O tortuoso caminho da política
O social-desenvolvimentismo ainda não encontrou a sua expressão política e institucional. Por isso, é obrigado a fazer concessões significativas e a formar amplas coalizões
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A Avenida Nevsky, de São Petersburgo, é larga, lisa e absolutamente retilínea. Trata-se de um caminho fácil e agradável de percorrer.
O caminho da política, no entanto, dista muito de ser assim. Ele é frequentemente tortuoso, cheio de obstáculos, difícil e até desagradável. Por isso, Nikolai Chernishevski, o socialista russo que tanto influenciou Lênin, dizia que: “A ação política não se parece em nada com a calçada da avenida Nevsky!”.
Tampouco se parece com a retilínea, ordenada e ampla Esplanada dos Ministérios, saída de uma prancheta modernista e cartesiana. Parece mais um conjunto desordenado de vielas, dessas que dão voltas surpreendentes e aparentemente ilógicas para chegar a algum destino.
Mas há pessoas que não concordam. Acham que qualquer desvio de uma trajetória linear e cartesiana é uma capitulação inaceitável, uma traição a compromissos e princípios.
Essas pessoas se manifestaram recentemente, após o anúncio de novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Muitas se declararam decepcionadas. Outras disseram que tal nomeação contrariava o compromisso fundamental da campanha, qual seja, o de não promover um ajuste ortodoxo que levasse o país à recessão, corroendo empregos e salários. Alguns chegaram a afirmar que, com tal nomeação, o governo Dilma se tornaria igual ao que seria um governo Aécio.
Trata-se de uma análise precipitada e simplista.
Precipitada porque se deduz toda a política governamental e suas consequências a partir de uma simples nomeação. Evidentemente, o sentido e o caráter de um governo são consequências de uma ampla série de medidas, concertada por um grande número de ministérios e órgãos, sob a batuta do chefe de Estado. Assim, por mais importante que seja um determinado ministro, ele não é o governo. Em última instância, quem decide tudo é o supremo mandatário, com base em seus compromissos e visão política e levando em consideração um sem número de fatores, inclusive a correlação de forças presentes na sociedade.
E simplista porque tal análise não leva em consideração as delicadas e complexas conjunturas internacional e nacional. Tampouco leva em consideração a diferença entre estratégia e tática, algo que líderes como Lênin achavam imperdoável.
No que tange à conjuntura nacional, é preciso levar em conta que o segundo governo Dilma terá de enfrentar uma oposição irresponsável, neoudenista e sem nenhum compromisso efetivo com a democracia, ancorada no Congresso mais conservador desde 1964, segundo o Diap. São forças políticas desesperadas que não se acanham em apostar na ingovernabilidade e no golpismo. FHC e Aécio vivem dando declarações destinadas a deslegitimar a vitória da presidenta. Não reconhecem a derrota, se recusam a descer do palanque e parecem empenhados em transformar o Brasil numa grande Venezuela. Não são democratas. Não são sequer civilizados. A recente confusão na votação da flexibilização do superávit primário revela a verdadeira face, com tintas neonazistas, de uma oposição autoritária e selvagem.
Em relação à conjuntura internacional, a situação também é muito difícil. A crise iniciada em 2008 tornou-se crônica, e ameaça se acirrar, em 2015, especialmente na Europa. Associada à crise, cresce a disputa geopolítica entre países. Disputa destinada a exportar os efeitos da crise, a conquistar mercados externos, face ao encolhimento dos mercados internos, e a obter acesso aos crescentemente escassos recursos naturais. O Brasil, acreditem, é alvo dessa disputa.
Some-se a isso tudo o fato de que a economia brasileira vem crescendo pouco, o que acirra o conflito distributivo e ameaça, no médio e longo prazos, as conquistas sociais duramente alcançadas no ciclo social-desenvolvimentista.
Nesse delicado e perigoso contexto, a decisão de proceder a um ajuste fiscal deve ser vista como um necessário recuo tático, destinado a assegurar a governabilidade, no curto prazo, e as conquistas sociais, no médio e longo prazos. Não se trata, como acreditam alguns, de um desvio estratégico.
Há ajustes e ajustes. Aécio/Fraga promoveriam uma mudança estratégica, uma mudança no modelo econômico, e fariam um ajuste que mergulharia o país numa forte recessão, sacrificando empregos e salários e diminuindo substancialmente os custos para o capital.
Já a intenção da presidenta é manter empregos e salários, não sacrificar a população mais vulnerável, como se fazia no passado e como se faz em muitos países hoje. Daí a dura batalha pela flexibilização do superávit e o ajuste light e progressivo proposto.
Enganam-se também aqueles que acham que a governabilidade pode ser assegurada apenas com o concurso da mobilização popular, assim como se equivocam, da mesma forma, aqueles que consideram que ela pode ser assegurada somente com os mecanismos tradicionais que sustentam o presidencialismo de coalizão. Na realidade, se o segundo governo Dilma quiser chegar a bom termo e se o modelo social-desenvolvimentismo quiser se firmar, ambos são necessários. Presidencialismo de coalizão e mobilização popular. Recuo tático e ofensiva estratégica.
Essa dupla aposta não seria necessária, caso a Reforma Política já tivesse ocorrido. Lamentavelmente, não ocorreu. A revolução social que o social-desenvolvimentismo promoveu ainda não foi transformada numa revolução política que transformasse e oxigenasse nosso sistema de representação. O social-desenvolvimentismo ainda não encontrou a sua expressão política e institucional. Por isso, é obrigado a fazer concessões significativas e a formar amplas coalizões.
Nossa avenida Nevsky é bem tortuosa e muito mais difícil de percorrer do que se gostaria. A grande tarefa é endireitá-la mediante uma profunda Reforma Política com participação popular, que dê sustentação de longo prazo ao ciclo social-desenvolvimentista.
Até lá, no entanto, não há outro caminho que não os dos seus difíceis e delicados meandros.
(*) Marcelo Zero é formado em Ciencias Sociais pela Unb e membro da assessoria legislativa do Partido dos Trabalhadores
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