O que dizem os mortos
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No acirramento das disputas, na política, às vezes, os envolvidos se radicalizam e, podendo, matam adversários ou gente que se arriscaria a vir a comprometê-los. Desde Machiavel (que, aliás, defendia a estratégia), não foram poucos os que, nas sombras da noite, executaram e ocultaram cadáveres de opositores. Mussolini, ainda no início de carreira, providenciou medidas semelhantes, saindo-se pela tangente cada vez que o acusavam de tê-lo feito. O problema, quanto a isso, é que, frequentemente, os mortos falam, obcecam os vivos, iluminam situações, para surpresa de algozes e torturadores. É interessante lembrar que Jules Michelet, o historiador francês, reconhecia o papel exercido pelos que se foram sobre os vivos, a ponto de frequentar cemitérios para buscar informações e se inspirar na feitura de seus fascinantes livros. O escritor inglês D. H. Lawrence, por seu turno, depois de uma viagem aos Estados Unidos, previu que o massacre de indígenas e a escravidão dos negros um dia retornariam ao psiquismo do futuro para martirizar as mentes.
Estas não são, pelo visto, informações que participam dos sistemas culturais de Bolsonaro. Ele, aparentemente, se educou na prática das ações, no toma-lá-dá-cá dos combates parlamentares ou nos degraus de sua ascensão, cavada com cimento, areia, pá e picareta. Se conhecesse a História, talvez levasse em conta as lições deixadas pelos nossos antepassados. Sobre isso, comentando o caso Adriano da Nóbrega, numa de suas entrevistas, não teria cometido a gafe de evocar Marielle Franco em lugar do ex-PM do BOPE assassinado na Bahia. Afirmou, então, o que pareceu difícil de crer: que não possuía motivos para “apagar” a vereadora e que não se envolveu com a conspiração ainda hoje não esclarecida pelas autoridades. De certa maneira, frente ao episódio, não se revela impossível concordar com Michelet e Lawrence quanto ao peso que os mortos exercem sobre os vivos. Ele nada tem de historiador, dá a impressão de passar ao largo dos cemitérios e olhar para o outro lado – e se sente leve, quase imortal, imune a epidemias e vírus de toda ordem. Não será a primeira vez que um ser humano, na sua maturidade, se imagine apto para andar entre os pingos da chuva sem se molhar ou ter certeza de que jogou as vítimas de seus movimentos para baixo do tapete.
Na verdade, ao contrário, cada vez que injustiças são executadas por parte do poder, ocorre algo de misterioso que retorna à mente e, mais cedo ou mais tarde, exigindo respostas. Crimes de Estado são difíceis de apurar. Afinal, os aparelhos investigativos se encontram nas mãos dos responsáveis que não demonstram nenhuma vontade de clarear os fatos. A execução de PC Farias e de sua mulher, à época de Fernando Collor de Mello aí estão impunes, jogados no esquecimento, de onde não dão a sugestão de querer sair.
Marielle Franco e Adriano da Nóbrega, a primeira solidária aos oprimidos e o outro da corporação da bala, ainda frescos em seus túmulos, insistem em agitar os círculos políticos de nossa democracia bamboleante, com poucas forças para se endireitar. O mesmo se verifica com as vítimas da ditadura, gente que caiu sob torturas nas mãos de militares duros e cruéis. A Argentina, que passou por crises semelhantes, esforçou-se em punir os seus responsáveis, para que nunca mais volte a passar por isso. Teve consciência dos males que legam a falta de justiça na crônica de um país. Afinal, coragem é um comportamento que não nos serve somente de vez em quando, se a situação aperta. É, sobretudo, o que testa a nossa força enquanto nação, para que não nos confundamos com os poltrões.
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