O preço da insensibilidade
A administração Bolsonaro estica a corda, pouco se lixando se comete ou não injustiças. Uma de suas últimas iniciativas foi sonegar por lei aos professores
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Patologias localizadas em indivíduos nem sempre equivalem, de fato, às encontradas em contextos sociais. Há casos, no entanto, de coincidências. Instantes em que a indiferença prevalece são, com frequência, males coletivos, refletindo-se em casos pessoais e envenenando, digamos assim, relações humanas, como se os envolvidos, de repente, não se reconhecessem como iguais.
Houve semelhante fenômeno às vésperas da II Grande Guerra, quando as nações assistiram de braços cruzados ao crescimento do nazifascismo, até que, como se despertassem da letargia, partissem para o confronto. Hoje, no Brasil, apresentamos comportamento semelhante. Vemos o circo pegar fogo e aguardamos com poucas reações que algo se verifique para nos salvar da situação. Pequenos detalhes demonstram o fenômeno.
Albert Camus, num livro publicado em 1942, O estrangeiro, detectou a natureza de tal comportamento. O inesquecível personagem Meursault, tomado pela apatia, dá a impressão de bater nas paredes quando anda, sem notar que se acha no meio de um desastre. Em dado momento, mata um árabe porque o sol lhe bateu sobre os olhos e mal notou o que fazia. A sucessão de eventos o levará a um processo e a seu desfecho trágico, não estivéssemos diante de algo previsível do início ao fim.
Pois aqui também, a administração Bolsonaro estica a corda, pouco se lixando se comete ou não injustiças. Uma de suas últimas iniciativas foi sonegar por lei aos professores, de maio de 20 a dezembro de 21, o tempo de serviço, justo o período da pandemia, quando praticamente ninguém podia sair de casa e, mesmo assim, se trabalhava por meio de aulas virtuais, com as despesas pagas pelo próprio bolso.
Nesta fração de tempo, segundo a Lei Complementar aprovada e sancionada pelo governo, a categoria não pode esperar direitos, como adicionais para licença prêmio, anuênios, quinquênios e outros benefícios. A violência do gesto ultrapassa as medidas do bom-senso e o respeito que, em toda parte, em princípio, se deve aos integrantes do magistério.
Não é o primeiro sinal de insensibilidade com relação a garantias sociais que o governo apresenta. As alterações no direito trabalhista, uma por uma, se acumularam desde o golpe de 2016, tirando Dilma Rousseff do poder. Se a corrente continuar, resta saber em que nos transformaremos. No Jacarezinho, onde a polícia massacrou pessoas indefesas – e tudo ficou por isso mesmo – a polícia retornou e destruiu um memorial aos mortos que ali se havia erguido. Desta vez, convém esclarecer, a iniciativa emanou do governo do Estado do Rio, responsável pela matança anterior e sem disposição para ver suas ordens contestadas.
São preços que se pagam pela exposição da insensibilidade. O estado de passividade com que aceitamos a barbárie faz com que ela cresça. Os passos seguintes... Bem, não é necessária a capacidade da premonição para imaginar como e onde deverão ocorrer. É certo também que, na sociedade, existem forças contrárias, umas a favor e outras contra a arbitrariedade. Clamores surgem aqui e ali. Expressam-se, inclusive, nas pesquisas de opinião prevendo o resultado das próximas eleições. Depois da II Guerra, sabia-se quem eram os culpados. E agora?
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