O refugiado como objeto de arte

Um refugiado se torna commodity no mercado de arte em "O Homem que Vendeu sua Pele", filme provocativo que concorre ao Oscar pela Tunísia

(Foto: Reprodução)


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A lenda de Fausto e Mefistófeles ganha nova roupagem em O Homem que Vendeu sua Pele (The Man Who Sold His Skin), o primeiro filme da Tunísia a ser indicado ao Oscar, na categoria de filme internacional. A curiosíssima história foi inspirada no caso real do artista radical belga Wim Delvoye, que tatuou as costas de Tim Steiner em 2006 e desde então expõe a obra em museus e galerias. Em 2008, “Tim” foi vendido por 150 mil euros a um colecionador alemão pelo período de dois anos. Uma cláusula do contrato entre Delvoye e seu quadro vivo prevê que, após a morte de Tim, sua pele será retirada e emoldurada.

O assunto, por si só, já suscita discussões intermináveis sobre bioética, valor e limites da arte contemporânea. Mas a diretora e roteirista tunisiana Kaouther Ben Hania agregou mais um elemento provocativo a seu projeto. Imaginou que o corpo tatuado seria de um refugiado sírio, contactado no Líbano por um artista cínico e desafiador, o seu Mefistófeles. Sam Ali (Yahya Mahayni, melhor ator na Mostra Horizontes do Festival de Veneza) foge da Síria depois de ser preso por ter mencionado a palavra “revolução” quando pediu a mão de sua amada em público. Ele tem que sair do país, deixando para trás a bela Abeer (Dea Liane), que a família havia prometido em casamento a um diplomata.

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Quando lhe aparece a oportunidade de virar “obra de arte” e, como tal, viajar por museus da Europa, ele aceita na esperança de reencontrar Abeer, que agora vive na Bélgica com o marido. A partir daí, o filme tece uma teia interessante com o mercado de arte, a condição dos refugiados e a história de amor.

Transformado em commodity, Sam Ali pode transitar livremente pela Europa e ter uma vida mais que confortável. Mas deve também se sujeitar ao status de objeto em suas diversas acepções. Isso é explicitado, por exemplo, na ótima cena da preparação das peças de uma exposição, ou quando ele é substituído por uma placa em fase de “restauração”. Sam é pivô de querelas com uma organização de defesa de refugiados sírios e com o injuriado marido de Abeer.

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A objetificação dos refugiados pelo discurso artístico – é bom que se diga – é um tema que diz respeito não só às artes concretas, mas também ao cinema e à literatura. O Homem que Vendeu sua Pele é parente próximo de outro filme ainda mais polêmico, The Square: A Arte da Discórdia, que satirizava a arte contemporânea centrada no comportamento humano, nas atitudes sociais e nas mensagens politicamente corretas.

Kaouther Ben Hania funda sua argumentação num roteiro bem azeitado, que só arranha as bordas nas cenas de desfecho, um tanto rocambolescas demais. Esteticamente, é um filme lustroso, repleto de sugestões visuais excitantes, como o uso de espelhos para ressaltar a dubiedade dos ambientes, a ironia nos enquadramentos das obras de arte e uma palheta cromática rica em contrastes.

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Uma curiosidade: o artista Wim Delvoye faz uma ponta como o agente de seguros que, num ultraje irônico, dá a medida do valor da obra tatuada no corpo do refugiado. Entre as artes extremas de Delvoye estão as tatuagens em porcos e uma instalação que transformava comida em fezes, em seguida colocadas à venda.

>> O Homem que Vendeu sua Pele está nas plataformas Now e Belas Artes à la Carte.

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Veja o trailer.

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