O Sol (quadrado) é para todos

Cartunista Miguel Paiva reflete sobre a cultura do encarceramento a partir da prisão do prefeito do Rio, Marcelo Crivella. "Que dedique, como pena, grande parte do seu tempo para o trabalho social controlado pelo estado para que, aí sim, possa fazer alguma coisa pela população. Sendo prefeito já vimos que não dá", afirma

(Foto: Miguel Paiva)


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Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia 

Até eu ser preso pela primeira vez aos 18 anos, como estudante na ditadura militar, não tinha pensado ainda sobre o que é perder a liberdade. Sabia de histórias de presos ilustres, presos perpétuos e sobretudo presos injustamente pelos militares, mas na pele era inédito. Não que àquela época eu achasse injusto eu ser preso. Achei mesmo um perrengue danado além de um certo medo que mesmo a irresponsabilidade da juventude não amainava totalmente. Levar soco de PM e passar por corredor polonês não é uma boa coisa. Muito menos ouvir, ao sair, um sermão do Secretário de Segurança que recebeu meu pai, também militar, mas da reserva, e atendeu seu pedido de me soltar. Fui um dos presos do campo do Botafogo aqui no Rio depois da famosa invasão da Reitoria.  

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Fiquei assustado sim. Na passeata seguinte, na Avenida Presidente Vargas, fugi correndo dos tiros que vinham não sei da onde e iam não sei para onde. Foi meio assustador como a ideia de ser preso na ditadura militar era um fato ameaçador. Muitos presos não saíram vivos. Depois fui preso novamente já no Pasquim, mas não na famosa prisão da redação, e sim num fato mais prosaico indo entrevistar o Ricardo Amaral e parado pela polícia por acaso. Rendeu também, chateação e medo, é claro.  

Quando fui de vez para a Itália, me afastando da realidade árida e ameaçadora do Brasil daquela época custei a relaxar. Se um carro da polícia se alinhava ao meu na rua, tremia, achava que tinha feito algo errado. Uma vez até fiz, entrei numa rua à esquerda e era proibido. Fui parado, com todo o respeito, e multado ali mesmo. Hoje ainda tenho um pouco do que sobra deste temor. Talvez por outros motivos, mas ser parado pela polícia nunca é uma boa.

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Acho que essa sensação é comum a quem não tem culpa no cartório seja da vara cível ou criminal. Para mim sempre foi um pesadelo essa  ideia de ser preso, sobretudo porque não está previsto no meu roteiro pessoal de vida. A prisão passa a ser um evento surpresa e sobretudo injusto. Nada pior que a injustiça na sua trajetória de vida.

Dito isso, vejo esses prefeitos, governadores, empresários (não é um mal só dos políticos, diga-se de passagem) indo para a cadeia na boa. Ontem o tal do Rafael Alves, mandachuva da prefeitura e sem cargo oficial, caminhava para o cárcere na boa, de bermuda e camiseta como se estivesse indo ao bar tomar uma caipirinha. Eles sabem que vão ser soltos, assim como o Crivella sabia, e por isso não demonstram medo. Sabem que estão sendo presos porque tem culpa no cartório e hoje, o governo, por pior que seja, não tortura oficialmente seus detentos, muito menos sendo famosos.  

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A prisão, parece, faz parte do roteiro de quem transgride. Diferente do meu roteiro, por exemplo. Pra eles ganhar dinheiro é uma etapa assim como poder ser preso. Aí, vão ter que gastar mais grana para serem soltos. No meu roteiro não adiantava grana e sim sorte ou que a luta lá fora continuasse e a ditadura acabasse. Mas meu caso foi fichinha perto de quem sofreu mesmo atrás das grades ou pendurado no pau de arara.   

Prisão é uma pena muito dura. Se encaixa perfeitamente com os regimes autoritários, menos com os regimes democráticos e socialmente desenvolvidos. Penas alternativas são pensadas. Punição revertida em trabalho comunitário fiscalizado é uma delas. Quem cometeu crime de morte é diferente. Bandidos existem também em sociedades desenvolvidas. A justiça existe para isso. Matar alguém continua sendo um desvio de comportamento e o único jeito, no caso, é uma punição mais severa. Ainda assim, há controvérsias.

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Enfim, não sou a favor da prisão em geral. Acho que tem que existir, mas precisam ser mais humanas aqui no Brasil, menos exterminadoras. Lembro que tortura e pena de morte não fazem parte do Código Penal. Também confio na capacidade do ser humano de diminuir os motivos externos que levam uma pessoa a cometer um crime como também no desenvolvimento das políticas carcerárias para que as condições penais melhorem.

Quanto ao Crivella e sua gangue, que devolvam o que roubaram com o dinheiro que tem sob o colchão ou sob o púlpito de onde fazem seus sermões conservadores e moralistas. Que dediquem, como pena, grande parte do seu tempo para o trabalho social controlado pelo estado para que, aí sim, eles possam fazer alguma coisa pela população. Sendo prefeito já vimos que não dá.

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