O papel do cinema para que a história não seja esquecida e apagada
A indústria cinematográfica mostra sua potencialidade no resgate histórico de crimes cometidos por ditaduras, mas no Brasil a produção hoje é inexpressiva
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O cinema nos traz histórias importantes de processos de redemocratização e de punições para crimes contra direitos humanos cometidos pelo estado. O filme “1985, Argentina” mostra bem como isso se deu contra os militares que comandaram o país no período de 1976 a 1983. Ainda sobre esse sombrio período, cabe citar o premiado filme “A história oficial”, que ganhou o Oscar de 1986 de melhor filme estrangeiro.
Aliás, esse processo que aconteceu na Argentina, de punição aos sanguinários militares, que mataram mais de 30 mil civis, sempre é colocado como referência em relação ao que aconteceu no Brasil, que aprovou uma Lei da Anistia geral irrestrita, em 1979. Lei essa aprovada a partir de um “acordão”, que jogou para debaixo do tapete as atrocidades, entre sequestros, assassinatos e torturas cometidas pelos militares na ditadura civil militar que durou 21 anos, entre os anos de 1964 e 1985.
Cinema de memória histórica
Mas um processo que é muito parecido com o que aconteceu no Brasil é o da Espanha, após o fim do regime fascista de Francisco Franco que durou no país de 1939 a 1975. É notório que o processo espanhol foi uma referência para o Brasil, pois em 1977, a Espanha aprovou uma Lei de Anistia que perdoou os crimes da ditadura fascista, dois anos antes da nossa anistia.
Relembrar esse triste passado de atrocidades de uma ditadura fascista é um fato que o cinema espanhol tem feito com muita propriedade e frequência. Apesar do grande “acordão” da Espanha, a produção cinematográfica do país tem uma lista de películas que abordam o período da guerra civil (1936-1939), resistência e busca da verdade. Filmes como “Surdo”, “Trincheira Infinita”, “Resistência”, “Mães Paralelas” e “A morte de Antonio Sánchez Lomas" mostram como o cinema espanhol resiste em não deixar apagar as memórias do triste passado da sociedade espanhola. Existem estatísticas que calculam entre 150 mil e 200 mil, o número de desaparecidos no período que compreende a guerra civil e o período do governo fascista de Franco.
O cinema também não deixa apagar de nossas memórias o que aconteceu no Chile, a partir do golpe de estado que derrubou o presidente Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973, passando pela ditadura neoliberal de Pinochet, até chegar ao plebiscito que colocou para correr o ditador chileno. A filmografia abarca títulos como “Desaparecido”, “Massacre no Estádio” e “No”. Segundo dados oficiais, a ditadura de Pinochet assassinou mais de 3 mil pessoas, 30 mil torturadas, levando mais de 80 mil ao exílio.
Cinema brasileiro não releva a Comissão Nacional da Verdade
Já no Brasil, esse resgate histórico parece não interessar aos produtores cinematográficos nacionais. Mesmo com os trabalhos finalizados da Comissão Nacional da Verdade, iniciada em 2011 e encerrada em 2014, conteúdo oficial produzido a partir de uma série de audiências públicas e colaborações documentais, que geraram inúmeros documentos e um relatório final, sobre os crimes políticos e violações aos direitos humanos entre os anos de 1946 e 1988, cobrindo, assim, todo o período da ditadura militar, parece que o assunto não merece uma linha de um simples roteiro a ser produzido na atualidade.
A Comissão Nacional da Verdade ao final de sua atuação apresentou um relatório sobre 191 mortes e 243 desaparecidos no Brasil e no exterior durante o governo militar, além das comprovações da “prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias e de tortura, assim como o cometimento de execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres por agentes do Estado brasileiro”.
O cinema brasileiro já foi mais voltado para esse tipo de produção sobre o período da ditadura militar e os seus crimes. O último filme que apresentou grande repercussão foi “Marighella”, dirigido por Wagner Moura, lançado em 2019, que contou como o militante comunista, Carlos Marighella resistiu na luta armada contra a ditadura. Entre os anos 1980 e 2000, houve uma produção extensa de filmes brasileiros como "Pra Frente Brasil”, “Lamarca”, “O que é isso Companheiro?”, “Batismo de Sangue”, entre outros.
Para que não se esqueça
Tomara que num futuro próximo, o cinema brasileiro também não deixe de lado recentes episódios que marcaram nossa história recente como a pandemia que grassou mais 680 mil vidas por negligência do governo Bolsonaro; o genocídio povo negro, pobre e favelado em ações policiais e o extermínio dos povos originários nos últimos 10 anos.
Para termos uma ideia dessa realidade, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança 6.416 brasileiros foram mortos por intervenção policial em 2020, sendo que 78,9% eram negros. A taxa de letalidade em operações policiais é 2,8 vezes maior entre negros do que entre brancos.
Ainda segundo o estudo, pretos e pardos representam 4,2 vítimas a cada 100 mil habitantes, já entre os brancos, esse número é de 1,5 a cada 100 mil. Pessoas negras são as principais vítimas dessas ações em pelo menos 36 das 50 cidades com mais ocorrências de operações policiais no país.
Já os ataques aos povos originários no Brasil crescem cada vez mais. Segundo o relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, produzido pelo Conselho Indigenista (Cimi), no terceiro ano do governo de Jair Bolsonaro, em 2021, 176 indígenas foram assassinados no país. O número é praticamente igual ao de 2020, quando 182 indígenas perderam a vida de forma violenta.
O levantamento registrou 355 casos de violência contra indígenas ao longo de 2021. É o maior índice desde 2013.
O cinema brasileiro não pode esquecer de abordar essa realidade, por isso é preciso que sejam retomados os investimentos na produção cultural brasileira, tão atacada pelo bolsonarismo governamental em sua "guerra cultural" contra a verdade.
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