O PT, a canoa furada e a coragem

Colunista Aldo Fornazieri avalia que, após a entrada no bloco de Rodrigo Maia, o PT "montou uma armadilha para si mesmo". "Se do bloco e Arthur Lira vencer, o PT será acusado de ser o responsável. Se ficar no bloco de Maia, além de apoiar um notório conspirador, traidor e golpista, estará reforçando a linha auxiliar de Bolsonaro", afirma

Gleisi Hoffmann
Gleisi Hoffmann (Foto: Ricardo Stuckert)


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Ao entrar no bloco de Rodrigo Maia, o PT embarcou numa canoa furada..., ou furou sua própria canoa. Não comanda; é comandado. Não dirige; é dirigido. Perdeu sua autonomia nessa questão. A principal justificativa oferecida pela presidente do partido, Gleisi Hoffmann, para entrar no bloco consiste em ter a primazia de escolher um cargo na mesa diretora. Lutar para derrotar o candidato apoiado pelo governo poderia ser feito sem entrar no bloco.

Com a entrada no bloco, o PT montou uma armadilha para si mesmo. Se do bloco e Arthur Lira vencer, o PT será acusado de ser o responsável. Se ficar no bloco de Maia, além de apoiar um notório conspirador, traidor e golpista, estará reforçando a linha auxiliar de Bolsonaro. Sim, porque o MDB não é oposição a Bolsonaro, mas linha auxiliar do governo. Baleia Rossi votou em cerca de 90% das propostas do governo na Câmara. O MDB ocupa lideranças do governo no Congresso, a exemplo de Fernando Bezerra no Senado. 

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O PT e as esquerdas em geral mostram-se incapazes de fazer uma oposição efetiva ao governo no Congresso. Não conseguiram emplacar nenhuma CPI. Nem mesmo uma CPI da Saúde para investigar os desmandos criminosos de Bolsonaro e do general Pazuello, as suspeitas de omissões da ANVISA e a absurda produção de cloroquina do Exército. As CPIs sempre foram tidas como instrumentos das minorias. Mas o que se vê é uma minoria sem vontade de lutar. A rigor, as oposições terceirizam a necessidade de enfrentar o governo para o STF e deixam de cumprir seu dever e a função que o eleitorado lhe reservou. Triste país que não tem governo e não tem oposição. 

Sob as últimas direções, o PT foi transformado num partido lamentável e num partido de lamentações. Perdeu a combatividade e a coragem de lutar. A coragem é a virtude primária e fundante da ação política. Sem ela, não há atividade, não há luta, não há grandeza e não se conquista a glória. A coragem é uma virtude que requer o exercício permanente de sua pedagogia. Caso contrário, ela fenece e morre em um corpo político – Estado, partido ou movimento. 

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Não há pedagogia da coragem sem a capacidade e o sentimento da indignação ativa. O PT dos últimos anos vem matando aos poucos a coragem, substituindo-a pela covardia. Em 2013, quando a direita começou a tomar as ruas, o PT recolheu suas bandeiras. Não foi capaz de construir um caminho próprio de mobilizações e de defesa do governo. 

Esta batida em retirada provocou graves danos em 2015. A direita se pôs nas ruas desde o início do ano para derrubar o governo. O PT ficou aquartelado o ano inteiro, confiando no Judiciário, na Polícia Federal, na Câmara dos Deputados, nos ministros do centrão e no seu principal aliado, o então PMDB. Somente no final do ano ocorreu um ato na Faculdade São Francisco e uma caminhada da Avenida Paulista à Praça da República. Em 2016, os atos na Paulista nunca atraíram o apoio do povo. Eram atos de militantes e ativistas. A derrota já tinha sido construída nos anos pregressos. O resultado foi a deposição da Dilma da presidência.

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 O 17 de abril de 2016 foi um dia da vergonha em duplo sentido. Foi um dia da vergonha pelo espetáculo dantesco e degradante que a maioria dos deputados ofereceu no processo de votação na Câmara. E foi um dia da vergonha para quem estava no Vale do Anhangabaú e viu a militância se retirar silenciosa, desolada e cabisbaixa, sem luta e sem protestos e sem comando. Aquela atitude prenunciava os anos seguintes: todas as mobilizações contra Temer e suas políticas antissociais fracassaram. Contra Bolsonaro as mobilizações escassearam ainda mais. E quando as torcidas organizadas convocaram atos contra o fascismo e em defesa da democracia, a bancada do senado do PT exercitou a pedagogia da covardia desaconselhado o comparecimento nos protestos. 

