O que esquentou a cabeça do Frias?
O editorial da Folha é de um desespero bisonho, ele dá a última cartada dos alucinados, que não seria mais uma covarde (porém elegante) renúncia
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mandava pra dentro uma excelente maconha plantada na casa de um amigo em Montevidéu.
enquanto fumava, lia pelo smart o editorial da Folha que um parceiro me indicara em tom de galhofa.
fumava e lia. o amigo, nenhum pouco incomodado com a minha insolente atenção ao telefone, ouvia Jorge Drexler e acariciava as plantas.
o aroma do ambiente é deliciante.
Juanpito, meu camarada, preferiu a técnica hidropônica e cultiva suas plantinhas sem usar a terra.
alimenta-as com nutrientes poderosos.
e o faz de forma mântrica e terapêutica. música, carícias e atenção.
o texto do Frias rola pela tela do meu smart. trata-se do famoso editorial dominical em tom de ultimato.
pra mim, uma peça absolutamente bisonha. termino de ler e fico pensando: "o que leva um cara a escrever um troço desses? com que disposição de espírito o plutocrata digitou aquilo?"
tivesse fumando unzinho com um amigo no Uruguai, certamente comporia uma peça mais agradável; menos espuma e mais fumaça, pensei.
na parede da horta indoor do meu camarada havia o famoso quadro de Munch pendurado. o Grito.
na tela a gravura se modifica, começa a se mexer. em poucos instantes o cabra com a boca aberta e as mãos na fronte é Frias.
a ponte regurgita uns cabos estranhos e se torna estaiada. na paisagem disforme do fundo identifico o Tietê, a grande obra de arte tucana, um monte de merda flutuando.
efeito da erva, dirão.
quiçá, direi.
cultivada de forma correta, com a temperatura ideal, contanto com a atenção e o cuidado carinhoso do agricultor, a erva caseira, limpa e pura, produz um indescritível barato na mente do sujeito.
o cultivo mântrico produz um efeito tântrico. talvez isso tenha me ajudado a enxergar, na gravura, o desespero de Frias.
O seu editorial era um grito, talvez o último, por isso o desespero, por isso o tom de ultimato.
explico pro amigo do que se trata e ele me pede para lhe contar mais. conto com essas mesmas palavras que vos conto agora.
no dia 27 de outubro de 2014, Aécio estava na apê da nepótica irmã, em Beagá. muitos amigos, canapés, rapapás e otras cositas más.
a TV, ligada na Globo (por supuesto, disse o amigo), contava voto por voto.
a noite ia alta quando foi publicada a inefável foto do candidato mineiro com a mão na cintura, como um jogador que acaba de perder o último pênalti numa final de campeonato.
o resultado foi realmente apertado, nos pênaltis.
o derrotado, como reza o fair play, deveria ter ido ao chuveiro, tomado uma demorada ducha e em seguida se trancado na sua fazenda, por uma semana, só tomando pinga e chorando no colo da irmã, até secar as lágrimas.
depois, vestia o paletó e ia ao senado trabalhar e se preparar para a próxima eleição, certo?
errado.
antes do sol raiar, antes mesmo que o primeiro galo cantasse, Aécio já estava no portão da casa da juíza do TSE; olhos esbugalhados, a pedir a recontagem dos votos.
mas a essa hora, senhor? A doutora juíza ainda está dormindo. redarguiu o mordomo.
meu amigo deu uma estridente gargalhada. enquanto eu falava ele monitorava meticulosamente a iluminação de sua plantação.
ele usa luzes de LED para simular a luz solar; o LED consome menos energia que as luzes convencionais e produz menos calor.
Juanpito usa uma lupa para ver os matizes que colorem a florada, assim ele sabe se os camarões já estão amadurecendo.
mas esse Aécio queria a recontagem dos votos que deram a ele? perguntou-me.
não, cara. queria recontar os votos de Dilma, só os dele eram legítimos. se ele tivesse vencido, as eleições teriam sido as mais limpas da história da humanidade.
no te creo, o chapado Juanpito, isso é mais ou menos o que fez a UNITA em Angola. aceitaram as eleições e as regras, mas perderam. aí disseram que foi ilegal e imoral. os canalhas agem sempre assim.
bom, retomei a palavra, o sol raiou, os juízes foram trabalhar e Aécio apareceu no tribunal, barba por fazer, ainda com o mesmo uniforme da derrota.
temos que recontar os votos, bradou.
tirem esse homem daqui. ordenaram.
na semana seguinte ele voltou. queria auditar as urnas, tinha certeza que foram violadas.
