Obesos X famintos: o paradoxo do século

Muito antes de salvar da fome parte da humanidade, a sociedade tem agora, ironicamente, que se preocupar também com o outro lado da moeda: o excesso de peso e suas enfermidades, a obesidade e o grave risco que ela representa para a vida humana



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A primeira década do século XXI descortina uma das mais gritantes dicotomias da história da humanidade: num mundo dividido pela boca, o número de obesos se aproxima celeremente da quantidade de pessoas desnutridas. Enquanto milhões morrem de fome pela miséria, guerras e abandono das autoridades, outros milhões morrem por comer demais e desconhecer a necessidade de hábitos saudáveis.

É impressionante olhar de frente esta realidade. Aproximadamente 2,3 bilhões de adultos - mais de 30% do total dos sete bilhões da população mundial- estarão, em 2015, com problemas de excesso de peso, segundo as previsões da OMS. Deste total, 700 milhões são de obesos.

Um relatório das Nações Unidas revela que o mundo reduziu os índices de desnutrição - com avanços desiguais em diferentes regiões - mas que, apesar da melhora, 842 milhões de pessoas, ou uma em cada oito no mundo, ainda passam fome.

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O Brasil e mais 37 países já atingiram as chamadas Metas de Desenvolvimento do Milênio – entre as quais está diminuir pela metade, até 2015, o número de pessoas que passam fome em relação aos níveis de 1990. A porcentagem de 15% de brasileiros que passavam fome em 1990 caiu para 6,9%, em 2013, o que representa uma redução de 54%.

Os anos passam e não teremos de nos preocupar apenas com o que sempre nos entristeceu, a fome no mundo, as crianças em pele e osso de campos de refugiados somalis, etíopes, um roteiro de dor e tristeza que se repete pelos continentes africano e asiático, muitas vezes retratado por Sebastião Salgado, um dos grandes nomes da fotografia nacional.

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Muito antes de salvar da fome parte da humanidade, a sociedade tem agora, ironicamente, que se preocupar também com o outro lado da moeda: o excesso de peso e suas enfermidades, a obesidade e o grave risco que ela representa para a vida humana. Será este desafio menos pior que o da fome? não creio.

O Brasil não escapa a essa epidemia: de acordo com tese de mestrado da nutricionista belga Ann Hellemans, radicada no Brasil, “Obesidade: o desafio do mundo moderno”. Aqui, mais de 65 milhões de pessoas, 40% da população, encontram-se em excesso de peso, das quais 10 milhões são consideradas obesas.

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Agora, encaremos o pior da história. O número de óbitos esperados, resultando do excesso de peso e obesidade, foi estimado em 280 mil por ano, em um estudo de 1999, e em 300 mil mortes por ano em pesquisa de 2013 do instituto americano West Virginia Health Statistic Center.

Embora não existam estimativas globais dos custos econômicos da obesidade e do excesso de peso, o custo acumulado de todas as doenças não transmissíveis – para as quais sobrepeso e obesidade são os principais fatores de risco – foi estimado em U$1,4 trilhão em 2010, segundo dados da FAO.

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Do total de pessoas que hoje sofrem com excesso de peso, mais de 1,5 bilhão delas sofrem de pressão alta e mais de 230 milhões tem diabetes do tipo II. A obesidade também aumenta o risco de incidência de alguns tipos de câncer, como mama, intestino, estômago e próstata. Nas meninas, predispõe ao desenvolvimento da puberdade precoce.

O que mais me impressionou na tese de Hellemans, no entanto, foi a veemência com a qual trata da questão: para ela a obesidade não é somente uma condição associada a determinadas doenças ou que podem facilitar o desenvolvimento delas. Não. A obesidade, além de ser uma doença, é uma enfermidade que mata.

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Ann não está sozinha neste ponto de vista. Julie Gerberding, diretora do Center for Disease Control and Prevention, o Instituto Nacional de Saude Pública dos EUA acredita que “ o impacto na saúde pública da obesidade é mais grave do que a epidemia de gripe do século XX ou até mesmo do que a peste negra da Idade Média.

A fatura do custo da obesidade é alta. Enquanto nos EUA, em 1999, a Associação Norte Americana para o Estudo da Obesidade calculou o custo médio direto da doença (consultas, tratamentos, e operações) em R$ 51 bilhões ao ano, além de outros R$ 49 bilhões relacionados à perda de produtividade de obesos; no Brasil estima-se em R$488 milhões o investimento do SUS para intervenções hospitalares, atendimentos ambulatoriais e tratamentos de média e alta complexidade.

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Antes considerados problemas de países ricos, o sobrepeso e a obesidade estão em alta nas nações de baixa e média rendas, em especial nas áreas urbanas, conforme estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A verdade é que os casos de obesidade, no mundo todo, já são responsáveis por mais mortes do que a desnutrição.

No Brasil a situação é alarmante e exige do governo políticas públicas definidas no sentido de prevenir o aumento do problema. Dados do IBGE de 2010 indicam que mais da metade (51%) dos homens brasileiros adultos estava acima do peso, e que 48% das mulheres se encontrava na mesma situação. Além disso, o  excesso de peso e a obesidade foram constatadas com grande frequência, a partir de 5 anos de idade, em todos os grupos de renda e em todas as regiões brasileiras.

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Muito Além do Peso, um documentário sobre obesidade infantil dirigido por Estela Renner, revela que já há no Brasil uma geração de crianças condenadas a morrer cedo ou ter problemas de saúde em função de maus hábitos alimentares.

O filme mostra que 56% dos bebês brasileiros com menos de um ano de idade tomam refrigerantes; um terço das crianças brasileiras está acima do peso ou obesa: 33% têm obesidade, sendo que quatro de cada cinco delas deverão manter-se nessa condição até o fim da vida.

Além de políticas públicas em torno da questão é necessário que a sociedade cobre do Congresso Nacional a aprovação de uma legislação que garanta uma alimentação saudável nas cantinas das escolas, longe dos refrigerantes, doces e alimentos altamente calóricos.

Sobremesas lácteas gordurosas, biscoitos “integrais” com muito sódio e gordura, sucos à base de soja e néctares de fruta de caixinha com excesso de açúcar podem parecer nutritivos pela embalagem, enganando o consumidor. Por isso, é necessário que nos organizemos também  para cobrar mudanças no rótulo dos alimentos, com alerta obrigatória sobre os ingredientes não saudáveis presentes na composição de cada produto.

A obesidade envolve questões biológicas, econômicas, sociais, políticas e culturais. Mas a principal causa costuma ser o desequilíbrio entre o consumo de alimentos e o gasto de calorias.

Sabe-se que, felizmente,  a genética contribui com menos de 10% dos casos. Outros fatores como comportamento alimentar e prática da atividade física possuem maior influência sobre o excesso de gordura corporal. Então a solução está nas mãos de cada um.

Se este é o caso de alguém de sua família ou círculo de amigos, não faça destas pessoas motivo de brincadeiras. Comprometa-se em participar para a diminuição desta epidemia que toma conta do mundo. É essencial que apóie estas pessoas na busca de ajuda médica o mais rápido possível. Saídas existem mas devem ser buscadas. 

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