O sistema Deputadocrático de Arthur Lira
O chefe da deputadocracia menospreza a legitimidade da vitória do Lula
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A derrota na votação da Câmara sobre o Marco do Saneamento [3/5] acende o alerta sobre os impasses e limites do governo Lula derivados de um sistema de representação parlamentar concebido para impedir mudanças essenciais e aprisionar o Brasil ao atraso, ao conservadorismo e ao reacionarismo.
O sistema de governo brasileiro – confirmado no plebiscito de 7 de setembro de 1993 – é o presidencialismo.
Na vida real, no entanto, vige o sistema Deputadocrático, no qual o governo não é comandado plenamente pelo presidente da República, mas pela Deputadocracia.
Deputadocracia [deputado + cracia], como descrito em artigo de 20/3/2023 [aqui], é o que se pode designar como o governo de deputados, por deputados e para deputados.
Na campanha eleitoral de 2022 o presidente Lula denunciou que “Bolsonaro não manda nada, ele é refém do Congresso. O Bolsonaro sequer cuida do orçamento; quem cuida é o Lira, é ele que libera a verba. Os ministros ligam pra ele, não ligam pro presidente da República”.
É provável que hoje, sentado na cadeira presidencial no Planalto, Lula talvez tenha percebido que o que disse a respeito do seu antecessor vale, relativamente, também para si mesmo.
A Deputadocracia viola a Constituição, pois usurpa poderes, competências e prerrogativas exclusivas do Poder Executivo. E é um fator de sabotagem da soberania popular, pois impede o governo legitimamente eleito de governar com o programa escolhido nas urnas.
O deputadocrata Arthur Lira, chefe da Deputadocracia com mandato no cargo até 31/1/2024, explica a fraude ao espírito da Constituição com um sofisma: ele diz que hoje o país tem “um Congresso com atribuições mais amplas” que no passado recente.
Entenda-se por “atribuições mais amplas” o aumento substantivo do poder de extorsão e chantagem da Deputadocracia sobre o Poder Executivo.
Este poder nefasto, que Eduardo Cunha deu forma por meio do orçamento impositivo, ficou mais hipertrofiado no governo fascista-militar. O partido dos generais instituiu o orçamento secreto como moeda de pagamento da cumplicidade de deputadocratas com a impunidade de Bolsonaro e militares e com o assalto brutal aos fundos públicos.
O orçamento secreto é uma droga viciante. Quanto mais recebem e mais usam os milhões das emendas parlamentares nas paróquias eleitorais e em esquemas de corrupção, mais verbas do orçamento os deputadocratas querem abocanhar. Ficam insaciáveis.
Na votação sobre o Marco do Saneamento, dos 143 deputados/as do MDB, PSD e União Brasil – partidos que comandam nove ministérios do governo Lula – apenas oito deles votaram a favor do governo.
Lira tem uma explicação bem didática para isso. “Um governo de coalizão, com troca de ministérios por apoios, está comprovado que não vai dar certo”, disse ele em entrevista ao jornal O Globo, em 30/4 – três dias antes da votação, portanto.
E ele então dá a receita mágica de sucesso: “as emendas resolvem isto sem ser necessário um ministério”.
O chefe da deputadocracia menospreza a legitimidade da vitória do Lula, eleito com 60.345.699 votos. Na visão dele, Lula “foi eleito com margem de votos mínima e precisa entender que temos Banco Central independente, agências reguladoras, Lei das Estatais e um Congresso com atribuições mais amplas”.
Por extensão, Lira também não reconhece a legitimidade dos ministros de Estado designados pelo presidente da República para executarem o programa eleito. “Da forma como está, o parlamentar fica com o pires na mão e um ministro, que não recebe votos e não faz concurso, é quem define a destinação de R$ 200 bilhões para municípios do Brasil”, afirmou.
Embora diga que emendas bastam, e que não é “necessário um ministério” para saciar a fissura da deputadocracia, o próprio Lira se movimentou bastante para influenciar a escolha de ministros do governo Lula e para manter primos e apadrinhados seus instalados há vários anos, governo após governo, na Codevasf, no Incra, CBTU e Dnocs.
Assim como Lira, seu fiel aliado Elmar Nascimento, deputadocrata do União Brasil/BA que combate o governo ferozmente, não aceita que um apaniguado seu, nomeado pelo governo anterior, seja exonerado da Codevasf na Bahia!
No sistema Deputadocrático não importa quem é eleito para a presidência da República e qual programa foi escolhido nas urnas, porque são eles, os deputadocratas, que determinam os rumos do país – sempre na direção do atraso, do conservadorismo e da preservação das desigualdades e injustiças sociais.
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