Onze pistas falsas sobre o clima

"Contestação de lugares-comuns que dificultam o combate à mudança climática", escreve Michael Löwy

Brasil, China, Índia e África discutem o clima
Brasil, China, Índia e África discutem o clima


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Por Micheal Löwy 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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Encontramos um grande número de lugares-comuns nos vários discursos sobre o clima, repetidos mil vezes em todos os matizes, que constituem pistas falsas, que levam, voluntariamente ou não, a ignorar as verdadeiras questões, ou a acreditar em pseudossoluções. Não me refiro aqui aos discursos negacionistas, mas àqueles que se dizem “verdes” ou “sustentáveis”. Estas são afirmações de natureza muito diversa: algumas são verdadeiras manipulações, fake news, mentiras, mistificações; outras são meias-verdades, ou um quarto de verdade. Muitas estão cheias de boa vontade e de boas intenções – e, como sabemos, delas o inferno está cheio. É neste caminho que estamos: se continuarmos com o business as usual – mesmo que pintado de verde – dentro de algumas décadas, nos encontraremos numa situação muito pior do que a maioria dos círculos do inferno descritos por Dante Alighieri na sua Divina Comédia. Os onze exemplos seguintes são apenas alguns desses lugares-comuns a evitar.

O planeta tem que ser salvo

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Isto está por todo lado: em cartazes, na imprensa, em revistas, em declarações de líderes políticos, etc. Na verdade, é um disparate: o planeta Terra não está em perigo! Qualquer que seja o clima, ele continuará girando tranquilamente ao redor do sol durante os próximos milhões de anos. O que está ameaçado pelo aquecimento global são as múltiplas formas de vida neste planeta, incluindo a nossa: a espécie Homo Sapiens.

“Salvar o planeta” dá a falsa impressão de que se trata de algo externo a nós, que se encontra em algum lugar, e que não nos diz respeito diretamente. Não pedimos às pessoas que se preocupem com suas vidas, ou com a vida de seus filhos, mas sim com uma vaga abstração, “o planeta”. Não é surpresa que as pessoas menos politizadas reajam dizendo: eu estou muito ocupado com meus próprios problemas para me preocupar com “o planeta”.

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Façamos algo para salvar o planeta

Este lugar-comum, infinitamente saturado, é uma variante da fórmula anterior. Ele contém uma meia-verdade: todos devem contribuir pessoalmente para evitar a catástrofe. Mas transmite a ilusão de que é suficiente acumular “pequenos gestos” – desligar as luzes, fechar a torneira, etc. – para evitar o pior. Assim, conscientemente ou não, descartamos a necessidade de mudanças estruturais profundas no modo de produção e consumo atual; mudanças que colocam em questão os próprios fundamentos do sistema capitalista, que se baseia num único critério: a maximização do lucro.

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O urso polar está em perigo

É uma imagem que está por todo lado, repetida à saciedade: um pobre urso polar que tenta sobreviver no meio de icebergs à deriva. Certamente, a vida do urso polar – e de muitas outras espécies nas regiões polares – está ameaçada. Esta imagem pode suscitar a compaixão de algumas almas generosas, mas, para a maioria da população, é um assunto que não lhes diz respeito.

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Pois bem, o derretimento das calotas polares é uma ameaça não apenas para o bravo urso polar, mas, a longo prazo, para metade, se não mais, da humanidade que vive em grandes cidades à beira-mar. O derretimento das enormes geleiras na Groenlândia e na Antártica pode elevar o nível do mar em algumas dezenas de metros. Mas são necessários apenas alguns metros para que cidades como Veneza, Amsterdã, Londres, Nova Iorque, Rio de Janeiro, Xangai e Hong Kong fiquem submersas. Claro que isto não acontecerá no ano que vem, mas os cientistas podem observar que o derretimento destas geleiras está acelerando… É impossível prever a rapidez com que isso ocorrerá, pois muitos fatores são difíceis de calcular neste momento.

Ao enfatizarmos unicamente o pobre urso polar, ocultamos o fato de que se trata de um caso aterrador que diz respeito a todos nós…

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Bangladesh corre o risco de sofrer muito com as mudanças climáticas

Trata-se de uma meia-verdade, cheia de boa vontade: o aquecimento global afetará principalmente os países pobres do Sul, que são os menos responsáveis pelas emissões de CO2. É verdade que estes países serão os mais atingidos por catástrofes climáticas, furacões, seca, redução de fontes de água, etc. Mas é falso que os países do Norte não serão afetados, em grande medida, por estes mesmos perigos: não assistimos a terríveis incêndios florestais nos EUA, Canadá, Austrália? As ondas de calor não causaram numerosas vítimas na Europa? Poderíamos multiplicar os exemplos.

