Alex Solnik, do Jornalistas pela Democracia; "Antes que haja mais mortes – seja em razão de rompimento de barragens ou de corrupção - é necessária uma Operação Lama Jato"
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Por Alex Solnik, colunista do 247 e membro do Jornalistas pela Democracia
Há muito mais lama no setor da mineração do que supõe a nossa vã democracia. A prisão dos cinco engenheiros realizada ontem, embora efetuada sob a égide da Lava Jato – primeiro prende, depois pergunta – poderá revelar um submundo habitado por delinquentes e mafiosos de vários tipos. E onde as vidas valem pouca coisa. O setor mexe com ouro, com pedras preciosos, com minérios raros. É o lugar perfeito para quem tem ambição de enriquecer e coragem de fazer o que poucos são capazes. É onde os fracos não têm vez, como no filme dos irmãos Cohen.
Em 2013, conheci um ex-senador boliviano chamado Andres Guzman. Simpático, elegante, uns 45 anos. Trabalhava na sala ao lado da de Olacyr Moraes, que já não era mais o "rei da soja", mas tentava virar o "rei do tântalo".
Tântalo é um minério raro empregado na indústria aeronáutica. Guzman, que se apresentava como sócio de Olacyr tinha duas tarefas naquele momento: 1) obter o licenciamento para a exploração da imensa jazida no Sul da Bahia e 2) negociar sociedade com empresários russos.
Como eu escrevia para a Gazeta Russa, ele me procurou, por meio do cônsul russo em São Paulo, para falar a respeito de sua intenção de se associar aos russos no empreendimento avaliado em bilhões de dólares.
No fim de 2013, Guzman e Olacyr, acompanhados de suas respectivas, viajaram à Rússia para se encontrarem com futuros sócios. Foi uma viagem muito proveitosa, contou-me Guzman ao voltar, quando mostrou os programas que fizeram na capital russa em restaurantes, teatros, óperas, passeios.
Guzman e Olacyr eram muito próximos. Conheciam-se há dez anos. Com a ajuda do boliviano, Olacyr comprara uma mina naquele país. E nunca mais se largaram. Quando Guzman se tornou "persona non grata" na Bolívia, por desavenças com o presidente Evo Morales, seu opositor, mudou-se para o Brasil e para o escritório de Olacyr.
"É meu irmão mais velho" dizia Guzman a respeito do "sócio", trinta anos a mais que ele. Não economizava em elogios e mesuras. "Ele é tudo o que eu queria ser" disse várias vezes. "Estou fazendo que posso para ajudá-lo a ser de novo o grande Olacyr que sempre foi".
Daí – dessa ideia de resgatar o "rei da soja" – surgiu o convite de escrever uma biografia autorizada de Olacyr. A essa altura, Guzman já se tornara mais que meu conhecido. Era quase amigo. Contava com desembaraço cenas da intimidade do "sócio", cuja casa frequentava, me apresentou a mulher, saímos juntos, com outros amigos do casal, para jantar em restaurante cinco estrelas do Itaim Bibi.
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Nos vários encontros que tivemos para discutir detalhes da biografia – que, segundo ele, já estava aprovada por Olacyr – ele contava, em off, que as conversas com os russos avançavam bem, o problema é que não conseguia licenciar a futura galinha dos ovos de ouro. "Tem muita gente para molhar a mão" se queixava ele, embora jamais tivesse desaprovado o procedimento. Considerava natural que assim fosse. O diabo é que "tinha muita gente" e se gastava muito.
Como nossas conversas não eram entre fonte e repórter, mas entre amigos, jamais me interessei em saber de quem ele tinha que molhar a mão. Meu foco era o livro. Havia uma proposta na mesa da Editora Record. O editor Carlos Andreazza me enviou um e-mail oferecendo um adiantamento e um modelo de contrato para Olacyr assinar.
Para encurtar a história, o livro gorou e eu me afastei do boliviano em março de 2014. Só voltei a ter notícias dele quando os sites do dia 4 de abril davam de manchete "Ex-senador boliviano é assassinado em São Paulo".
A cena do crime foi flagrada por policiais de uma viatura que passava pela avenida Morumbi. Viram um homem com um revólver e uma maleta saltar de um automóvel que abraçara um poste. Na delegacia do Morumbi, Miguel Garcia Ferreira contou que era empregado de Olacyr Moraes há mais de 30 anos.
Naquela manhã, segundo ele, o boliviano, que estava morto no automóvel acidentado, fora a Olacyr extorquir R$400 mil, o que fazia frequentemente, aproveitando-se da fragilidade do empresário, que andava fraco e doente. Olacyr resistiu à chantagem, mas acabou cedendo e instruiu o empregado a acompanhar o boliviano para tentar recuperar a bufunfa.
Assim, o empregado de Olacyr – motorista? Segurança? - pediu carona ao boliviano, que concordou, sem desconfiar de nada. No primeiro semáforo, exigiu que o outro lhe entregasse a maleta. Guzman recusou e foi imediatamente alvejado com três tiros.
O assassinato foi abafado. Tentei entrevistar a viúva de Guzman, a quem contatei pelo número do celular do ex-marido. Ela respondeu que perguntaria a Olacyr se deveria. E nunca mais retornou.
Se essa investigação for retomada, talvez se descubra que os R$400 mil se destinavam a molhar as muitas mãos que deveriam autorizar o licenciamento da mina, segundo alegava o boliviano, do qual Olacyr já desconfiava: não era a primeira maleta que ele fornecia, sem obter a contrapartida.
Antes que haja mais mortes – seja em razão de rompimento de barragens ou de corrupção - é necessária uma Operação Lama Jato.
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