O Parlamento precisa vacinar o País contra o vírus dos golpes futuros: eles virão
Os 594 deputados e senadores iniciam uma nova Legislatura num Congresso inflamado pelo levante golpista de 8 de janeiro de 2023
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Não eram raros os genuínos espíritos democratas tomando conta dos corpos e das biografias de mulheres e de homens públicos no início das Legislaturas de 1987 (a 47ª da História da República), aquela que nos legou a Constituição de 1988, e a imediatamente posterior, de 1991 (a 48ª). Nesta última, deputados e senadores driblaram a Revisão Constitucional (um erro!), assistiram ao povo derrotar nas urnas, em plebiscito, a proposta de instituição do Parlamentarismo e promoveram o único impeachment legítimo de nossa historiografia política.
Se havia um Paulo Maluf ou um Roberto Cardoso Alves nos plenários e nos debates da Assembleia Nacional Constituinte, a confrontá-los tínhamos Ulysses Guimarães, Lula, Mário Covas, Nélson Jobim, Sigmaringa Seixas, Fernando Henrique Cardoso, José Genoíno, Cristina Tavares, Fernando Lyra, Ibsen Pinheiro, Nélson Carneiro, Bete Mendes, José Serra, Pedro Simon entre outros.
Em 1992, quando se tornou incontornável o afastamento do primeiro presidente eleito depois da ditadura militar, Fernando Collor de Mello, muitos daqueles constituintes ainda abrilhantavam o Parlamento e viram chegar ao Congresso nomes como o José Dirceu, Darcy Ribeiro, Miro Teixeira, José Paulo Bisol, Eduardo Suplicy e Roseana Sarney. À maneira deles, preservando suas formas de atuar nas trincheiras democráticas, puseram as próprias trajetórias a serviço da consolidação institucional e do firmamento das bases republicanas.
Claro que havia quem negociasse com a política e se fazia negócio no Congresso. Porém, era pungente o número de senhoras e de senhores democratas. Hoje, não.
Para arquivar de vez a inoportuna, desarrazoada, despropositada e obscura “agenda de costumes” que a extrema-direita tentou impor ao Brasil nos temos trágicos da finada “Era Bolsonaro”, uma alma pública verdadeiramente democrática que inaugure mandato hoje na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal deveria começar pela seguinte receita básica de reformas:
- Artigo 142 da Constituição. Urge suprimir a parte final do caput do mesmo. São apenas 22 cabalísticas palavras e ele ficaria assim redigido: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República”. Sairia, portanto, o apêndice de redação (apêndice, como sabemos, não tem utilidade alguma para o funcionamento dos sistemas vitais. Inflamados, podem até matar) imposto por pressão dos generais Leônidas Pires Gonçalves e Otávio Medeiros à Constituinte. “, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, prevê o apêndice que os militares obrigaram Doutor Ulysses a encaçapar no texto constitucional. Revoltado, mas, resoluto e responsável, o Velho Timoneiro encontrou uma forma de xingar os generais e as Forças Armadas chamando a Junta Militar da ditadura de “Os Três Patetas” numa entrevista, e, depois, adjetivando a todos os complacentes ativos e passivos dos porões como “facínoras” no discurso de promulgação da Constituição. Uma Proposta de Emenda Constitucional que suprima o apêndice posto na Carta de 1988 pelos amantes do entulho autoritário faz-se mister.
- Artigos 85 e 86 da Constituição e Lei 1.079/1950, Lei do Impeachment: É necessário criar prazo para despacho do presidente da Câmara para que se pronuncie sobre denúncias de impeachment que chegam a ele pelos mais variados meios. Os constituintes abriram o diapasão de quem pode pedir abertura de processo – qualquer cidadã ou cidadão, por exemplo – mas, deu aos presidentes da Câmara o poder discricionário de decidir quando as analisariam. De imediato, nunca, individualmente, em bloco... Tal abertura permitiu, por exemplo, a Eduardo Cunha que desengavetasse uma denúncia, combinasse com os advogados Miguel Reale, Hélio Bicudo Jr e Janaína Paschoal uma revisão dos termos do pedido que lhe permitisse aceitá-la e deu curso ao golpe do impeachment sem crime de responsabilidade contra Dilma Rousseff em 2016. Se tivesse prazo para despachar os pedidos que dormiam em suas gavetas, Cunha não teria tido a chance de mandar os rábulas do golpe reescreverem uma denúncia inepta que foi o estopim para o desarranjo da Democracia brasileira e levou à ascensão de Bolsonaro e de sua horda de estúpidos, cretinos e criminosos ao poder. Em nome da saúde e da durabilidade da República, que não suportará um novo assalto às instituições promovido por meio de impeachment fake, é essencial mudar a determinação de afastamento do chefe do Executivo quando a Câmara autoriza a abertura de processo. Como ocorreu com Dilma, ao migrar para o Senado com o presidente afastado do cargo e um vice golpista e arrivista locupletando-se da cadeira e da caneta presidenciais, a higidez do processo está inapelavelmente comprometida e tudo vira vingança e ocupação de espaços de poder. Nos Estados Unidos, a Câmara autoriza o início do processo e os presidentes enfrentam, no cargo, a denúncia formulada no Senado. O afastamento imediato instituído no Brasil fragilizou a Presidência ante as marretadas de congressistas aventureiros e marotos como Cunha, Aécio Neves et caterva.
- Poder excessivo e exclusivo do Procurador-Geral da República para denunciar presidentes: Por fim, outro equívoco contido na Constituição de 1988 que uma verdadeira e pura alma democrática com assento no Parlamento precisa corrigir é a concessão de exclusividade da denúncia de presidentes por crimes comuns a quem ocupa o cargo de Procurador-Geral da República. Uma única pessoa não pode dispor de tamanho poder sobre o futuro da Nação caso um aloprado escroque, acanalhado, antirrepublicano, misógino, despreparado e que flertou criminosamente com vários tipos penais como Jair Bolsonaro ocupe a Presidência. É necessário que o Ministério Público Federal tenha instrumentos capazes de fazer o “primus inter pares” da instituição agir à revelia de seus compromissos e com olhar e foco únicos na Constituição.
Os 594 deputados e senadores iniciam uma nova Legislatura num Congresso inflamado pelo levante golpista de 8 de janeiro de 2023, o Dia da Grande Infâmia brasileira, e num Parlamento já marcado pela obtusidade do debate em razão do deprimente viés de extrema-direita que a maioria da Casa tem. Arthur Lira, um negocista de truz pontifica na Câmara Baixa e um enfraquecido Rodrigo Pacheco viu-se obrigado a entregar latifúndios de poder para tentar se preservar no cargo. O País precisa que ao menos um parlamentar abrace a causa democrática e vacine o poder republicano contra o golpismo atávico que tomou conta de nossa cambaleante cultura política.
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