O perfume de Jesus
Sei não, confio no mercantilismo e no faro comercial dos pastores pentecostais, mas esse troço de perfume com a essência de jesus me parece um mal negócio
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mês passado, parti mais uma vez para o meu retiro espiritual, no deserto do mali, o saara.
foram 40 dias, solitário, como um falso tuaregue, me alimentando apenas de gafanhotos e mel silvestre.
beduínicamente, asceta por vocação e misantropo por natureza, magro como um faquir, levitei mil vezes em meio aquele mar de areia como se fosse alma pura.
meditei, em lótus, transmigrei almas, senti no ar a essência inefável dos incensos de mosteiros, dancei com os sátiros de dionísio, chamei xamãs, imaginei chuvas e cheirei os quatro sovacos de shiva.
lá, no meio do nada, tive um insight que mudou completamente a minha vida, cheguei a conclusão, veja que assertiva, de que moisés, esse sim, foi um verdadeiro divisor de águas.
finalmente, retornei à civilização; renovado.
ao chegar em casa, nada de política, só falava de religiões. daí, recebo de um amigo uma mensagem pelo zap com o link de uma reportagem, supostamente religiosa.
clico, leio que a boa bispa sônia, aquela bonitona que foi interceptada na alfândega, nos esteites, com uma bíblia recheada de dólares, havia lançado um perfume com essência de Jesus.
com mil diabos, pensei.
perfume de jesus? essa bispa pegou uma cana dura nas estranjas, ela e o marido, ambos líderes da igreja renascer, sonegando moeda estrangeira no estrangeiro.
presa em flagrante, talvez tenha tido a fragrante ideia ainda no cárcere.
com a mente limpa após o retorno do deserto, farejei aí a descarada máscara da fuleiragem. esses feiticeiros estão indo longe demais, disse comigo mesmo.
eu, de minha parte, aceito o que vem de deus, mas não o que vende deus.
por isso, me senti no dever de desmascarar essa safadeza.
em verdade vos digo, e a verdade precisa ser dita, o nosso bom Jesus, irmãos e irmãs, não era lá um cabra muito cheiroso.
veja o presépio, aquela presepada.
o menino jesus nasceu deitado numa manjedoura imunda, cheia de feno, urina e fezes de animais, cercado por toda sorte de bichos: burro, vaca, cavalo, porco espinho, três ovelhas e um gambá; sente o cheiro.
já adulto, cultivava uma barba longa e suja e seu rosto encardido, castigado pelo inclemente sol da judeia, era emoldurado por uma juba de felino da savana.
metido num vestidão de algodão cru, meio esquisito, e calçado com umas sandálias de couro de burro, o filho de deus caminhava como um carteiro, debaixo de um sol escaldante.
dá pra sentir o cheiro daqui.
sovaco, pescoço, virilha... tudo parecia feder a suor. e não há, veja que curioso, um único relato no Livro em que o cordeiro de deus tenha parado para tomar um banho, refrescar o rosto debaixo de uma bica, lavar as canelas empoeiradas ou aliviar as partes íntimas.
é certo que ele não parecia muito afeito a higienes. as únicas vezes que o viram perto da água foram:
em seu batizado, quando joão batista o afogou e o desafogou nas águas do jordão. mas atentai bem, isso foi coisa rápida, não deu sequer para tirar-lhe o suor do corpo.
saiu mais pra fedido que pra cheiroso; rato molhado.
numa outra vez, singrava o rio no barco de pedro. quando, de repente, foi surpreendido por uma tempestade.
coisa curiosa.
porque sabemos que pedro é o cabra que faz chover, mas nesse época ele ainda não tinha status de santo, de são, o que significa que naquele momento era o próprio pai, deus, tentando dar uma banho no filho divinizado.
ao sentir as bátegas da chuva que caíam aos cântaros, o que fez o mestre? num estalar de dedos - qual um luan santana - fez a chuva parar.
que esse negócio de banho de chuva não era muito com ele também não.
ainda uma outra vez, não percam as contas, dentro do mesmo barco, o messias foi visto entrando na água.
não ficou muito claro no relato bíblico, mas parece que jesus estava apertado para ir ao banheiro, ou atrasara-se para algum encontro. como a embarcação não tinha motores, e ele tinha pressa, resolveu descer do barco e se adiantar.
cesar cielo ou michael Felpes teriam feito o percurso a nado em 9 segundos, imagina o filho de deus!
qual nada, o galielu não mergulhou e nem nadou, preferiu ir caminhando sobre as águas.
vai vendo.
e pra finalizar, conta o livro que certa vez jesus entrou na casa das irmãs marta e maria, com os seus doze amigos barbudos, depois de longa caminhada.
madalena, sentindo de longe o cheiro da rapaziada, sugeriu - isso tá aqui na minha bíblia - uma chuverada ou um banho de mangueira coletivo no quintal de sua tenda.
mas o mestre, arredio, só permitiu que lhe lavassem os pés.
e olha que os pés cansados, maltratados pelas caminhadas, rachados pela aridez do deserto, calçados por aquelas velhas e desgastadas sandálias de couro de burro, deviam estar num chulé dos diabos.
tanto é que madá os lavou, quem não se lembra, com perfume. com perfume, irmãos!
Atentai para esse detalhe. a coisa tava tão azeda que água somente não resolveria.
sei não, confio no mercantilismo e no faro comercial dos pastores pentecostais, mas esse troço de perfume com a essência de jesus me parece um mal negócio.
dona sônia, a bispa, é chegada a luxos e fuleiragens. dizem que costuma tomar banho de sais lendo salmos na hidro da igreja - tudo pago com moedas de dizimistas - faz esfoliações com palhas de junco trazidas da galileia e flutua nas águas mornas, oriundas do mar morto, em seu seu ofurô particular.
por isso, essa tara pela cosmética e pelos perfumes.
o diabo é que o mestre, curador de almas e negador da carne, jamais se preocuparia com o odor de seu sovaco.
jesus sabia onde as coisas não cheiravam bem, por isso é que destruiu um camelódromo que ficava nas portas do templo, uma antiga perfumaria.
sinto, e devo dizê-lo como um dever cívico, um inconfundível cheiro de picaretagem nesse negócio.
palavra da salvação.
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