O que esperar de 2021?
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A realidade que a sociedade brasileira viveu ao longo de 2020 foi bastante atípica e inesperada. Apesar da expansão global da pandemia, o fato é que determinados países foram mais ou menos afetados pelos efeitos da covid 19. Para além dos problemas de natureza epidemiológica e de saúde pública, o ponto a sublinhar é que a dinâmica econômica foi afetada em todos os continentes. A doença desconhecida passou a exigir medidas de isolamento e confinamento bastante acentuadas, com a consequente redução do nível de atividades econômicas em todos os países.
O problema para nosso rincão reside no que já vinha sendo implementado por aqui antes mesmo do advento da pandemia. Vale recordar que a política do austericídio teve início ainda em 2015, logo no início do segundo mandato de Dilma Roussef. Em decisão surpreendente, ela havia nomeado Joaquim Levy para o comando da economia, que tinha então recebido carta branca para levar à frente um programa marcado pelo viés da ortodoxia monetarista. Desde então passou a ser item obrigatório da agenda governamental essa preocupação obsessiva com a austeridade fiscal. A ordem de cortar, cortar e cortar os gastos públicos virou regra, sem que fosse apresentada nenhuma alternativa para dar continuidade aos programas de natureza social que marcaram os anos anteriores.
Com essa orientação equivocada conquistando corações e mentes dos governantes de plantão desde aquele momento, o Brasil tem apresentado uma sequência inédita de resultados sofríveis para o crescimento anual do PIB. Considerando-se a previsão de uma recessão de 5% para 2020, a série iniciada em 2015 apresenta uma redução acumulada nas atividades econômicas de - 8,1% ao longo do sexênio. A ilustração abaixo exemplifica os resultados proporcionados pela opção austericida. As quedas superiores a 3% em 2015 e 2016 não foram compensadas pelos pibinhos de Temer & Meirelles em 2017 e 2018 e menos ainda pelo pífio resultado apresentado de Paulo Guedes no primeiro ano do mandato e Bolsonaro.
O resultado oficial do PIB de 2020, a ser confirmado pelo IBGE ao longo do primeiro trimestre de 2021, seria ainda mais dramático caso as forças de oposição não tivessem conseguido pressionar o Congresso Nacional a aprovar sua proposta para o Auxílio Emergencial. Isso porque em abril, quando Bolsonaro já desprezava a gravidade da pandemia e a chamava de “gripezinha”, Paulo Guedes havia enviado uma proposta ao legislativo de uma única prestação no valor de ridículos R$ 200. Mas os parlamentares foram sensibilizados pelo discurso dos especialistas e pelo apelo das entidades do movimentos sociais. Com isso, o governo foi derrotado e o desenho inicial do auxílio ficou estabelecido em 5 prestações de R$ 600.
Sem Auxílio Emergencial, 2020 teria sido muito pior.
Essa massa de recursos assegurados pelo Tesouro Nacional e colocados à disposição da população de mais baixa renda e desassistida cumpriu papel essencial no combate à pandemia e aos seus efeitos. A necessidade de confinamento e isolamento refreou as atividades econômicas de forma geral e contribuiu para aumentar ainda mais o desemprego e a precariedade no mercado de trabalho. O recebimento do auxílio permitiu a milhões de famílias uma sobrevivência mínima face ao agravamento da crise, assegurando recursos para o cumprimento de necessidades básicas, a exemplo de alimentação e medicamentos.
Vale lembrar que o PIB do segundo trimestre de 2020 havia sofrido uma queda de - 9,7% e a recuperação verificada entre julho e setembro (+7,7%) só foi possível graças aos efeitos macroeconômicos derivados da massa de recursos associados ao auxílio emergencial. De alguma maneira, o consumo foi mantido em níveis mínimos e os próprios caixas dos 3 níveis de governo foram afetados positivamente, dada a elevada regressividade de nossa estrutura tributária. A incidência de impostos sobre bens e serviços pesa proporcionalmente muito mais sobre a população de baixa renda.
Com a redução do valor do benefício para R$ 300 a partir de setembro e seu fim decretado para 31 de dezembro passado, os efeitos recessivos certamente de tais decisões serão conhecidos com a divulgação das próximas estatísticas pelo IBGE. Além disso, considerando que as informações da área da saúde nos permitem concluir a respeito do ingresso iminente em uma segunda onda da covid 19, os efeitos econômicos das medidas de um retorno necessário a padrões mais rígidos de isolamento a partir de meados de janeiro apontam também para um quadro de maior recessão.
Ampliação da carestia e da miséria.
Ora, face a tal conjuntura, recoloca-se com maior vigor a necessidade de uma discussão ampla respeito dos equívocos da manutenção ao dogma da austeridade fiscal a qualquer preço. Caso não sejam aceitos os argumentos relativos à premência de adoção de medidas contracíclicas por parte do Estado, há sério risco de eclosão de revoltas generalizadas. O Brasil já retornou ao mapa da fome da ONU, desde que o austericídio passou a fazer parte da agenda oficial do país.
O quadro de miséria foi agravado pelos efeitos da recessão, sempre combinada com a redução significativa das despesas públicas nas áreas sociais, como saúde, assistência social, educação, previdência social e outras. As estatísticas oficiais do próprio governo demonstram a tendência de elevação do número de pessoas em situação de miséria, tendo atingido a triste marca de 14 milhões de famílias em outubro de 2020. Isso significa por volta de 40 milhões vive4ndo sob tais condições de penúria.