O fato é que o PT do século XXI destruiu o PT do século XX. Destruiu suas virtudes, sua combatividade, sua coragem. O PT das portas de fábricas, da luta contra a carestia, do apoio aos sem terra, das greves universitárias, dos enfrentamentos nas ruas, foi substituído pelo PT dos gabinetes, dos hotéis de luxo, dos restaurantes finos, dos vinhos caros e, mais recentemente, pelo PT das lives. 

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O PT de Xapuri, de Imperatriz do Maranhão, dos peões de Santarém, de Chico Mendes, do enfrentamento da Lei de Segurança Nacional, do enquadramento dos seus líderes pela LSN, das prisões de seus líderes, esse PT não existe mais. O PT do enfrentamento da UDR, da violência no campo, da luta contra a carestia, do assassinato dos indígenas e do massacre de Leme, ficou no passado. Para Leme foram Suplicy, Jacó Bittar e Hélio Bicudo. No dia do tiroteio e da chacina lá estavam os deputados Djalma Bom, Anísio Batista e José Genoino. 

Onde querem estar os deputados do PT de hoje? Na mesa diretora da Câmara dos Deputados... O PT da guerreira bancada do Congresso Constituinte foi substituído pelo PT das bancadas acomodadas e conciliadoras. O PT que construiu a democracia nas lutas, nas greves, no campo, nas cidades, nas universidades foi substituído pelo PT que apoia aqueles que traíram a democracia.  

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O espírito de combate e de grandeza do PT do século XX foi substituído pelo espírito do cálculo mesquinho dos cargos, salários e fundo partidário do PT do século XXI. Este PT até pode vencer eleições, mas não mudará o Brasil. O lamuriento PT de hoje invoca o passado recente para acobertar a sua incompetência e incapacidade de enfrentar os grandes desafios de hoje. De enfrentar nas ruas e nas lutas um governo de extrema-direita que destrói o Brasil e infelicita o povo. É esse mesmo PT que tem em suas hostes próceres que não convencem o povo e culpam o povo pela tragédia que se abate sobre ele. O PT da burocracia e da aristocracia parlamentar parece que se esqueceu de uma lição básica da política de toda a história: os povos precisam de direção e sentido ofertados por líderes virtuosos e persuasivos, capazes de comandar e liderar. 

Dizer que a sociedade em que surgiu o PT não existe mais é uma verdade que não resolve o problema. O Brasil, fundamentalmente, não mudou. Em vários aspectos, até piorou. As tragédias do povo se agravaram. O PT também piorou. 

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O fato é que hoje o manto vermelho do combate não é mais hasteado na frente da tenda dos comandantes do PT. Até porque não estão mais em tendas, mas em gabinetes perfumados. Guardaram aquele manto no baú do esquecimento. Não se vê, nas linhas de frente do PT, combatentes a exemplo de centuriões como Caio Crastino que, com sua coragem e um punhado de companheiros, avançou contra a infantaria inimiga de milhares de homens, para abrir fileiras para seus camaradas inferiorizados. 

O PT não tem em seu comando alguém destemido como o cônsul Públio Décio Mus que, montado em seu cavalo, avançou sozinho contra um exército inteiro, sacrificando-se para estimular a coragem dos soldados amedrontados ante a superioridade inimiga. O seu sacrifício e o seu destemor salvaram a pátria. Essa devoção ao sacrifício pela causa ou pela pátria perdeu-se no transitar dos séculos.

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O PT de hoje até penetra nas fileiras inimigas, mas para abraçar o seu oficialato. O PT de hoje pode ter uma certeza: os jovens combativos que estão nas lutas procurarão outras agremiações, outros movimentos, outros camaradas para exercitar a sua coragem e sua valentia pelas causas se o PT não mudar. E se não mudar, será cada vez mais o partido da burocracia e da aristocracia parlamentar que até pode vencer eleições, mas não mudará o Brasil. 

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