O pensamento de Mao para os jovens brasileiros na ditadura

Talvez o poeta e pensador Novalis também confirmasse tal imagem, porque para ele, e para todos nós, quanto mais poético, mais verdadeiro. Assim foi nos anos 70: a mais bela juventude tentou fazer o sol e a lua mudarem o céu. “E continua tentando”, me sopra um idoso rejuvenescido



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Nesta semana, atravessamos o primeiro de julho que marca os 100 anos do Partido Comunista da China. Em todas as notícias de todo mundo, as falas dos dirigentes e imagens trouxeram de volta à memória o papel de Mao Tsé-Tung na liderança da revolução chinesa. Trouxeram de volta ou nunca saíram da construção do socialismo da maior parte da humanidade? Hoje talvez os mais jovens não saibam, mas para os estudantes socialistas que viveram os apaixonantes tempos de Ação Popular, ainda que sob o terror da ditadura, Mao jamais saiu do seu horizonte. 

É natural, ou melhor, é da hora, é irreprimível trazer à luz de novo a narração de um trecho do meu romance “A mais longa duração da juventude”, que mostro a seguir. 

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 “Então penso que em uma de nossas vidas, naquela noite na Encruzilhada, quando entramos em um bar próximo a uma parada de ônibus, popular, quase infecto, e nós nem sentíamos o mau cheiro, tão felizes estávamos, ali, o melhor prato era mão de vaca. Mesmo quente, sobrenadava nela a gordura. Mas para que diabo queríamos comer? Em 1972, quando vencemos o desemprego, a nossa fome era de cerveja e música. A nossa vida, para a qual daríamos a última gota de sangue, era para a revolução e o sexo, nessa ordem. Mas o sexo, que sonhávamos ter, possuía mais distância que a revolução. A Terra subvertida era ali, para já, estava em pleno curso na guerra do Vietnã, em Cuba havia sido uma vitória, e Mao, o gigante Mao, na China realizava a maior construção socialista. No Brasil, era um processo que levava no máximo uns três anos. Zacarelli nos afirmava, em contida ponderação: 

- A ditadura está em crise. O imperialismo recebe derrotas em todas as frentes. E no Brasil, as massas vão se levantar, não demora. 

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Zacarelli não vacilava nem tremia a voz ao se expor assim tão peremptório. Ele falava um sentimento dominante. Os que duvidávamos do acerto, ficávamos incapazes de ir contra a humana esperança, porque toda história estava do nosso lado. Então cantávamos, a competir no volume com a vitrola wurlitzer: ‘we all live in a yellow submarine, yellow submarine’. E repetíamos a ficha na vitrola. Passo os olhos em volta na lembrança e só vejo a Wurlitzer, Narinha, Zacarelli e Alberto. É como se não houvesse outras mesas, lugar e pessoas. Havia imagens apagadas e distantes, porque estávamos em nossa própria nave amarela. E batíamos com as mãos e os pés que we all live in a yellow submarine. O nosso submarino eram as cervejas, os ouvidos e o sentimento. O mundo estava a um sopro de ser construído por nós. O sentimento de criação vinha do grupo – como era bom criar num coletivo, lembro -, a luz se fazia de nossas mãos e fraternidade. Em vez do cotidiano que vivíamos arrastados, do desprezo que nos lançavam, porque nos julgavam como jovens aéreos que não sabiam o conceito do mundo, ou seja, não sabíamos como trair, puxar o saco, falar sobre carro e mulher que só servia para o sexo, porque nem sequer sabíamos – ó suprema abjeção – saudar o presidente Médici, em lugar do nada que julgavam ser a nossa essência, em lugar do vácuo da simulação de bonecos, de joguetes de uma ordem que nos marginalizava, ali, em vez da infâmia que nos anulava, ali nós éramos os protagonistas, criadores do mundo que era um barro informe. Que felicidade, calor agradável no peito vinha da cerveja e do que podíamos fazer noite adentro. 

Escrevendo agora, reflito e fico navegando no que víamos. Meu Deus, essa é uma realidade melhor vivida que narrada. A vontade que tenho é de largar tudo, me levantar da mesa onde escrevo e sair a caminhar pela praia sem rumo. Com a cara virada para o mar tenho vontade, para que não vejam meus olhos úmidos. Eu quero estar com esses marginais como antes, ou na compensação precária da lembrança. E paro e saio. Volto dois dias depois. Estive com eles nas últimas 48 horas enquanto fazia de conta que me achava no estádio de futebol, ou lia, ou conversava assuntos vários pra me distrair de mim. Mas estavam comigo, na mente e espírito. Então volto a eles, a esses companheiros à beira da felicidade e do abismo. 

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Na longa noite do bar da Encruzilhada, sopramos e mundo e nele plantamos o nosso ânimo. A nossa alma conforme o desejo. 

- Meus amigos – fala Zacarelli -, que forças extraordinárias vão se levantar da humanidade. 

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A vitrola wurlitzer perto estronda. Nesse barulho podemos falar tudo, ou quase tudo, sem medo de que sejamos ouvidos, sequer pela mesa vizinha onde pode estar um policial. 

- O gigante da China já se levantou e anda – digo. Ainda que uma voz do diabo me sussurre “para onde?”, eu não o escuto, porque o maior diabo agora é a revolução chinesa. Ela vai nos redimir da desgraça em que vivemos”. 

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E volto agora a este 2021, quando o presidente Xi Jinping, secretário-geral do partido, na abertura das comemorações do centenário do Partido Comunista da China, falou: 

- O grande renascimento da nação chinesa entrou em um processo histórico irreversível. 

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E mais adiante, na maior serenidade, expressou esta frase luminosa que Goethe assinaria embaixo, creio: 

"Ousar ensinar o sol e a lua a mudarem o céu”. 

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Talvez o poeta e pensador Novalis também confirmasse tal imagem, porque para ele, e para todos nós, quanto mais poético, mais verdadeiro. Assim foi nos anos 70: a mais bela juventude tentou fazer o sol e a lua mudarem o céu. “E continua tentando”, me sopra um idoso rejuvenescido. 

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