O STF, seus excessos e os juristas de whatsapp

O advogado Ives Gandra afirmou que há um desequilíbrio nas ações exercidas pelo Poder Judiciário

Bolsonaro, fachada do STF e urna eletrônica
Bolsonaro, fachada do STF e urna eletrônica (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino | STF | TRE)


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Os dias frios de outono e os versos de Fernando Pessoa me levaram a refletir sobre inconveniente verdade: “Eu já não sou quem era; O que eu sonhei, morri-o; E mesmo o que hoje sou Amanhã direi: quem dera Volver a sê-lo! mais frio. O vento vago voltou”. Não somos hoje o que éramos ontem, não somos o que pensamos ser e não somos o que pensam que somos, talvez não sejamos nada.

Bem, eu caminhava na Hípica, na pista do lago, pensando essas bobagens, quando cruzei com um cliente querido, próspero empreiteiro, bom papo e com excelente gosto para vinhos portugueses.

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Passamos a caminhar juntos. Falamos dos nossos times, do tempo, dos filhos, da economia, enfim, das amenidades adequadas para aquele momento, então ele, “do nada” disse: “vivemos sob a ditadura do poder judiciário e nossa liberdade está por um fio, o senhor não acha?”, pensei: “mais um jurista de WhatsApp”, então perguntei a ele o “por que” da sua afirmação, tão cheia de certeza e pesar.Ele respondeu: “Uai! o Dr. Ives Gandra disse...” e me mostrou uma mensagem de WhatsApp que continha a frase do grande advogado (eu poderia, talvez devesse, ter ficado quieto, mas não é exatamente o que penso, então resolvi seguir a conversa).

Eu disse a ele que o Dr. Ives é um reconhecido jurista, que eu conhecia a opinião dele, mas que, nesse caso, ela é equivocada, pois, não estamos a viver sob a ditadura do judiciário, há excessos que precisam ser debatidos com altivez, há um desequilíbrio a ser sanado.

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Então meu amigo falou: “é, mas o Dr. Ives Gandra falou, né?”, não lhe interessava debater, aquela opinião lhe servia como munição “qualificada” para atacar o STF e defender o presidente. Lembrei da entrevista do Dr. Ives à jornalista Mônica Bergamo, da Folha, na qual ele afirmou que José Dirceu fora condenado sem provas pelo STF, pois a tal “Teoria do Domínio do Fato” foi aplicada, de forma inédita e autoritária pela corte, apenas para condená-lo; Ives Gandra afirmou ainda que o ineditismo trouxe insegurança jurídica monumental e permitia que, a partir daquele momento, qualquer acusado pudesse ser condenado com base apenas em “presunções e indícios”, foi o que aconteceu com Lula.Ele reagiu prontamente: “nesse caso ele está errado”. Sua reação apenas mostrou que em tempos da pós-verdade o “bom, o certo e o correto” é o que nos atende para sustentar a nossa opinião. Essa lógica da oportunidade não pode nos servir como juristas e democratas.

Sobre esse desequilíbrio entre os poderes escrevo desde 2008.

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As relações entre o sistema judicial e o sistema político atravessam um tempo de grande tensão, tanto que a “judicialização da política” nos legou a “politização do Judiciário”, tema abordado pelo mestre Agostinho Tavolaro em entrevista ao CORREIO POPULAR, principal jornal da Região Metropolitana de Campinas. Exemplo de politização do MPF e do Judiciário são os excessos da Lava-Jato. A “judicialização da política” ocorre sempre que os tribunais, no desempenho normal das suas funções, afetam de modo significativo a seara política em questões que, originariamente, deveriam ser resolvidas na arena política e não nos tribunais. Há a judicialização de “baixa intensidade”, que ocorre quando políticos são investigados e julgados por atividades criminosas, o que pode ter ou não relação com o poder que a sua posição lhes confere; há ainda a judicialização de “alta intensidade”, que ocorre quando parte da classe política - não se conformando com suas derrotas e não querendo manter o debate através dos mecanismos habituais do sistema político democrático -, transfere para os tribunais esses conflitos, através de denúncias ao Ministério Público ou ajuizando ações diversas, usando desavergonhadamente a mídia, algo nada democrático.  As decisões mais absurdas, a meu juízo, são aquelas que, invadiram, criminosamente, prerrogativas de Dilma, Temer e Bolsonaro. São elas: a) a que impediu que Lula se tornasse Ministro; b) a que suspendeu a posse da então deputada federal Cristiane Brasil como ministra do Trabalho e c) a que suspendeu o decreto de nomeação e posse do delegado Alexandre Ramagem como diretor da Polícia Federal (vejam, dou três exemplo de violência do STF, praticada por três ministros - Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Carmen Lucia -, contra três presidentes).

Não sou daqueles que afirmam que há indevida interferência na esfera legislativa “sempre” que o STF invalida um ato ou altera um entendimento, não é por aí, contudo, é prerrogativa exclusiva do legislativo a elaboração de leis, assim como é prerrogativa do presidente nomear ministros e o diretor da polícia federal. 

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A invalidação ou interpretação de atos e fatos por ministros e pelo colegiado do STF é fato normal, mas não é dado ao STF, nem a qualquer tribunal, promover inovações no ordenamento normativo, pois, a atividade de controle de constitucionalidade não faz da suprema corte um legislador positivo (aquele que cria normas), ele é apenas um legislador negativo, que se limita a vetar certas normas inconstitucionais, permanecendo assim preservada a integridade da separação de poderes e da democracia. 

Transformar o STF em ‘legislador’, tem viés antidemocrático, elitista e golpista, pois falta a ele legitimidade jurídica e Política, além de competência constitucional. 

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A Constituição prevê, no inciso XI do art. 49, a competência exclusiva do Congresso Nacional para “zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”, mas não expressa os mecanismos para exercer essa competência, caso ocorra o exercício abusivo do poder normativo por outro Poder, isso deveria estar sendo debatido no congresso e não o título honorário ao Hamilton, piloto de fórmula 1.

A sociedade tem que participar do debate, entender o que está acontecendo e o porquê. 

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Depois que eu disse tudo isso o meu amigo falou: “é, mas o Dr. Ives Gandra falou, né?”.

Essas são as reflexões.

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