Pesquisas recentes demonstram que a redução do auxílio provocou também a diminuição na aquisição de alimentos para a faixa da população que depende do benefício. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância da ONU (UNICEF),o número de brasileiros sem dinheiro para comprar alimentos teria dobrado entre julho e novembro do ano passado. Mas na lógica criminosa da tecnocracia financista, isso são apenas números necessários para se alcançar a tal da sacrossanta estabilização macroeconômica. Uma loucura!
Revogar o teto de gastos e retomar Auxílio de R$ 600 até o fim da pandemia.
A continuidade do Auxílio Emergencial no valor mensal de R$ 600 até o fim da pandemia se coloca como medida essencial para que o Brasil consiga superar esse período de dificuldades sem que ocorra um aprofundamento ainda mais dramático do quadro de carências e desigualdades. Além disso, é fundamental que seja revertida a orientação do fiscalismo irresponsável e austericida. As rubricas orçamentárias das áreas sociais precisam urgentemente terem seus valores recuperados para antes da vigência da EC 95. A medida de congelar os gastos primários por longos vinte anos tem agravado o quadro de desmonte dos serviços públicos, tal como definidos na Constituição.
Os fiscalistas não fazem outra coisa senão semear o pânico a respeito da catástrofe associada ao aumento do déficit nas contas governamentais e do estoque do endividamento público. Se já propagavam esse sentimento de forma irresponsável nos tempos em que a situação fiscal ainda era confortável até 2014, agora então deveríamos estar já completamente quebrados. Imaginem se fosse outro governo a anunciar um déficit primário do setor público da ordem de R$ 850 bilhões em 2020, equivalente a 12% do PIB, como fez o Ministério da Economia há poucos. Mas como o regente da ópera descontrolada é o queridinho do financismo, os grandes meios de comunicação não fazem o alarde costumeiro. Paulo Guedes continua recebendo o apoio para seu programa de desmonte de políticas públicas e de desconstrução do estado brasileiro.
Como o processo de alteração constitucional é lento e o governo não pretende jogar a toalha para reconhecer a falência do teto de gastos, é possível que haja alguma gambiarra para evitar que Bolsonaro incorra em mais um crime de responsabilidade fiscal. Seria a hipótese de se decretar novamente o estado de calamidade, para evitar que regras draconianas como meta de resultado fiscal, regra de ouro e o próprio “estouro” do teto de gastos sejam aceitos de forma excepcional. Mais uma vez, o capitão se esquiva e joga a responsabilidade para o parlamento.
Mais do que nunca, rumos de 2021 vão depender das opções políticas.
Mas Bolsonaro já deve estar recebendo conselhos a respeito da insanidade da opção de Guedes pela espera messiânica da fada das expectativas. O Presidente sabe que sua pretensão de reeleição em 2022 depende do segundo biênio de seu mandato. E isso significa que ele precisa compensar o fracasso de 2019 e 2020. Para tanto, o governo precisa estar livre das amarras fiscais para realizar programas em áreas vitais. A começar pela continuidade do Auxílio Emergencial, subitamente interrompido na passagem do ano.
Assim, a resposta à pergunta embutida no título do artigo depende, mais do que nunca, das variáveis no âmbito da política. 2021 pode nos proporcionar de tudo e também o seu contrário. A galera do sistema financeiro adora fazer previsões e estas já apontam para um crescimento do PIB de 3,4%, segundo a seleta pesquisa semanal realizada pelo Banco Central junto à nata do financismo. Mas a verdade é que, nessa altura do campeonato, com tantas incógnitas no processo, onde nem o Lei Orçamentária ainda foi votada pelo Congresso Nacional, qualquer número é puro chute, não passa de mera especulação.
O processo de escolha do presidente da Câmara dos Deputados é elemento essencial nas perspectivas da economia. Caso o Palácio do Planalto seja derrotado em sua campanha por Arthur Lira, os riscos aumentam de forma considerável para Bolsonaro. Lembremos que o dirigente daquela casa legislativa é o responsável pelo início de processos de impeachment, bem como é ele quem comanda a pauta política no legislativo.
É pouco provável que a insistência cega e burra de Paulo Guedes com a temática monocórdica de “reformas & privatização” continue sendo convincente ao núcleo articulado em torno do Presidente da República. Está em curso um processo de reacomodação ministerial, com o embarque de mala e cuia no governo de diletos representantes da sopa de letrinhas do fisiologismo partidário, tendo o experiente MDB à frente. Esse pessoal só topou participar de um governo desgastado em razão das expectativas criadas em torno de cargos e verbas. Mas eles mantêm o olho também na preferência do eleitorado, sabendo que precisam ter algo a mais para oferecer em outubro do ano que vem. E para tanto, há que se rever a política de corte de despesas públicas.
Mas a vida é dura. A recessão deve continuar e o desemprego também. Sob tais condições, é bastante provável que Paulo Guedes sinta o calorzinho do fogo amigo chegando mais perto. Assim, as suas margens de manobra ficam cada vez mais estreitas e o seu contorcionismo retórico e falacioso produz menos feitos do que antes. Ora, face a tal quadro, ou ele muda seu dogmatismo financista para permanecer no governo ou Bolsonaro terá que recorrer a alguma outra fórmula mágica para o comando da economia.
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