é urna pra cacete, disse um juiz, nós temos mais o que fazer, seu maluco. alguém dê um banho neste homem.
solidários, companheiros de partido e amigos da imprensa lhe trouxeram sanduíches, água, lenços umedecidos...
e Aécio se tornou um Napoleão de hospício. chegou a declarar-se presidente, disse que Dilma, leviana, ganhou mas não levou.
os amigos do sanduíche lhe deram apoio. Jogaram mais ração, e incorporaram sua sandice, até que um dia decidiram acampar com ele.
como a tentativa de anular os votos deu com os burros n'água, armaram a barraca do impeachment.
no Camping midiático só se falava nisso. Impeachment, impeachment.
revoltados online e offline trouxeram suas barracas. pediam doações, vendiam camisetas, inflavam bonecos... tudo sem nota fiscal.
de repente, Aécio se multiplicou.
com camisetas da CBF, uma multidão de maus batedores de pênaltis marchou pelas ruas a gritar impeachment, a bater panelas.
amigão, pra ter impeachment tem que ter uma acusação formal, orientou um juiz amigo.
Um jurista, também amigo, fez um parecer, formalizou uma peça. Os acampados deliraram, é agora.
mais uma vez deram com os burros n'água.
rapaz, tem que ser por algo feito neste mandato, o que passou passou. disse um juiz recém empossado.
Com mil diabos, gritaram os alucinados. Vaca, puta, filadaputa. Petralhas, comunistas, vagabundos...
vociferavam os loucos em estado cada vez mais acelerado de loucura.
os amigos togados juntaram-se aos da mídia e tentaram o golpe hondurenho; burros n'água.
tentaram o golpe paraguaio; burros n'água.
e assim se passaram dez meses desde a derrota.
apelaram para o financiamento da campanha da presidenta. vamos contar todas as cédulas, se tiver uma nota de 50 lascas que for falsa ali a gente pede a impugnação, disseram.
deve ter várias notas de três reais nestas doações, aconselhou o Pequeno Kim, uma espécie de souvenir de Aécio.
burros n'água.
o tempo foi passando, a mídia internacional passou a ridicularizar o movimento; o grande capital passou a sentir vergonha daqueles maus perdedores; passou-se a ventilar que se assumissem o poder, esses alucinados não saberiam o que fazer:
imagina, Pequeno Kim, ministro da educação; Marcello reis, segurança; Olavo de Carvalho, relações exteriores...
o acampamento minguou, o boneco inflável murchou e nada, ninguém conseguiu apontar um fato concreto que deslegitimasse os 54 milhões de votos da presidenta.
vendo que não conseguiriam derrubá-la, mudaram a tática.
FHC, civilizadamente, escreveu um artigo no jornal do Frias e pediu para a presidenta, elegantemente, renunciar. veja que coisa.
mas como renunciar, cara? assustou-se o pequeno agricultor uruguaio.
Juanpito, o fato é que não teve recontagem, não teve impeachment, não teve renúncia, não teve porranenhuma.
no meio dessa patranha toda, os caras criaram uma crise política para tirar a sustentação da presidenta. junto a isso veio a crise econômica que assola a metade do mudo civilizado.
contra tudo e contra todos, a presidenta vai se segurando.
no final das contas ressuscitaram um tal Hélio Bicudo, que apresentou um derradeiro pedido de impeachment.
se é bicudo é tucano, interveio o uruguaio.
kkkkkk, gargalhei smartphônicamente. o pior, Juanpito, é que o presidente da Câmara, o ex-golpista metido até o pescoço em maracutaias, mandou o seo Hélio recolher o bico e reescrever a peça.
por isso, o editorial da Folha é de um desespero bisonho, ele dá a última cartada dos alucinados, que não seria mais uma covarde (porém elegante) renúncia.
agora, seria uma espécie de fuga de si mesma.
Frias imagina, em seu delírio, Dilma saindo na garupa de uma moto, de madrugada, mochila nas costas, rasgando o planalto central e fugindo para a Bulgária.
assim termina o infeliz editorial de Frias, que parece ter sido escrito por Aécio, ainda com uma camisa de forças: "não lhe restará [à presidente Dilma Rousseff], caso se dobre sob o peso da crise, senão abandonar suas responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o cargo que ocupa."
ora, direis. ouvir estrelas?
palavra da salvação.
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