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Se mantivermos a impressão de que estas ameaças só dizem respeito aos povos do Sul, conseguiremos mobilizar apenas uma minoria de internacionalistas convictos. Contudo, mais cedo ou mais tarde, é o conjunto da humanidade que será confrontado com catástrofes sem precedentes. É necessário explicar aos povos do Norte que esta ameaça também pesa sobre eles, bem diretamente.

Até o ano 2100 a temperatura poderá subir até 3,5 graus (acima do período pré-industrial)

Esta é uma afirmação que é encontrada lamentavelmente em muitos documentos sérios. Isto me parece ser um duplo erro.

Do ponto de vista científico, sabemos que as mudanças climáticas não são um processo linear: podem sofrer “saltos” e acelerações súbitas. Muitas dimensões do aquecimento se retroalimentam, e as consequências disto são imprevisíveis. Por exemplo: os incêndios florestais emitem enormes quantidades de CO2, que contribuem para o aquecimento, intensificando, assim, os incêndios florestais. Assim, é muito difícil prever o que acontecerá dentro de quatro ou cinco anos, então como é possível prever o que ocorrerá daqui a um século?

De um ponto de vista político: até o final do século, nós todos estaremos mortos, assim como nossos filhos e netos. Como podemos mobilizar a atenção e o engajamento das pessoas por um futuro que não lhes diz respeito, nem de perto nem de longe? Então devemos preocupar-nos com as gerações futuras? Um pensamento nobre, longamente defendido pelo filósofo Hans Jonas: nosso dever moral para com aqueles que ainda não nasceram. Uma pequena minoria de pessoas muito respeitáveis poderia ser tocada por este argumento. Para o comum dos mortais, o que acontecerá em 2100 não é uma questão de grande interesse.

Em 2050 atingiremos a neutralidade de carbono

Esta promessa da União Europeia e de vários governos na Europa e em outros lugares não corresponde a uma meia-verdade, nem a uma ingênua boa vontade: é pura e simples mistificação. Por duas razões.

Em vez de comprometerem-se agora, imediatamente, com as mudanças urgentes exigidas pela comunidade científica (o IPCC) para os próximos 3 a 4 anos, nossos governantes prometem maravilhas para 2050. Isto é obviamente demasiado tarde. Além disso, como os governos mudam a cada 4 ou 5 anos, que garantia há para estes compromissos fictícios em 30 anos? É uma forma grotesca de justificar a presente inação com uma vaga promessa vinda de longe.

Além disso, a “neutralidade de carbono” não significa uma redução drástica das emissões, bem ao contrário! É um cálculo enganador baseado em offsets, em “mecanismos de compensação”: a empresa XY continua emitindo CO2, mas planta uma floresta na Indonésia, que supostamente absorverá o equivalente a este CO2 – se ela não se incendiar. As ONGs ambientalistas já denunciaram suficientemente a farsa dos offsets, não vou insistir. Mas isto mostra a perfeita mistificação contida na promessa de “neutralidade de carbono”.

Nosso banco (ou companhia petrolífera, etc.) financia as energias renováveis e participa assim na transição ecológica

Este lugar-comum do green-washing [maquiagem verde] também faz parte da enganação e manipulação. É claro que os bancos e as multinacionais também investem em energias renováveis, mas estudos precisos da ATTAC e de outras ONGs mostraram que se trata de uma pequena – por vezes minúscula – parte de suas operações financeiras: o grosso continua indo para o petróleo, carvão, gás… É uma simples questão de rentabilidade e de competição por frações de mercado.

Todos os governos “razoáveis” – ao contrário de Donald Trump, Jair Bolsonaro e cia. – juram também, em todos os matizes, que estão empenhados na transição ecológica e nas energias renováveis. Mas assim que há um problema com o fornecimento de um combustível fóssil – recentemente o gás –, devido à agressiva política russa – refugiam-se no carvão, reativando centrais elétricas a carvão mineral, ou imploram à (sangrenta) família real da Arábia Saudita para aumentarem a produção de petróleo.

Toda o belo discurso sobre a “transição ecológica” oculta uma verdade desagradável: não é suficiente desenvolver energias renováveis. Antes de tudo, as energias renováveis são intermitentes: o sol nem sempre brilha no Norte da Europa… É verdade que foram feitos progressos técnicos nesta área, mas eles não podem resolver tudo. E, sobretudo, as energias renováveis requerem recursos minerais que correm o risco de se esgotarem. Se o vento e o sol são ilimitados, não é este, de modo algum, o caso para os materiais necessários para sua utilização (lítio, terras raras, etc.). Será portanto necessário considerar uma redução do consumo global de energia, e uma diminuição seletiva: medidas que são inimagináveis no quadro do capitalismo.

