O povo é o construtor do direito
O que se poderá fazer contra o Judiciário quando, a pretexto de julgar, extrapola os limites da separação dos Poderes, criando, disfarçadamente, normas jurídicas de eficácia abstrata? Acredito que apenas o povo, através de seus representantes, está legitimado a fazer leis
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Aprendemos, ainda nos cursos de graduação, que a jurisdição se compõe de alguns elementos a serem observados com vistas a se chegar à final aplicação do direito material ao conflito. São eles: a notio ou cognitio (poder atribuído aos órgãos jurisdicionais de conhecer os litígios e prover à regularidade do processo), a vocatio (faculdade de fazer comparecer em juízo todo aquele cuja presença é necessária ao regular desenvolvimento do processo), a coertio (possibilidade de aplicar medidas de coação processual para garantir a função jurisdicional), o juditium (o direito de julgar e pronunciar a sentença) e a executio (poder de fazer cumprir a sentença), classicamente não compõe a jurisdição a possibilidade ou capacidade de criar leis.
Deve ser garantido que somente o Legislativo promulgue leis, a ele é vedado exercer atos administrativos ou do governo, também não profere sentenças; ao Executivo incumbe concretizar a lei aprovada pelo Legislativo e, caso não as promulgue, que vete ou busque a declaração judicial da sua inconstitucionalidade.
Ao legislador, que representa a força invisível da presença da sociedade e de cada um dos cidadãos, incumbe a feitura da lei que, em regra, deve valer de modo abstrato, ou seja, para todos. Por isso que se diz que o povo é o construtor do Direito, que tem, na lei, sua fonte fundamental. É dessa ideia que se descortina o importante princípio do devido processo legal, seja quando da elaboração da própria lei, seja quando de sua interpretação e aplicação in concreto.
Ao Judiciário, portanto, na condição de intérprete autêntico da Lei, segundo Kelsen, incumbiria a aplicação da norma ou do direito que deve valer, em regra, tão só para o caso concreto.
A questão então, que se faz polêmica, é entender até que ponto a norma jurídica concretizada pode trazer, no seu bojo, contornos de abstração aptos a influenciar novos provimentos judiciais, ou em outras palavras: compreender até que ponto, sob o manto da interpretação, permite-se a indisfarçável criação do próprio Direito com eficácia que a todos vincule e sem a participação da sociedade e de seus cidadãos?
Eis a tensão que se vê entre o ser e o dever ser, ou entre o Direito posto e o Direito pressuposto e que se acentua ainda mais agora, diante das inovações legais que se impuseram como modo de superar as crises de efetividade ou de força normativa da ordem constitucional.
Quando o Supremo Tribunal Federal produz determinada decisão em sede de Habeas Corpus, por exemplo, essa decisão deve valer apenas para as partes desse caso concreto?
E se tal decisão, ou seu fundamento determinante, em sede de controle difuso confirmar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, decorrerá dessa confirmação obrigatoriedade para que todos a cumpram?
O que dizer, então, da edição de súmula vinculante com eficácia constitucional erga omnes? O que dizer ainda da Reclamação que, como recurso, é posta à disposição de todos com o objetivo de fazer valer as decisões do próprio STF? E o que dizer, enfim, da súmula impeditiva de recursos ou mesmo do precedente sumular que permite ao juiz extinguir ou arquivar de modo antecipado o processo sem julgamento do mérito?
Essas questões retratam para onde caminha a prestação jurisdicional em nossos dias e a tensão existentes entre os poderes, questões relevantes as quais a sociedade ainda não debateu.
O debate é relevante. Afinal contra o Legislador pode o Poder Executivo vetar a lei ou buscar no Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade; contra o abuso do Executivo, pode-se - da mesma forma - socorrer-se do Judiciário. Mas o que se poderá fazer contra o Judiciário quando, a pretexto de julgar, extrapola os limites da separação dos Poderes, criando, disfarçadamente, normas jurídicas de eficácia abstrata?
Acredito que apenas o povo, através de seus representantes, está legitimado a fazer leis.
Essas são as reflexões de hoje.
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