O princípio federativo e a separação dos poderes
Entende-se a insensatez de Bolsonaro, embora não se justifique, em querer negar a extensão da crise sanitária e social e empurrar o país para "a normalidade econômica". Afinal, ele foi eleito para vender o Brasil e seu patrimônio às empresas estrangeiras, a preço de banana na bacia das almas
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O mimetismo institucional brasileiro, feita a partir da cópia servil da Constituição americana por Rui Barbosa em 1891, produziu uma incongruência política nunca resolvida na vida política brasileira: uma moldura federativa, centrífuga e descentralizadora - cuja base histórica tinha sido as treze ex-colônias americanas e uma herança ibérica de centralização e estado unitário. O ápice dessa incongruência foi a chamada "República Velha", onde a autonomia real das províncias estaduais foi muito além do modelo federativo implantado.
De lá para cá, assistimos progressivamente à redução dessa autonomia dos estados-membros e uma centralização política e tributária, cada vez maior do poder da União. Mesmo com a Constituição de 1988 e o princípio do federalismo fiscal (que passou a incluir os municípios como entes federativos), o que se viu foi enfraquecimento das unidades subfederativas em benefício do poder Central, a par do esvaziamento tributário dos estados-membros da federação brasileira.
A isso, some-se a herança atávica do messianismo político brasileiro que sobreviveu através do nosso sistema presidencialista, onde se diz que o Poder que pode é o Poder Executivo, e não o Legislativo, que em tese se origina na soberania popular através das eleições periódicas. Aqui, a separação de poderes (harmonia e independência entre eles) sempre foi uma ilusão. O desprestígio do parlamento entre os cidadãos sempre foi muito grande, acostumados a uma personalização e clientelismo nas relações do povo com deputados, vereadores e senadores.
O modelo presidencial adotado sobrestima o poder Executivo e menospreza o Poder Legislativo, visto a necessidade de se obter maiorias provisórias para a governabilidade do sistema político. Esta variante de modelo foi chamada de "Presidencialismo de coalizão", onde existem de fato partidos políticos e verdadeiras correntes de opinião. No caso do Brasil, contudo, a realidade é bem diferente.
Em razão do multipartidarismo e da falta de representatividade das organizações partidárias, Dá-se assim uma mutação institucional: o Presidencialismo se torna uma Presidencialismo de cooptação, seduzindo, corrompendo os partidos e tirando proveito da sua fragilidade representativa.
É o que vem ocorrendo no Brasil, em pleno combate da pandemia do coronavírus: um Presidente que se opõe à jurisdição administrativa dos governadores, menospreza os partidos e descumpre cabalmente a lei e as recomendações técnicas da Organização Mundial da Saúde e dos médicos sanitaristas, alegando que "o Brasil não pode parar". Num momento em que as competências administrativas deviam se unir para enfrentar a crise, o que se vê é a concorrência estupida de jurisdição, como se a pandemia fosse municipal, estadual ou nação.
Ora, a pandemia é mundial, não tem fronteiras territoriais ou sanitárias. Atinge todos os continentes por igual, E nos atinge num momento de mais frágil idade social e sanitária: a ancora fiscal e o corte drástico nas despesas com saúde pública, educação pública, assistência social etc. O Brasil foi alcançado pelo CoronaVirus em um dos piores cenários sociais que se possa imaginar: economia em recessão, alto desemprego, aumento da pobreza e da miséria no país, sistema único de saúde ameaçado pelo corte de verbas, aumento da informalidade e do emprego precário, enfim, um cenário ideal para a devastação social.
Entende-se a insensatez de Bolsonaro, embora não se justifique, em querer negar a extensão da crise sanitária e social e empurrar o país para "a normalidade econômica". Afinal, ele foi eleito para vender o Brasil e seu patrimônio às empresas estrangeiras, a preço de banana na bacia das almas. E a pandemia atingiu em cheio às atividades econômicas. O que o impede de cumprir o mandato para o qual foi eleito.
No entanto, como se diz, o Presidente - como sucessor do messias, não pode tudo. Ele não descende daquela geração dos reis miraculosos que faziam milagres com um simples toque nos súditos, embora algumas igrejas o tenham ungido com [óleo bento. Ele não pode e não deve colocar em risco a vida de milhões de brasileiros ou condená-los à fome, em razão dos ditames ultraliberais do mercado, por mais que alguns empresários o estimulem a fazer isso.
Insistir nessa marcha da insensatez é produzir um genocídio da população brasileira e destruir o principal ativo da nação: o seu povo, os empregos, a renda\consumo, a identidade cultural, os direitos e garantias fundamentais, a própria sobrevivência das instituições políticas brasileiras, ou o que resta delas.
A recente aprovação pela Câmara dos Deputados do programa de renda mínima para os brasileiros, embora não seja suficiente, é um alento no meio dessa imensa crise social. Pode e deve ser complementado por iniciativas da própria sociedade civil organizada no sentido de amenizar o sofrimento dos nossos concidadãos e concidadãs.
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