O risco de um STF colegislador

O controle judicial de constitucionalidade é competência do STF e permite ao Supremo declarar a inadequação de uma lei em relação ao texto constitucional. Mas nem de longe esse controle judicial de constitucionalidade dá a qualquer órgão do STF o status de colegislador, pois a atividade de controle não faz da suprema corte um legislador positivo, que cria normas

O risco de um STF colegislador
O risco de um STF colegislador (Foto: Divulgação)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Da tensão entre o Judiciário e o Legislativo.

Em setembro de 2008 escrevi que as relações entre o sistema judicial e o sistema político atravessavam um momento de tensão sem precedentes cuja natureza se poderia resumir numa frase: a judicialização da política conduziria à politização da Justiça , o que parece ter ocorrido.

Para qualificar o meu argumento citei a opinião do Sociólogo português Boaventura Santos, que afirmar haver judicialização da política sempre que os tribunais, no desempenho normal das suas funções, afetam de modo significativo as condições da ação política, ou de questões que originariamente deveriam ser resolvidas na arena política e não nos tribunais.

continua após o anúncio

No citado artigo constou que a judicialização pode ocorrer por duas vias principais: a primeira, de baixa intensidade, ocorreria quando membros isolados da classe política são investigadores e eventualmente julgados por atividades criminosas que podem ter ou não a ver com o poder ou a função que a sua posição social destacada lhes confere; a segunda, chamada de alta intensidade, ocorreria quando parte da classe política, não se conformando ou não podendo resolver a luta pelo poder pelos mecanismos habituais do sistema político democrático, transfere para os tribunais os seus conflitos internos através de denúncias, ao Ministério Público ou ajuizando ações diversas.

Sobre o Mandado de Segurança de Bolsonaro e a liminar de Fux.

continua após o anúncio

Bem, feita essa introdução passarei a comentar o Mandado de Segurança impetrado pelo Deputado Federal Bolsonaro em face de ato da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados no que se refere à tramitação da Emenda de Plenário, acessória ao Projeto de Lei nº 4.850/2016, que tratava das tais "10 medidas contra a corrupção".

Creio que essa iniciativa do Deputado Bolsonaro é triste exemplo de judicialização da Politica de alta intensidade.
O mandado de segurança narrou que a Emenda de Plenário nº 4, acessória ao Projeto de Lei (PL) nº 4.850/2016 acrescentou ao substitutivo do título que dispõe sobre crimes de abuso de autoridade de Magistrados e membros do Ministério, fato que é amplamente conhecido da sociedade e que tal acréscimo seria inconstitucional.

continua após o anúncio

Bem, o mandado de segurança afirma também que a Emenda de Plenário nº 4, que dispõe sobre a responsabilidade de quem ajuíza ação civil pública e de improbidade temerárias, com má-fé, manifesta intenção de promoção pessoal ou visando perseguição política, conteria outra inconstitucionalidades ou ilegalidades.

Segundo Bolsonaro a inconformidade decorreria da violação ao devido processo legislativo, porque seria de iniciativa privativa do Supremo Tribunal Federal a proposição de lei complementar que disponha sobre o estatuto da magistratura e competência privativa do Procurador-Geral da República propor lei complementar sobre estatuto do Ministério Público.

continua após o anúncio

E Bolsonaro sustenta em seu Mandado de Segurança que a emenda de plenário violou o âmbito do anteprojeto de iniciativa da lei anticorrupção, tratando de matéria que foge ao objeto do projeto.

Por isso tudo Bolsonaro requereu liminar para a anulação da votação da Emenda bem como a cessação de seus efeitos na redação final da Câmara dos Deputados e, consequentemente, a supressão do Título III (artigos 8º e 9º) do Projeto de Lei da Câmara nº 80/2016, em tramitação no Senado Federal.

continua após o anúncio

O Ministro Luiz Fux argumentou e fundamentou segundo sua convicção e concedeu a liminar para suspender os efeitos dos atos praticados no bojo do processo legislativo referente ao Projeto de Lei (PL) nº 4.850/2016.

Da gravidade da decisão de Fux.

continua após o anúncio

A suspensão dos efeitos praticados no bojo de processo legislativo é, em si, uma violência institucional, comparável aos atos institucionais da ditadura militar.

