O retorno do ganho real nas negociações coletivas
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Em função do reduzido nível geral da inflação e da perda salarial ocorrida nos últimos anos, para a maioria das categorias de trabalhadores, as negociações vêm sendo desfechadas com ganhos reais, fenômeno crescente nos últimos meses. Segundo a publicação do DIEESE, intitulada De Olho Nas Negociações, no mês de março, 74% dos 290 reajustes analisados, resultaram em ganhos acima da inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor, o INPC-IBGE. Resultados iguais a esse índice foram observados em 21,4% dos casos. Apenas 4,5% de todos os casos analisados apresentaram resultados abaixo da inflação, possivelmente em setores que apresentam desempenho econômico inferior à média da economia, ou têm menor organização sindical.
Os dados de abril da referida publicação, ainda não foram divulgados, mas pode-se trabalhar com a hipótese de que a tendência de negociação de ganhos reais ficará ainda mais acentuada nos próximos meses. É verdade que são ganhos pequenos, muitas vezes apenas um arredondamento do número geral. Tem um ou outro caso de ganho mais robusto, de 1% ou 2%. Mas como a realidade recente era de perdas generalizadas para a maioria das negociações, esse número se faz importante como indicador de conjuntura.
Ainda sobre os dados acima, merece destaque o recorte regional, no qual se observa que o percentual de negociações com reajustes acima do INPC varia entre 66%, no Nordeste, e 77%, no Sudeste. Já o Sul se destaca das demais regiões por apresentar o menor percentual de resultados abaixo do INPC: apenas 1,8% das categorias da região não conseguiram repor as perdas inflacionárias nas negociações do primeiro trimestre do ano. Com base no conjunto dos indicadores catarinenses, apesar da publicação não trazer o dado discriminado, pode-se deduzir que o menor percentual de negociações sem ganho real, foi o de Santa Catarina.
Afirmo isso, inclusive, baseado na dinâmica da negociação dos pisos estaduais de Santa Catarina, para este ano, que obteve ganho real. Apenas cinco estados da federação dispõem de pisos estaduais, naturalmente, com valores acima do salário-mínimo. Mas apenas em um estado do Brasil, que é Santa Catarina, há uma negociação regular, há 13 anos, que envolve o conjunto das centrais sindicais catarinenses (com a assessoria do DIEESE), e as organizações empresariais. Nessa negociação, a recomposição média dos 4 pisos vigentes no Estado foi de 7,43%, o que, para uma inflação de 5,93%, representou um ganho real de 1,42%
Os resultados da negociação dos pisos estaduais impactaram um conjunto de empresas catarinenses, de todos os portes, de todos os setores possíveis, que reconhecidamente, vivem realidades bastante distintas, como é próprio do funcionamento do sistema econômico, que é anárquico por definição. Portanto, pode-se deduzir que algumas empresas, eventualmente tiveram dificuldades para absorver, no seu fluxo de caixa, o pequeno ganho real que os trabalhadores obtiveram. Porém o incremento do mercado consumidor interno compensa largamente esses problemas isolados de absorção do novo custo da força de trabalho.
Há um outro fator que deve ser levado em conta, no contexto desse debate. Os períodos nos quais a inflação está relativamente sob controle, como agora, são os melhores para a prática de ganho real. Há um ano, em maio de 2022 a inflação estava em um patamar muito superior ao atual (quase 13% em 12 meses), o que limitava bastante a aplicação de ganho real, já que a incidência dos índices é realizada de forma composta (é um índice multiplicado sobre o outro). Agora, a inflação dos últimos 12 meses, entre maio de 2022 até abril último, está em patamar inferior à 4%, o que facilita sobremaneira a aplicação de um ganho real. Este é o melhor momento para elevar os salários reais dos trabalhadores, considerando o aspecto inflacionário. Afirmo isso porque, se considerarmos uma outra variável fundamental, que é o crescimento econômico, aí a situação já não é boa. Com juros reais de 8% ao ano, a economia brasileira não irá crescer em 2023, o que influencia a negociação coletiva. Para esta, o ideal seria termos inflação baixa e crescimento alto.
Um outro elemento que deve ser levado em conta é o de que, mesmo com um índice geral de preços em nível relativamente controlado, o preço dos alimentos é muito alto, considerando a realidade salarial brasileira. Por exemplo, dentre as 18 capitais nas quais o DIEESE realiza a pesquisa de cesta básica, Florianópolis apresentou o terceiro maior custo no mês de abril, sendo que uma cesta com 13 alimentos para consumo de um adulto está custando R$ 769,35. Mas a carestia no preço da alimentação não é exclusividade da capital catarinense. O DIEESE realiza a mesma pesquisa em Brusque, que é a única cidade, não capital, na qual o Departamento mantém a pesquisa. A cesta de Brusque, em abril último, apresentou o 13° maior preço entre as 18 cidades onde a pesquisa é realizada, custando R$ 617,86.
Com base na cesta alimentar mais cara, que, em abril, foi a de São Paulo, e levando em consideração a determinação constitucional que estabelece que o salário-mínimo deve ser suficiente para suprir as despesas de um trabalhador e de sua família, com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência, o DIEESE estima mensalmente o valor do salário mínimo necessário. Em abril de 2023, o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria ter sido de R$ 6.676,11, ou 5,13 vezes o salário-mínimo oficial, de R$ 1.302,00 (para abril).
É essencial levar em conta que um ganho real de salários, exerce necessariamente, um efeito positivo na economia. Como os ganhos salariais dos trabalhadores são destinados ao consumo de bens essenciais (alimentação, roupas, gastos com transporte, habitação e lazer etc.), eles necessariamente incrementam o mercado consumidor interno. Fator que, se levarmos em conta a integração entre os diversos departamentos de uma economia capitalista, acabará significando um aumento da arrecadação estadual, inclusive porque, o ICMS (que incide na circulação de mercadorias e serviços), é o principal tributo do Estado.
Ou seja, a negociação de ganho real, provoca um efeito virtuoso na economia e nas relações sociais, como revela o impacto sempre positivo dos reajustes do salário-mínimo. O mesmo efeito positivo verificamos com os aumentos dos pisos estaduais. Com os aumentos salariais os trabalhadores compram bens fundamentais que ampliam o mercado consumidor interno, provocando um efeito positivo no ciclo econômico. Como se sabe, as crises econômicas capitalistas são crises de “sobra” e não de “falta” de mercadorias. Nas crises de sobreprodução, as prateleiras ficam lotadas de produtos e o povo passando fome, sem dinheiro para comprar. Mas essa é uma outra história, um pouco mais longa e complexa, que requer uma abordagem específica.
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