Obscurantismo e estupidez
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“Estou emocionado porque hoje de manhã, ela [Carol Proner] saiu do hotel, atravessou a avenida e foi comprar essa gravata. Isso me emociona”. (Chico Buarque de Hollanda)
Implantada em 1933, a ditadura salazarista portuguesa foi a mais longa, da tenebrosa era repressiva fascista europeia do século XX, terminando apenas em 25 de abril de 1974, com a Revolução dos Cravos. O lema do sanguinário ditador português era “Deus, pátria e família”, o mesmo adotado intencionalmente pelo neofascismo brasileiro, comandado pela figura funesta do capitão do exército Jair Bolsonaro. Lema no qual o macho-homem é o senhor da vida e da morte, cabendo à mulher o papel submisso e subalterno dos cuidados do lar.
Em novembro de 2021, no congresso da sigla portuguesa de ultradireita Chega, o seu líder partidário André Ventura repetiu calorosamente o lema salazarista, indicando de forma explícita seu teor xenófobo e racista, chamando de bandidos, inclusive aos brasileiros e brasileiras que lá habitam, a todos aqueles que não sejam portugueses de nascença. Ao escolher o lema do ditador português, Bolsonaro reafirma essa crença violenta, xenófoba, misógina e racista, que caracteriza sua trajetória política autoritária e de seus seguidores.Hoje, 25, o partido Chega promoveu um repulsivo espetáculo no Parlamento português, com seus 12 deputados, batendo ofensivamente com força nas mesas, ao receber o Chefe de Estado Brasileiro, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pela primeira vez um chefe de Estado estrangeiro discursou na assembleia plenária do Congresso, na data em que Portugal celebra sua revolução democrática e libertadora do fascismo. Acompanhado pelo presidente português, Marcelo Rebelo, e pelo presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, Lula afirmou que o 25 de Abril foi um salto para o futuro, com as forças democráticas conseguindo restabelecer o desenvolvimento econômico com a justiça social, sendo calorosamente aplaudido pelos 218 deputados ali presentes, todos com cravos nas mãos.
Na noite anterior, 24, no Palácio Nacional de Queluz, em Sintra, num momento de singela luminosidade do espírito humano, o escritor, cantor e compositor brasileiro, Chico Buarque de Hollanda, recebeu o maior prêmio da língua Portuguesa, o Prêmio Camões. Depois de quatro anos de espera, em virtude de o néscio Bolsonaro haver-se recusado a assinar o diploma conferido ao gênio da cultura brasileira. Mas o final da longa espera foi celebrada na noite ontem com a refinada elegância intelectual própria do agraciado, expressa em seu discurso.
Chico começou demarcando seu pensamento em torno da importância da figura do seu Pai na formação da sua experiência humana. Um pai presente, complacente e exigente, que lhe indicou caminhos para sua caminhada pelo conhecimento, para quem ele nutria não apenas admiração, como confiança. Um pai que lhe propiciou ir além de si mesmo, transcender, para perceber e sentir em sua pele a existência de outros, abrindo-lhe o portal do sentir e do pensar político. Entretanto é importante compreender, nesse discurso, a escolha da figura paterna, por parte de Chico, como gênio literário que é, para além de sua trajetória pessoal. Há que pensar no pai como fonte originária da qual se procede. No caso brasileiro, uma de nossas procedências é a portuguesa, com a qual Chico dialogava de forma respeitosa e brilhante naquele tempo-lugar, a partir do seu estar no mundo. Pai e Filho em diálogos dinâmicos e respeitosos.
Essa sensibilidade humana e política permitiu-lhe um refinado senso autocrítico capaz de perceber-se como portador em suas veias abertas, simultaneamente, do sangue do açoitado e do açoitador. Somente dessa compreensão fundamental de si como sujeito dual, individual e coletivo, é possível realizar a catarse transplantadoras das dores e das injustiças estruturais de nossa história, para pensar e construir novos mundos reparadores, que estejam muito além das Inquisições. Tal denúncia foi feita por muitos nobres escritores, como João Cabral de Melo Neto, o grande poeta pernambucano, o primeiro brasileiro a receber o Prêmio Camões.
Inquisição que não findou, mas que ganhou roupa nova, por exemplo, pela ação do neofascismo brasileiro, durante os últimos quatro anos, num tempo “que parecia andar pra trás”. Por isso Chico afirmou receber esse prêmio “menos como honraria pessoal e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo”.
Somos o país de Pelé e Chico Buarque de Hollanda. Obrigado, Chico!
PS: Hoje também ganhei de presente uma gravata novinha de minha esposa.
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