O pensador autônomo e o segundo homem odiador
A ‘nova’ gente intolerante agudizou o ódio, passou à intolerância ativa, além de patrulhadora é comissiva no sentido de ataque ao Outro. É ainda organizada em operosas quadrilhas ideológicas de internet ou grupos de bate-papo para difusão de ódios e geração de dano
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Podem ser observados dois tipos de homens e mulheres na sociedade brasileira atual. São totalmente nítidos cada um, quando comparados um com o outro.
De um lado, pessoas que ‘pensam’. Estes produzem; criam; comparam; criticam (com fundamento!); elaboram; constroem; escrevem ou não; difundem razões e fundamentos; acertam e erram com seus devaneios. Efetivamente dão a cara para bater, se é que se incomodam com isto. Mas observe, tudo aqui, ou grande parte é da própria autoria de cada um. Sobre qualquer tema: religião, política, sociedade, comportamento, minorias etc. São, por exemplo (!), os intelectuais.
Do outro lado o que aqui se chama de ‘segundo homem’, os que apenas repetem. Numa sociedade líquida (Bauman) da intolerância, ainda é pior, muitos aí apenas odeiam. Assim, estes copiam ‘pensamentos’ da internet; aceitam como verdade notícias e informações de toda uma imprensa sabidamente opinativa e parcial, ou pior, de qualquer um que poste um vídeo em qualquer lugar; invariavelmente escolhem personalidades afinadas ideologicamente com sua posição para entronizar frases de efeito e nacos de pensamentos bombásticos. Consideram esse garimpo e colagem da Internet uma ‘descoberta’.
Não interessa que lado a pessoa esteja ou efetivamente seja. Esquerda ou direita. Liberal, comunista ou reacionário roxo. Fundamentalista religioso ou budista de final de semana. Há os que produzem e fundamentam, mesmo horrores e preconceitos, e há os que meramente repetem e copiam. A diferença faz toda a diferença.
Na poderosa obra A invenção do povo judeu, do ‘judeu’ e professor de história da Universidade de Tel Aviv, Shlomo Sand, por exemplo, vê-se que Israel é um fosso de discriminações. Apenas um caso, não aceitam nas universidades os 5% de cidadãos nascidos no próprio país porque não são da religião oficial. Uma aberração social, ainda que, de uma forma maluca ou pateticamente atrasada, alguém ‘fundamenta’ essas violências atrozes.
Ou seja, até o preconceito, a intolerância e o ódio aceitam fundamentos. O problema é que parece ter surgido na sociedade brasileira novas cepas. 1) mentais, como um método de pensar, rapidificado e essencialmente superficial, não se buscam esclarecimentos e fundamentos. 2) ideológicas, parecem só prestar valores extremistas, punitivos, culpabilizantes e exemplaristas.
Esta ‘nova’ gente intolerante agudizou o ódio, passou à intolerância ativa, além de patrulhadora é comissiva no sentido de ataque ao Outro. É ainda organizada em operosas quadrilhas ideológicas de internet ou grupos de bate-papo para difusão de ódios e geração de dano. É assim no futebol, em certas religiões, na política partidária e nas perseguições a minorias. Um moralismo portátil em spray que cada um carrega para atacar alguém.
No Brasil, nesta rapidez de percepções sociais, pode-se dizer que se dá, após a década perdida de 1980, um obscurantismo ético. Ao invés de uma busca pelo conhecimento, há uma busca pela barbaria e pela crença. O ‘Aufklärung’ da famosa obra de Adorno e Horkheimer que é o ‘esclarecimento’, Dialética do esclarecimento, não é mais necessário por uma sociedade que só copia, só vê vídeos de internet, aceita qualquer tralha intelectual, repete, dá ‘likes’ e não pensa criticamente.
Este segundo homem que surge com esta sociedade da intolerância é violento, agressivo, reacionário e justiceiro. Não é um pensador, um pacificador, um equilibrado ou um observador atento e maduro. Mesmo com tanta informação à sua disposição. Ele pega a primeira que lhe cai às mãos. Não questiona, não critica, não compara, não reflete. Aceita. É o ‘analfabeto político’ de Brecht só que piorado, violento.
A má notícia é que este segundo homem parece ser a maioria. Ou pelo menos seu barulho é maior. Passam-se anos e décadas e a sociedade não se ‘purifica’. Não fica mais gentil, mais harmoniosa, mais carinhosa e mais tolerante.
A boa notícia é que a ‘genialidade’, que Cícero dizia ser o único fator que supera a amizade, ainda vence a brutalidade. Mas há uma preocupação paralela. Cada vez mais o ser pacato e genial é menos desejado por uma horda superficial. Alguns ‘panos’ hipócritas caíram seriamente no Brasil. O de que o país não era racista. Parece ter caído também o pano que apontava para uma tal ‘sociedade do conhecimento’. Parece piada.
Soa ofensivo ao ‘conhecimento’ supor que ele recepcione a discriminação, a intolerância e toda essa superficialidade cognoscitiva numa sociedade. Esta sociedade competitiva e ‘avaliada’, substituiu a boa e velha fogueira da vaidade, algo personalista, pela da derrota do outro, algo projetado. O berro intolerante ao vizinho ‘chupa…’.
Fala-se muito em ‘crise ética’, como se fala que criança ‘precisa ter limite’, outra piada fática. Ao lado de tudo isso percebe-se que este segundo homem também se tornou essencialmente mentiroso, fraco e com uma personalidade perigosa.
Talvez seja por isso que alguns míseros bilhões de reais estejam sendo descobertos na rubrica da corrupção estatal-empresarial e a sociedade continue como se nada estivesse ocorrendo. Apenas comentando educadamente nas filas de supermercado, um com o outro. Vai ver que este segundo homem é a descoberta antropológica que faltava ao Brasil, ‘rs’. Seríamos assim e ponto final.OBSERVATÓRIO GERAL.
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