O Supremo e Bolsonaro: sistema de freios e contrapesos e sustentáculo do liberalismo

A atuação irresponsável do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia de Covid-19 no Brasil tem exigido do STF decisões para frear ações que coloquem em risco a saúde da população brasileira



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A atuação irresponsável do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia de Covid-19 no Brasil, relativizando os efeitos do vírus e estimulando o fim do isolamento social, tem exigido do Supremo Tribunal Federal (STF) decisões para frear ações que coloquem em risco a saúde da população brasileira.

Nessa linha, o plenário do STF confirmou, no dia 15, a medida cautelar, deferida em março pelo ministro Marco Aurélio, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341, garantindo a competência concorrente de estados e municípios para editar normativas para enfrentamento do novo coronavírus. O STF atuou para uma redefinição dentro da distribuição territorial de poder, sob o fundamento da defesa da saúde. Os ministros, contudo, deixaram claro em seus votos que a decisão se vincula à ausência de um plano nacional para solução dos problemas feito pela União, o que impede a prevalência sobre Estados e municípios e que os atos desses entes sujeitam-se à análise do Poder Judiciário.

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No mesmo sentido, a tendência do STF é confirmar a liminar do ministro Alexandre de Moraes que manteve o rito de tramitação das medidas provisórias, e sua análise obrigatória pelo parlamento. Ele negou, no dia 27 de março, pedido do Palácio do Planalto para que fossem suspensos os prazos de tramitação das MPs, enquanto durar o estado de calamidade decretado no país por causa da pandemia de coronavírus.

As decisões recentes levam alguns juristas a ponderar que a Corte suprema pode estar resgatando seu papel de controle, colocando freio em políticas que contrariem evidências científicas no enfrentamento à pandemia e exercendo o controle para conter arroubos autoritários do Presidente da República. Ministros do STF criticaram publicamente o ato do último domingo (19) que pediu intervenção militar, fechamento das instituições e deposição dos governadores e contou com a presença de Bolsonaro.

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Contudo, ao aproximar a lente sobre os julgamentos feitos pelo STF ao longo do último ano, é fácil verificar que há dois posicionamentos distintos, no que se refere às medidas do governo Bolsonaro, não apenas nos tempos atuais de pandemia, mas desde 2019, que se confluem por encontrar correspondência no liberalismo clássico. O primeiro é baseado nos princípios gerais abstratos, que são modelares e suficientemente significativos para aceitação genérica, como a liberdade de expressão para garantir direito individual.

O segundo evidencia que quando a pauta versa sobre direitos sociais e econômicos, a posição do Supremo tem sido a mais conservadora possível, contra os direitos dos trabalhadores, dos aposentados, dos sindicatos.

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Exemplo mais recente ocorreu na última sexta-feira (17), na apreciação das medidas cautelares requeridas na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6363, em que o plenário do STF, por maioria, cassou a liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski, e manteve a eficácia da regra da Medida Provisória 936/2020 que autoriza a redução da jornada de trabalho e do salário, ou a suspensão temporária do contrato de trabalho por meio de acordos individuais em razão da pandemia do novo coronavírus, independentemente da anuência dos sindicatos da categoria.

O Supremo prega a reunião de dois componentes que muitas vezes caminharam juntos na História, democracia e liberalismo, para lidar com um governo em que eles estão categoricamente separados.

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Nesse curso, adota a democracia como o equivalente ao processo pelo qual a cidadania toma as decisões fundantes a respeito da ordem política, e limita as ações que demonstram arroubos de autoritarismo por parte do governo Bolsonaro. Ao mesmo tempo em que atende aos interesses do “Deus mercado” e chancela as medidas oriundas do Poder Executivo que diminuem direitos e renda dos trabalhadores, que impõem a austeridade fiscal permanente e a forma de compreender a política fiscal apenas pela limitação do gasto público, em detrimento do atendimento às necessidades da população.

O Brasil vive um liberalismo antidemocrático, para usar a expressão de Yascha Mounk, em sua obra “O Povo Contra a Democracia: porque nossa liberdade corre perigo e como salvá-la”, uma das leituras que findei na quarentena. E em virtude da imperiosa necessidade de o poder frear o poder, o Supremo Tribunal Federal, no regime da separação de poderes, adota freios e contrapesos como contenção a algumas condutas disfuncionais de Jair Bolsonaro e seus asseclas. Mas, desequilibra totalmente a balança a favor do mesmo governante, quando confirma a concretização de escolhas que desprezam direitos conquistados, corrompendo o sistema de garantias sociais constantes na Constituição Federal, e comprometendo a segurança jurídica.

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Governos populistas, autoritários e de inspiração fascista, como o que temos no Brasil, necessitam do enfraquecimento das instituições do Estado Democrático de Direito, justamente por serem elas que possuem as condições para limitar seus projetos autoritários e deter a assunção repressiva em direção a uma ditadura de novo tipo, que não necessita de ruptura formal. De igual modo urge calar qualquer divergência e crítica. Os ataques a sindicatos para minar sua organização e atuação junto a trabalhadores não surgem nos textos legais por acaso.

O desafio para uma perspectiva democrática de resistência no âmbito da institucionalidade ocorrerá se nosso Tribunal máximo compreender que é necessário brecar todas as medidas violadoras de princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho. Sem o que continuará dando guarida à vocação autoritária de um governo com uma plataforma de extrema-direita, que promove mudanças regressivas em várias dimensões e aumenta, em muito, a potencialidade dos dissensos.

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