Graças às técnicas de captura e sequestro de carbono evitaremos a catástrofe climática

Este é um argumento cada vez mais utilizado pelos governos, e que encontramos até mesmo em alguns documentos sérios (por exemplo, do IPCC). É a ilusão de uma solução tecnológica milagrosa, que salvaria o clima, sem a necessidade de nada mudar em nosso modo de produção (capitalista) e em nosso modo de vida.

Lamentavelmente, a triste verdade é que estas técnicas miraculosas de captura e sequestro de carbono atmosférico estão longe de ser uma realidade. É certo que foram feitas algumas tentativas, e que alguns projetos estejam em curso aqui e ali, mas no momento não se pode dizer que esta tecnologia seja eficaz e operacional. Ela ainda não resolveu as dificuldades de captura ou de sequestro (em regiões subterrâneas impermeáveis às fugas). E não há qualquer garantia de que poderá fazê-lo no futuro.

Graças ao automóvel elétrico, reduziremos substancialmente as emissões de gases de efeito estufa

Este é outro exemplo de meia-verdade: é certo que os automóveis elétricos são menos poluentes do que os automóveis a combustão (a gasolina ou diesel), e, portanto, menos prejudiciais para a saúde da população urbana. No entanto, do ponto de vista das mudanças climáticas, seu balanço é muito mais mitigado. Eles emitem menos CO2, mas contribuem para uma situação desastrosa “tudo a eletricidade”. Contudo, na maioria dos países, a eletricidade é produzida com… combustíveis fósseis (carvão ou petróleo). A redução das emissões dos automóveis elétricos é “compensada” pelo aumento das emissões resultantes do maior consumo de eletricidade. Na França, a eletricidade é produzida por energia nuclear, outro impasse. No Brasil, são as megabarragens destruidoras de florestas, e, por conseguinte, responsáveis por um balanço de carbono pouco reluzente.

Se quisermos reduzir drasticamente as emissões, não podemos evitar uma redução significativa da circulação de automóveis privados, por meio da promoção de meios de transporte alternativos: transportes públicos gratuitos, áreas de pedestres, ciclovias. O automóvel elétrico mantém a ilusão de que podemos continuar como antes, mudando de tecnologia.

É através de mecanismos de mercado, como os impostos sobre o carbono ou os mercados de direitos de emissão, ou ainda aumentando o preço dos combustíveis fósseis, que conseguiremos reduzir as emissões de CO2.

Para os ecologistas sinceros, isto é uma ilusão; na boca dos governantes, é ainda uma mistificação. Os mecanismos de mercado têm demonstrado por todo lado sua perfeita ineficiência na redução dos gases de efeito estufa. Não são apenas medidas antissociais, que buscam fazer as classes populares pagar o preço da “transição ecológica”, são incapazes, sobretudo, de contribuir substancialmente para a limitação das emissões. O fracasso espetacular dos “mercados de carbono” instituídos pelos acordos de Kyoto é a melhor demonstração disso.

Não é com medidas “indiretas”, “incentivadoras”, baseadas na lógica do mercado capitalista que conseguiremos por um freio no poder absoluto dos combustíveis fósseis, que mantêm o sistema funcionando há dois séculos. Para começar, será necessário expropriar os monopólios capitalistas de energia, criar um serviço público de energia, que terá como objetivo a redução drástica da exploração dos combustíveis fósseis.

As mudanças climáticas são inevitáveis, só podemos adaptar-nos

Este tipo de afirmação fatalista pode ser encontrada nos meios de comunicação e entre os políticos “responsáveis”. Por exemplo, Christophe Bechu, ministro da transição ecológica do novo governo Macron, declarou recentemente: “Já que não podemos evitar o aquecimento global, quaisquer que sejam os nossos esforços, temos que conseguir limitar seus efeitos enquanto nos adaptamos a ele”.

Esta é uma excelente receita para justificar a inação, o imobilismo e o abandono de qualquer “esforço” para tentar evitar o pior. Contudo, os cientistas do IPCC explicaram bem que, embora o aquecimento já tenha de fato começado, ainda é possível evitar ultrapassar a linha vermelha de 1,5 graus – desde que comecemos imediatamente a reduzir de modo significativo as emissões de CO2.

Certamente, temos que tentar adaptar-nos. Mas se as mudanças climáticas se tornarem incontroláveis e acelerarem, a “adaptação” é apenas um engodo. Como “adaptar-se” a temperaturas de 50°C?

Poderíamos multiplicar os exemplos. Todos levam à conclusão de que, se quisermos evitar as mudanças climáticas, devemos mudar o sistema, ou seja, o capitalismo, e substituí-lo por outra forma de produção e consumo. Isto é o que chamamos “ecossocialismo”.

(Tradução: Fernando Lima das Neves.)

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