O parlamentarismo realmente existente

"Ainda que de maneira esfarrapada, uma espécie de parlamentarismo de fato vai se impondo, pelo menos para tentar conter os efeitos mais graves da pandemia", escreve o sociólogo Emir Sader. "É uma resposta precária diante de um governo que se desfaz"

Presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente
Presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente (Foto: Marcos Corrêa/PR)


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O governo Bolsonaro perdeu governabilidade. Está estagnado na sua política econômica, não tem política em relação à pandemia. Se esgotou como projeto político e econômico. Não governa mais. Fica reduzido a declarações políticas, que tem cada vez menos efeito.

Mas não existe vazio político, mesmo quando um governo desaparece. A política encontra outras formas de realizar-se. A economia está parada ou melhor, retrocedendo, transformando a recessão em depressão econômica. Estende ainda mais a crise social, que faz com que a maioria da população viva em situação de precariedade, virando-se diariamente para comer, aglomerando-se nos ônibus e trens para buscar formas de renda para sobreviver.

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O país está desgovernado na economia, mas também na pandemia. Mais de 300 mil mortos, máximo de 7% de vacinados, esgotamento e caos do sistema hospitalar. Tornou-se não apenas uma vergonha mundial, mas também um risco para o mundo, pela propagação de novas modalidades do vírus.

O descontentamento generalizado com o Bolsonaro, no campo popular, das classes médias, mas também no grande empresariado e na mídia. O que gera iniciativas políticas que buscam encontrar algumas formas de saída para brecar a ingovernabilidade existente. Como não podem contar com Bolsonaro, esvaziam seu poder e tratar de encontrar esquemas politicas alternativos.

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O Congresso vai se tornando o eixo das movimentações políticas. O controle do Congresso que o Bolsonaro havia conquistado com as eleições para as presidências do Parlamento - especialmente da Câmara -, vai também refletindo os descontentamentos generalizados com o Bolsonaro.

Os presidentes da Câmara e do Senado vão ganhando protagonismo, articulando-se com o empresariado, com o Judiciário, com os governadores, para organizar um mecanismo de coordenação para atuar contra a expansão descontrolada da pandemia.

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Em cada crise política, a direita costuma retomar seu projeto histórico do parlamentarismo, partindo do suposto de que é mais fácil para ela eleger congressos com maioria de direita – o que historicamente tem sempre acontecido no Brasil – do que eleger um líder político nacional com ideias de direita e apoio popular. O último deles foi FHC, que a direita teve que buscar no campo do centro, depois do fracasso do Collor. Pode dar certo, porque o FHC abandonou suas ideias social democratas para aderir ao neoliberalismo. Foram os anos de glória para a direita – FHC derrotou o Lula duas vezes no primeiro turno -, de sucesso neoliberal, mas que se esgotaram ali.

Agora, pelo vazio de governo, vai se configurando, na prática, um novo tipo de parlamentarismo, sem reivindicar esse nome, para não chamar a atenção de que está esvaziando o poder do Bolsonaro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, vai atuando como uma espécie de primeiro-ministro de um parlamentarismo de fato. É a ele que os empresários, os governadores, o Judiciário, buscam, para coordenar ações que se dão conta que o Bolsonaro não tem mais capacidade para colocar em prática. Pacheco divide com o presidente da Câmara, Arthur Lira, ambos do Centrão, essas funções.

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O Congresso reivindica seu papel de eco da sociedade, para fazer o que Bolsonaro não faz. Presta o reconhecimento formal do papel de presidente ao Bolsonaro, incluindo-o na coordenação organizada pelo presidente do Senado, para entrar em guerra aberta com ele.

Ninguém se atreve a dar nome a esse esquema de governo, para não obrigar o Bolsonaro a reagir. Com a reaparição plena do Lula na vida política, embora Bolsonaro perca claramente a possibilidade de reeleger-se-, ele ainda é o nome mais forte no campo da direita, como as pesquisas indicam. Enquanto nenhuma das possibilidades de terceira via apresentar potencial para ocupar esse lugar. (Numa das últimas pesquisas, sobre apenas 12% de preferencias, frente às opções crescentes pelo Lula e decrescentes pelo Bolsonaro.) A direita começa a especular sobre a possibilidade de ser derrotada até mesmo no primeiro turno, se mantém a Bolsonaro como seu candidato, mas não vislumbra ainda um outro nome.

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Enquanto isso, ainda que de maneira esfarrapada, uma espécie de parlamentarismo de fato vai se impondo, pelo menos para tentar conter os efeitos mais graves da pandemia. Para acelerar a compra de vacinas, para promover um ritmo maior da vacinação, para diminuir o ritmo de propagação dos vírus – em que os governadores tem um papel fundamental, mas que dependem do presidente do Senado para a organização de uma coordenação nacional.

É uma resposta precária diante de um governo que se desfaz. Porque tem que combinar a sobrevivência de um presidente – do qual a direita ainda depende –, de um modelo econômico esgotado, de uma pandemia descontrolada, de que trata de diminuir os efeitos mais graves.

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Mas não será nenhuma surpresa que, diante dessa situação e, principalmente, do risco grave para a direita de perder as eleições do próximo ano, que ressurja, com o apetite de poder do Congresso, o projeto de algum tipo de parlamentarismo. Que pode ajudar ao restrito arsenal de instrumentos para tentar impedir a aparentemente inevitável volta do Lula ao governo.

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