O que está acontecendo nas escolas?

Fernando Horta analisa os ataques a escolas e avalia que, "até agora, todas as soluções aventadas, tanto pelo governo quanto pela oposição, são inócuas"

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Hoje, tivemos mais um caso de violência às escolas. Em Goiás, um estudante feriu outros três com armas brancas. Armas brancas não são novidades, aliás, há quem defenda que o uso de armas de fogo se dá pela militarização cada vez maior das escolas, numa espécie de dilema da segurança. Em todos os casos, os perpetradores da violência se armam com espadas japonesas, facas e etc. É claro que a liberação de armas de fogo que Bolsonaro fez na sociedade concorre para aumentar a violência, mas há um fenômeno ainda mais perturbador por trás.

Afinal, o que está acontecendo? Estamos tendo uma “organização” por trás organizando e disparando os ataques atuais em sequência? Eu acho que não. Até termos uma comprovação de mentoria e organização centralizada, há explicações mais simples e melhores para o que estamos vivendo. Compreender tais explicações é essencial para podermos agir nesses casos. Até agora TODAS as soluções aventadas, tanto pelo governo, quanto pela oposição são inócuas. Precisamos de um pouco mais de cuidado no que se pensa fazer para conter a violência.

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Uma das linhas de explicação do fascismo, tem base na psicologia. Para estes autores, o sistema político-social e cultural que emerge visivelmente – e que chamamos de fascismo – é uma consequência de condições psicológicas que se replicam a partir essencialmente de dois comportamentos: por um lado o processo de castração (contenção violenta dos impulsos e interesses sexuais por meio da educação conservadora) acaba gerando uma sociedade de frustrados e recalcados e, por outro, o desarranjo das formas de controle sobre o uso perverso dos micropoderes gera o que se chama de “microfascismos”.

Ambos os casos têm seu epicentro nas escolas, e reverberam por todo o tecido social.

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No caso do processo de castração, a argumentação inicia com Reich. Reich não desavém a explicação econômica ou sociológica do fascismo, apenas acredita que a questão psicológica é anterior. Sociedades patriarcais, conservadoras que impõem regras sociais, educacionais e de etiqueta sobre o comportamento sexual dos jovens acabam por gerar o fenômeno da castração. O indivíduo se vê obrigado (por violência) a transformar seus interesses e impulsos sexuais para se adequar ao “padrão”. Esse processo de auto violência nunca se dá espontaneamente, é sempre a partir da família, da escola e dos elementos culturais presentes numa determinada sociedade.

Não é difícil entender a importância da educação sexual nas escolas. Até para poder desarmar esses sistemas de violência reprimida que operam a partir de famílias conservadoras que estabelecem a errada ideia de que seus filhos e filhas são “propriedade” delas. Estabelecendo aí toda sorte de violências psicológicas que, uma hora, podem explodir em ataques de raiva e fúria.

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O Brasil de Bolsonaro e do MBL ficou conhecido por atacar espetaculosamente exposições, filmes e obras de arte por motivos fúteis ligados às “pautas de costumes”. A criminalização do comportamento sexual desviante foi característica do Brasil nos últimos dez anos. Essa conta um dia chega.

Se juntamos a isso uma sociedade machista que coloca o homem no espaço social de recebimento de todas as dádivas, é possível ver o nível de frustração que jovens do sexo masculino são submetidos. Há uma promessa no Bolsonarismo de que o “homem” vai ocupar o espaço social “que lhe é devido”. Isso significa que o homem (hétero) vai ser querido, respeitado, temido, obedecido e desejado. Quando – na Escola – os jovens do sexo masculino, já submetidos a um processo de castração psicológica, se dão conta que um sistema educacional e político que permite às mulheres ignorar os espaços imagéticos do “homem alfa”, é contra essa escola e essas mulheres (na figura de professoras e colegas) que a violência se projeta. O ataque a outros meninos ocorre por “vingança” e contingência. O alvo é o sistema escolar (inclusivo, reflexivo, crítico e plural) e às mulheres.

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A outra explicação de cunho psicológico vem de Deleuze e Guattari. A ideia de que o fascismo é humano, vive em cada um de nós foi tremendamente desconfortável para a sociedade do final do século XX que tinha se acostumado a entender o fascismo como uma monstruosidade externa a si. Ao trabalhar com a ideia de que as práticas fascistas se originam em micro comportamentos que estão presentes em quase todos nós permite a compreensão de que o fascismo, quando se estabelece como sistema político-social, nos mostra que o problema é bem mais profundo. De uma forma breve, Deleuze aponta o abuso dos micropoderes de cada um (e o prazer que se sente nesse processo) como posturas geradoras dos grandes movimentos fascistas. É quando um policial bate num jovem negro de periferia sem nenhum motivo de segurança técnica para fazê-lo, e sente prazer nisso que se pode ver o micro fascismo. O pai que fustiga filhos e esposa simplesmente pelo gosto de poder exercer poder. O jovem que, fisicamente um pouco mais desenvolvido, gera reiterados momentos de violência contra seus colegas e por aí vai.

Deleuze e Guattari dizem que, numa sociedade sadia, há meios de controle e repressão desses microcomportamentos. Desde interditos educacionais e sociais, até a afirmação de direitos. Quando um jovem começa a demonstrar esses sinais, professores coíbem a continuidade deste comportamento com intervenções simples, como uma bronca, uma suspensão ou um “bilhete aos pais”. A sociedade também impõe regras de afastamento a esses comportamentos e a afirmação do direito das mulheres é também uma forma de controle. Ocorre que, numa sociedade em que a escola foi desmontada, os professores são mal remunerados e criminalizados e sua capacidade profissional praticamente some diante de turmas com quase 50 alunos, é impossível detectar esses comportamentos e trabalhar nessas nuances.

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Não há, hoje, nenhuma ordem centralizada organizando os ataques às escolas brasileiras. Há um estado de desarranjo social que destruiu a figura central da escola e dos professores. Toda vez que um jovem político apedeuta-liberal invadia uma escola e bradava com seu celular de que os alunos precisavam “se rebelar” contra alguma prática inerente à escola, ele cooperava (racional e irracionalmente) para a ruptura dessas microsseguranças que toda a sociedade constrói na luta diária contra o fascismo. Quando um neoliberal acha que o valor de um professor é medido no tempo dele em sala de aula vomitando conteúdos sem sentido, ele também contribui para desorganizar a forma mais barata (economia da violência) que a sociedade desenvolveu para identificar e tratar essas perversidades enquanto ainda manifestações mínimas.

Policiais armados, disque denúncias, detectores de metal, ensinar “autodefesa” para alunos e professores só fazem É REFORÇAR as mesmas causas que geram esse desarranjo. A escola precisa voltar a figurar na sociedade como uma instituição capaz de se autogerir e os professores precisam voltar a figurar como a primeira linha de contenção dos comportamentos violentos e abusivos que – ali adiante – tornar-se-ão fascistas. O problema é que a extrema-direita se alimenta desse desarranjo e desses comportamentos e a esquerda não quer entender efetivamente o que está acontecendo.

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Todos perdidos, mas, por conta da nossa ignorância, a sociedade democrática está contribuindo ativamente para a sua destruição. Desconhecer a complexidade dos fenômenos com que se está lidando e propor ações “simples” para resolver costuma piorar o cenário. E é isso que hoje acontece.

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