Mas reputo ainda mais grave a determinação do retorno do Projeto de Lei da Câmara nº 80/2016, em tramitação no Senado Federal à Câmara dos Deputados, que deverá, segundo "ordem" do ministro Fux, autuar o anteprojeto de lei como Projeto de Iniciativa Popular (vale lembrar que o Ministério Público Federal foi o idealizador e autor das "dez medidas" contra a corrupção, compiladas em projeto que tramita na Câmara, PL 4.850/16, que chegaram ao Parlamento sob a forma de projeto de iniciativa popular).

continua após o anúncio

O STF, cuja competência está definida no artigo 102 da Constituição Federal, poderia suspender os efeitos de Projeto de Lei que ainda tramita no Congresso Nacional?

Penso que não.

A liminar de Fux representa violência sem precedentes à independência dos poderes e que reflete esse tempo sombrio no qual a aristocracia urbana, aquela que se apropriou das carreiras de estado, busca relativizar a democracia representativa e substitui-la por algo muito próximo de um estado de exceção e de viés claramente totalitário.

Da natureza autoritária das decisões recentes do STF.

É inegável a natureza autoritária de algumas recentes decisões do STF.

Lembro-me de entrevista à jornalista Mônica Bergamo da Folha de S. Paulo em que o jurista Ives Gandra afirmou que o ex-ministro José Dirceu fora condenado sem provas pelo STF e que a tal teoria do domínio do fato havia sido adotada de forma inédita e autoritária pelo STF para condená-lo.

E, ainda de acordo com o citado jurista, tal ineditismo trazia insegurança jurídica "monumental" e permitiria que, a partir daquele momento, um inocente pudesse ser condenado com base apenas em presunções e indícios (batizados de "convicções" pelos Golden Boys do sul do país).

No julgamento da AP 470 na prática o STF criou norma, tornou-se colegislador, condenou "porque a literatura permitia", segundo outra ministra do STF, então assessorada pelo então desconhecido Sergio Morto.

Criar normas pode derivar da fé de que a função de criar normas é prerrogativa compartilhada e não exclusiva do Congresso. Pode até ser, mas há limites para isso.

Bem, não sou daqueles que afirmam que há indevida interferência na esfera legislativa sempre que o STF invalida ou dá uma nova interpretação a uma lei, por outro lado é inegável que é prerrogativa do Congresso Nacional a elaboração de normas jurídicas.

Ou seja, a invalidação ou uma nova interpretação de uma lei pelo colegiado do tribunal é normal e necessário, mas não é dado aos integrantes do STF, nem de nenhum outro tribunal promover inovações no ordenamento normativo como se parlamentares fossem, pois ao Poder Judiciário não é dado o poder de criar normas jurídicas.

Fux deveria ter aguardado existir uma lei para declarar se tal lei é inconstitucional ou não, pois interferir no processo legislativo é algo que flerta com o fim da separação dos poderes e conduz o país aos caos institucional.

Se fosse aceitável o Poder Judiciário criar leis se estaria negando dois princípios adotados pela constituição brasileira: (a) a separação de poderes, arranjo por meio do qual se busca prevenir o abuso de poder e (b) a democracia, ideal politico que almeja institucionalizar um governo do povo.

Esses dois princípios conferem ao parlamento eleito, e somente a ele, a função de legislar, e aos outros dois poderes outro papel de acordo com a constituição.

O controle judicial de constitucionalidade é competência do STF e permite ao Supremo declarar a inadequação de uma lei em relação ao texto constitucional.

Mas nem de longe esse controle judicial de constitucionalidade dá a qualquer órgão do STF o status de colegislador, pois a atividade de controle não faz da suprema corte um legislador positivo, que cria normas, mas apenas um legislador negativo, que se limita a vetar certas normas emanadas do Congresso Nacional, permanecendo assim preservada a integridade da separação de poderes e da democracia.

E no caso sob comentário qual foi a norma emanada do Congresso que mereceu intervenção liminar de órgão monocrático do STF? A resposta é NENHUMA.

Transformar o Poder Judiciário em colegislador, como pretendem alguns, tem viés elitista e golpista, pois falta ao Poder Judiciário: legitimidade jurídica, legitimidade Politica e competência institucional para criar leis.

O STF hoje se porta como um colegislador positivo e com isso quebrou a tradição de nunca invadir as competências de outro poder.

Isso tudo é uma violência e um crime que se comete contra a Constituição da República e, com fundamento no artigo 49, inciso XI, da Constituição, cabe ao Congresso anular essa decisão de Ministro do STF e colocar ordem no caos.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247