O pensamento vivo de Keynes: o que o genial economista diria de um Campos Neto?
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Este colunista entrevistava Delfim Neto em 2013 e lhe perguntou se a crise financeira de 2008 havia ressuscitado John Maynard Keynes. Delfim foi peremptório: “Keynes nunca morreu!”. Uma imersão, ainda que não profunda, no pensamento do economista britânico revela muito mais que um mero ideólogo da ação estatal como motor da economia, como insistem em pintá-lo. Mostra um intelectual atormentado pela absurda desigualdade inerente ao capitalismo, sendo ele próprio um capitalista. Paradoxos são comuns às mentes geniais.
Keynes nunca morreu, como bradou Delfim, não apenas pela coragem com que se impôs em Bretton Woods ou por ter legado ao mundo ocidental, especialmente aos Estados Unidos, suas três décadas de maior avanço social - o Pós-Guerra precedido e delineado pelo New Deal. O autor da seminal “Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro” sobrepõe-se intelectualmente, de forma gritante, a todos os economistas que vieram depois dele e tentaram desconstruir sua obra a partir da matemática, desaguando no horrendo neoliberalismo. Para Keynes, a economia é antes de tudo uma disciplina humana.
Keynes escandalizou os tecnocratas bem antes de escrever a “Teoria Geral”, em 1936. Com “As Consequências Econômicas da Paz”, de 1919, cobrou das nações vencedoras da Primeira Guerra iniciativas que realmente salvassem os países destruídos, e não que subjugassem suas economias e suas populações. Sempre esteve ao lado das gentes esquecidas pelo capital.
O pensamento keynesiano não pode ser resumido em um artigo, nem sequer em um livro. Mas quem quiser um boa radiografia intelectual do maior economista da História deve ler “O Preço da Paz: Dinheiro, Democracia e a Vida de John Maynard Keynes”, de Zachary D. Carter, obra de 2021 que se classifica como “biografia intelectual definitiva”.
Carter, veterano jornalista americano, hoje no Huff-Post, escreveu um livro saboroso, em que detalhes da vida afetiva de Keynes entremeiam-se com suas atividades acadêmicas, burocráticas e políticas. Habilmente, o autor torna leve o acesso ao conhecimento profundo do intelecto keynesiano, suas vaidades, dúvidas e idiossincrasias.
As polêmicas que Keynes sustentou ao longo da vida, tanto no âmbito acadêmico quanto na imprensa e em palcos políticos internacionais, compõem, juntas, um arcabouço (perdão) temático ainda hoje em debate. Seria interessante saber o que ele diria da insistência cega do atual presidente do Banco Central brasileiro, Roberto Campos Neto, em manter o juro básico na estratosfera e fazer vista grossa ao emprego. Certamente, sua análise de coisas como o teto de gastos de Henrique Meirelles seria mordaz. Nem se fale do “pensamento” econômico de um Paulo Guedes. São pulgas diante da dimensão intelectual e humana de John Maynard Keynes.
O desenvolvimentismo desde Século XXI é filho de Keynes, claro está, e a essa corrente, com bons representantes no Brasil, resta derrotar um insistente neoliberalismo. Reforçar os princípios keynesianos é necessário, por seu brilho humanista e para que a desigualdade não recrudesça.
Este trecho de “O Preço da Paz” ilustra, em parte, a originalidade e o caráter humanista do economista britânico, contra medievalismos que persistem:
“Keynes era um filósofo da guerra e da paz, o último dos intelectuais iluministas que buscaram a teoria política, a economia e a ética como um modelo unificado. Ele era um homem cujo maior projeto não era a taxação ou o gasto governamental, mas a sobrevivência daquilo que ele chamava de ‘civilização’ – o meio cultural internacional que ligava um homem do Tesouro britânico a uma bailarina russa. (...) Quando um repórter lhe perguntou se o mundo já havia visto algo semelhante ao desdobramento da Grande Depressão, Keynes respondeu com sinceridade: ‘Sim. O período ficou conhecido como a Idade das Trevas e durou 400 anos’”.
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