O Recife que não apareceu no The New York Times

“O jornal americano 'The New York Times', um dos veículos mais influentes do mundo, publicou uma matéria turística sobre a cidade do Recife. Vi o texto original e acredito ser natural que um repórter de influente jornal não detenha um conhecimento magnífico do Recife. Mas qualquer jornalista poderia ser mais cuidadoso ao anotar as informações do seu guia na cidade.

(Foto: Reprodução)


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O Diário de Pernambuco de ontem publicou: 

“O jornal americano 'The New York Times', um dos veículos mais influentes do mundo, publicou uma matéria turística sobre a cidade do Recife, nesta quinta-feira (26), e sobre como aproveitar a capital pernambucana, e imediações, em um dia e meio.  
A matéria intitulada ‘36 Hours in Recife (and Environs)’ ou 36 horas no Recife (e arredores), faz um roteiro da capital incluindo lugares como Cais do Sertão, restaurante Bodéga do Véio, Catamaran Tours, Catedral Sé de Olinda, Casa dos Bonecos Gigantes e praia de Boa Viagem. ‘Muitas pessoas que visitam o Brasil seguem as praias do Rio de Janeiro. Ao fazê-lo, sobrevoam a quarta maior cidade do Brasil e uma das regiões mais fascinantes culturalmente do país’, inicia a matéria...”

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Vi o texto original e acredito ser natural que um repórter de influente jornal não detenha um conhecimento magnífico do Recife. Mas qualquer jornalista poderia ser mais cuidadoso ao anotar as informações do seu guia na cidade. Assim, não é bom que os gringos do Norte leiam trechos como 

“ 4 p.m. Sunset on the Capivara

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Skip Friday rush hour and taxi over to the dock for a one-and-a-half-hour sunset cruise of historic downtown Recife and its many bridges from the vantage point of the Capibaribe (Capivara) River”.

Não, Capibaribe não é o mesmo que Capivara, A informação devia ser “o nome Capibaribe, antes, em tupi significava Capivara, um mamífero que ainda se vê em alguns pontos das margens do rio”. Mas na frase com parênteses Capibaribe e Capivara se equivalem, apesar de no dorso do animal ninguém jamais tenha navegado. No entanto, considero que não podemos ser tão rigorosos para uma matéria tão simpática ao Recife. Devemos esquecer os erros da apuração apressada  que fizeram o jornal publicar  “What Recife lacks in aesthetic character is more than made up for by its suburb Olinda” . Não, com toda sua beleza, Olinda não é um subúrbio do Recife.   

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Melhor lembrar o Dicionário Amoroso do Recife que, se não é completo, fala de lugares e pessoas da cidade muito além das 36 horas. Assim, conto a fala de  um guia que divulgava informações erradas a um grupo de turistas, diante da estátua do compositor Antônio Maria, na Rua do Bom Jesus:

“— Saibam que este homem é autor do primeiro frevo composto em Pernambuco. 

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Eu fiquei parado, estático, hipnotizado e tonto. O jovem guia continuava a falar as coisas mais inverossímeis e absurdas sobre Antônio Maria, que eram recebidas em altíssimo grau de aprovação por todos. Nem passava pela cabeça de ninguém que o frevo tinha mais de 100 anos — de registro em jornal —, e, portanto Antônio Maria não poderia compor música nos primeiros anos do século XX. Pois Maria era genial, mas também tinha o direito de nascer, depois do primeiro frevo de Pernambuco. Na hora, essas razões não me acudiam, porque ninguém pesquisa em livros, artigos e anotações no instante em que fala. Apenas me socorri da memória, que me disse: “peraí, Antônio Maria não compôs Vassourinhas nem Borboleta não é ave”.  E fiz sinal, educado, ao guia professor de aulão para vestibulares. Ele surpreendido me concedeu a palavra, talvez por não saber o que viria de um nativo vestido de recifense. E falei, entre gaguejos e pausas, procurando clareza à medida que seguia a linha da lembrança: 

- Acho que houve um pequeno engano. Antônio Maria não é autor do primeiro frevo em Pernambuco. Ele é autor do Frevo n◦. 1 do Recife. 

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— Ah, ele é autor do primeiro frevo do Recife. Não é de Pernambuco.  

— Não, ele é autor do Frevo número 1 do Recife. Esse é o nome. É o número 1 de Antônio Maria, para ele que fez, entende? 

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— Ah...” .  

Não sei se o The New York Times foi informado por um guia desses. Imagino que sim, porque ele exalta a cozinha nordestina a partir do Restaurante Parraxaxá, como no trecho  

“Northeast feast

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The best way to embrace the scope of northeastern cuisine is at Parraxaxá, in the Boa Viagem neighborhood...”

Olhem, o restaurante deve ter seus méritos, sem dúvida. Mas banquete mesmo da cozinha nordestina ele bem poderia ver no Mercado da Boa Vista, como escrevemos no Dicionário: 

“Os pratos servidos são uma tentação e um banquete de cultura, que nos perdoe Paris: do sarapatel à carne de sol com cubinhos de queijo coalho, da galinha de cabidela ao arrumadinho de charque, da carne de bode ao patinho, que não é filho do pato, mas um tira-gosto do osso da perna do boi, cozido no feijão preto com charque e calabresa. E não se falou mais na França.  

Em resumo, para os recifenses, e para os pernambucanos de outras cidades também, o Mercado da Boa Vista é um lugar agradável para encontros e visitas nos sábados, domingos e feriados, principalmente.  Melhor à tarde, mas uma tarde que começa antes do meio-dia, ou não se encontram mais mesas livres. Lugar de muita gente bonita e animada, falam; o melhor lugar para descobrir sua gente, dizem outros, com almoços de feira livre iguais aos do interior, completam os glutões, e para os mais saudáveis ou loucos, os tira-gostos de tripa torrada e toucinho”.

Mas essas informações não entram no guia para repórter de Nova York. 

Para ele é inimaginável saber das pessoas de Abelardo da Hora, Alberto da Cunha Melo, Dom Hélder Câmara, os poetas marginas e a Princesinha do Carnaval, a linda criança negra. E quem perde com isso são os leitores de lá. Nós, do Recife, até ganhamos, talvez. Não precisaremos explicar o inexplicável: o Recife belo e popular para uma reportagem do The New York Times. Para o jornal, o Parraxaxá e as Capivaras já são enough.  

Publicado originalmente no Portal Vermelho 

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